Qual é a sua visão para a área da Saúde para esta legislatura?
O ministério da Saúde irá procurar, por um lado, consolidar os ganhos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), ganhos esses que vêm desde a independência, consolidar os dados e os indicadores e melhorá-los dentro do possível numa visão também sustentada pela estratégia dos objectivos de desenvolvimento do milénio, mas também numa visão de um país que tem na sua preocupação a inclusão social, a equidade dos serviços, mas que entende também que esse SNS deverá ser sustentada não só pelo sector público, mas também pelo sector privado. Iremos durante toda a legislatura criar condições, através da regulação do sector privado por forma a que haja parcerias entre os dois sectores. Isto para acabar de uma vez por todas que existem dois sistemas de saúde em Cabo Verde: o sistema público e o privado, quando, na realidade, existe apenas um único sistema de serviço nacional de saúde que integra um serviço público e um serviço privado. É essa integração que nós queremos fazer, cada um percorrendo evidentemente o seu caminho, mas encontrando parcerias importantes que poderão ser estabelecidas entre os dois sectores.
Não vai ser um exercício fácil.
Não é um exercício fácil, mas é um exercício que tem que ser enfrentado. É que o deixar arrastar as coisas tem contribuído para que, de um lado, o sector privado não se tenha desenvolvido da melhor forma possível e, por outro lado, tem permitido alguma promiscuidade, ao invés de parcerias entre os dois serviços.
Falou no encontro alargado do MSSS da necessidade da humanização dos cuidados da Saúde. É neste ponto que irá querer marcar a diferença com os seus antecessores?
No sector da Saúde existem questões de regime. Isto é, há questões que, em termos de objectivos, não se alteram de um governo para outro. Essa é a minha percepção. Agora, a forma de encarar esses desafios, a estratégia para tentar ultrapassá-los é que varia de um governo para outro. Uma das estratégias, é, de facto, a criação de parcerias público/privadas; uma outra é tentar enfrentar com uma equipa multissectorial, em que a Saúde terá a liderança, as questões que têm contribuído para uma má percepção em relação aos cuidados de Saúde em Cabo Verde. Refiro-me concretamente à questão das listas de espera e das evacuações. Creio que se nós conseguirmos resolver esses problemas irá haver ganhos importantes para a população. O que podemos garantir às pessoas é que iremos atacar de frente as questões que têm contribuído para estrangulamentos na qualidade da Saúde. As situações estão bem identificadas e trabalhando com garra, com zelo, com o envolvimento de todos os profissionais de Saúde creio que nós poderemos sim dar um passo importante na melhoria dos cuidados da Saúde.
A questão das evacuações põe-se com maior acuidade nas ilhas com ligações aéreas e marítimas inexistentes ou deficitárias, aliadas à falta de especialistas. Qual será a estratégia?
O importante aqui é que tenhamos a percepção do todo nacional e permitir que haja uma melhor distribuição dos recursos humanos em todo o país. Temos de ter a nível das regiões capacidade de resposta, não só a nível dos cuidados primários, mas de cuidados de algumas especialidades sobretudo nas regiões sanitárias de Santo Antão, Fogo e Brava e do Sal. Permitir que possamos resolver essas situações sem recurso às evacuações para os hospitais centrais, será um ganho importante. Os recursos humanos deverão estar lá, tendo em conta, inclusivamente as maiores demandas e os níveis de competências dos hospitais regionais. Creio que primeiramente terá que haver uma boa articulação entre os próprios hospitais. De facto, nós estamos a propor a criação de um Conselho dos Hospitais que irá permitir, por um lado, a uniformização da gestão dos vários hospitais que nós temos no país.
O Presidente da República vetou, no mês de Março, o PCCS da carreira médica e o estatuto dos enfermeiros, com a justificação que poderão afectar a motivação desses profissionais. Quando irá retomar essa questão?
Creio que o arrastar de um processo há já vários anos é, de facto, um factor de desmotivação. Iremos retomar esse processo brevemente, tendo em conta os argumentos apresentados pelo Sr. Presidente da República para o veto dos diplomas. Já na próxima terça-feira iremos retomar esse processo com a equipa que esteve nas negociações ainda no anterior governo. Isso já será um primeiro passo. Iremos trabalhar com os médicos, e praticamente em simultâneo iremos trabalhar com os enfermeiros. Queremos que pelo menos essas duas classes avancem com propostas concretas, porque não queremos começar do zero. Eu entendo que para o sucesso de uma negociação as duas partes devem ceder alguma coisa. E com esse sentido de razoabilidade, de querer encontrar uma solução que ainda que não seja a ideal, mas a possível, poderemos, de facto, concluir um processo que, como já disse, tem sido um factor de desmotivação de ambas as classes.
O governo tem um programa ambicioso para a Saúde, mas vê-se que a fatia do Orçamento do Estado para a Saúde continua quase a mesma e com uma vigência de apenas cinco meses. O que irá poder concretizar?
Bom, cerca de 10% do Orçamento Geral do Estado vai para o sector da Saúde. Não alterou muito, mas devemos ter em conta a situação do país e as demandas dos outros ministérios. Já alcançamos os 10%, o que vai permitir concretizar alguma coisa. Certamente que a fatia que cabe ao ministério da Saúde irá variando ao longo da legislatura, à medida que o próprio crescimento do país o permitir. O que nós teremos de equacionar é a questão das fontes do financiamento do sector. Eu creio que há propostas concretas nesse sentido. Serão evidentemente discutidas a nível do Conselho de Ministros, a nível da Chefia do Governo e do ministério das Finanças. Tendo em conta a importância da Saúde, não só em relação à parte social, mas fundamentalmente até do próprio desenvolvimento económico do país, essa questão é partilhada por todo o governo.
A luta anti-vectorial, como mosquitos transmissores de Zika, foi declarada como uma prioridade nacional. Como está a decorrer a campanha?
Zica está integrado na luta contra as arboviroses, nas quais estão incluídas a febre-amarela, chikungúnia, dengue e o próprio paludismo. Portanto, devemos criar as resiliências necessárias para enfrentar as eventuais epidemias, não apenas durante o período das crises, mas, através de um programa mais abrangente de fortalecimento do sector da Saúde por forma a dar melhor resposta e essas situações. E estamos a fazer isso, não só a nível da luta anti-vectorial propriamente dita, mas também através da criação de capacidades internas, nomeadamente a nível de laboratórios de entomologia e de virologia, através do melhoramento da nossa comunicação e mobilização social, de uma visão de actuação estratégica e em plataformas com o envolvimento de outros ministérios, das ONGs, das confissões religiosas e das associações comunitárias para que todos entendam que não é uma luta de responsabilidade exclusiva do ministério da Saúde, mas que se trata de uma luta, que para ser ganha, necessita da participação de todos.
Uma das recomendações saídas do encontro alargado quais são as mais prioritárias?
Saíram deste encontro recomendações várias e muito importantes. O que eu gostaria é que não ficássemos por aqui. O que tem acontecido muitas vezes nas reuniões é que fazem-se grandes reflexões e depois as coisas ficam como estão. As soluções para as recomendações saídas das comissões de trabalho deverão ser nos próximos dois meses encontradas e implementadas. A ideia é manter e dar continuidade a esse grande envolvimento demostrado pelos responsáveis da Saúde que estiveram reunidos na Cidade Velha.
O representante da OMS referiu-se a si como uma brisa refrescante que chega ao ministério da Saúde. Como interpreta as suas palavras?
Apreciei as considerações do Sr. Representante da OMS [Mariano Salazar]. A Organização Mundial da Saúde tem sido uma excelente parceira do ministério da Saúde. Pelo seu perfil, pelo seu historial, não só a nível da OMS, mas também como profissional, creio que nós não podíamos encontrar neste momento melhor parceiro que o Dr. Mariano Salazar. Estou certo que se depender da OMS muito daquilo que nós estamos a projectar vai ser, de facto, concretizado.
Os seus dois últimos antecessores não eram profissionais da área da Saúde. Acha que como médico poderá marcar a diferença?
Não gostaria de entrar por ai. Acredito que quaisquer dois meus antecessores, dito sem nenhuma hipocrisia, deram o seu máximo para a Saúde em Cabo Verde. E falo com muito respeito acerca disso, porque hoje estou e amanhã vem outro. Devemos ter em conta que a visão para a Saúde, não é a visão do ministro da Saúde. É a visão de um governo e é uma visão de partilha. É algo que deve ser entendida e incorporada por todos os profissionais. Na Saúde, independentemente de quem for o ministro, não poderá fazer nada se estiver sozinho. Portanto, tudo o que podermos alcançar, o grande mérito deverá ser sempre dos profissionais da Saúde.
Foi criticado por ter começado a visita às estruturas hospitalares do país por Santo Antão, ilha de onde é originário e foi delegado da Saúde. Afectou-lhe esta crítica?
Comecei por Santo Antão como podia ter começado por outra ilha. Foi o retorno à minha ilha, onde trabalhei durante mais de 20 anos. Conheci o sector na qualidade de delegado de Saúde, mas regressei lá na qualidade de ministro da Saúde que deverá visitar não só Santo Antão, mas todas as estruturas de Saúde do país. Comecei por Santo Antão como podia ter começado por outro lugar e vou visitar todas as ilhas.
O programa do governo para o ministério da Saúde prevê a construção de um novo Hospital Regional na Praia, a requalificação de todos os Hospitais Regionais, Centros de Saúde e a construção de mais um Hospital Regional em Santiago. Quando vão ter início essas obras?
É um programa para ser implementado em toda uma legislatura, mas já começamos. Por exemplo, nós já estamos a regular o sector da Saúde, sobretudo do sector privado: nós estamos a criar condições claras e transparentes para a implantação do sector privado em Cabo Verde. Quando falamos de novos hospitais, podem ser hospitais públicos ou não. Nós estamos a resolver o problema do atendimento hospitalar num grande centro urbano como é a cidade da Praia que tem quase um terço da população de Cabo Verde, com uma demanda enorme e que necessita claramente de resposta que pode vir do sector público, mas também do privado.
Critica-se que a construção do Hospital Regional de Santiago-Norte não correspondeu plenamente às expectivas, pois muitos pacientes acabam por ser transferidos para Praia.
Não concordo e faço esta análise baseado inclusivamente nos próprios dados desses hospitais. Mas antes de tudo as pessoas têm que saber quais são as competências de um hospital regional, para saberem o que podem esperar desses serviços. O hospital regional tem um nível de competência para cuidados secundários. Terá necessariamente que evacuar quando for necessário e em função da complexidade do problema de saúde. Então, o hospital regional é um nível intermédio e terá sempre como seu hospital de referência o hospital central, por exemplo, aqui na ilha de Santiago, o Hospital Agostinho Neto. Esse é um aspecto fundamental: conhecer as competências. Segundo, vamos analisar a capacidade de resposta que o hospital regional tem dado. Tem melhorado bastante e pode-se constatar isso até a nível de confiança no Hospital Regional de Santiago Norte. Quando começamos, o hospital regional tinha uma taxa de ocupação à volta de 40 a 50 por cento. O maior gasto na Saúde está ligado ao custo da ocupação de camas. Ter uma cama não utilizada representa custos elevadíssimos. Se analisarmos os dados estatísticos do Hospital Regional de Santiago Norte, constatamos que progressivamente tem aumentado a sua taxa de ocupação, situando-se, neste momento, à volta de 80 a 90 por cento. O que isso quer dizer? Que as pessoas estão procurando mais este hospital e que a resposta local e regional tem sido encontrada. Portanto, não é verdade que nenhum hospital não está a desempenhar o seu papel. Poderá melhorar? Mas onde é que não se poderá melhorar? O ministério da Saúde, lá onde for necessário, irá reforçar as suas competências, as suas capacidades, quer em termos de meios humanos e materiais, mas até da própria logística. Há muita coisa que pode ser melhorada, não só nos hospitais regionais, mas nos hospitais de uma forma geral.
Falemos da Segurança Social. Quais serão as grandes medidas do governo para garantir a sustentabilidade do sistema?
Creio que vamos ter um caminho importante a percorrer para uma melhor integração da Saúde e Segurança Social. Foi criado o ministério da Saúde e Segurança Social e queremos que estes dois sectores podem e devem caminhar não apenas de uma forma paralela, mas integrada. Esse é um aspecto importante da definição de uma política, não apenas para a Saúde, não apenas para a Segurança Social, mas uma política para a Saúde e Segurança Social. São dois desafios importantes que temos que consolidar, porque possibilitar-nos-á inclusive de melhorarmos a nossa visão em relação aos dois sectores. De facto, há uma visão da segurança social em que a Saúde praticamente aproveita-se da segurança social. Isso é um erro. A saúde nunca irá aproveitar-se da segurança social. A saúde irá potencializar a segurança social, sobretudo se nós entendermos que as acções na saúde, não tem apenas o aspecto curativo, mas são acções de promoção e de prevenção. O que quero dizer com isso? Imagine o que representa em termos de custos para a segurança social uma situação de insuficiência renal. Se houver uma acção forte e eficaz sobre as infecções respiratórias desde criança, provavelmente nós iremos diminuir várias situações que irão culminar depois num quadro de insuficiência renal com custos elevados para a segurança social. Isso significa ter um pensamento integrado de saúde e segurança social. Temos de ver isso não como gastos, mas investimentos nesse sector. Esse é um aspecto fundamental. As pessoas contribuem para a segurança social e é evidente que nós temos que garantir que mais tarde recebam as suas pensões. Na área da saúde temos que ver as prestações e ver lá onde podemos melhorar essas prestações. É nessa base que iremos trabalhar.
O INPS é o rosto mais visível da segurança social. O governo prometeu despartidarizar, mas foi criticado por ter colocado no novo conselho de administração militantes do MpD. O que diz?
Os novos membros do conselho de administração do INPS, com excepção da Dra. Orlanda Ferreira, que até recentemente exerceu cargos importantes a nível do aparelho partidário e do Parlamento, mas ela é quadro do INPS e já tutelou inclusivamente a Segurança Social. É uma mais-valia para o instituto e a mesma coisa digo para os outros dois membros. Portanto, o critério fundamental que norteou a escolha dos novos membros do conselho de administração do INPS foi a sua competência, conhecimento e a capacidade de gestão desse grande instituto que é o INPS.
O programa do governo determina que o INPS irá abrir mão de aplicações de duvidosa racionalidade financeira. O que significa concretamente?
O que o INPS irá fazer é assegurar que as suas aplicações sejam seguras. Portanto, a participação em empresas que garantam o retorno importante para a segurança do INPS.
O programa do governo fala da avaliação da aplicação financeira das reservas existentes fora do território nacional dada a exiguidade do mercado nacional.
Muito bem, da análise das possibilidades de investimento e dos retornos que esses investimentos poderão trazer, essas aplicações poderão ser feitas a nacional ou internacional.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 768 de 17 de Agosto de 2016