A corrupção
e a vontade política
Por Joaquim Carlos (*)
A comunicação social, brinda-nos todos
os dias com notícias relacionadas com o tema desta semana. Uma vez que
localizei nos meus arquivos, um artigo divulgado há uns anos no JN, aqui
transcrito na íntegra pelo interesse que desperta ainda no presente. Começam a
ser tão banais tais notícias que já não despertam tanta atenção, não deixando
de ser perigoso, pois a corrupção corrói a dignidade humana e destrói uma
nação.
A corrupção
não é somente uma questão de comprar determinados procedimentos de outros, em
envelopes com dinheiro, para obter vantagens financeiras. Comprar os
outros, ou comprar facilidades para obter vantagens é uma coisa muito velha nas
sociedades. Ocorreu até com Judas por um punhado de moedas, ao que está escrito
na Bíblia, verdade ou não, vamos utilizar apenas como exemplo de corrupção em
tempos antigos. O corrupto nas sociedades mais antigas, não era somente o que
se vendia por dinheiro, mas aquele que por uma fraqueza pessoal, um desvio de
carácter, e até mesmo por cobardia, acabava por trair aqueles com os quais
tinha feito votos de total confiança, uma espécie de juramento.
Não podemos mais aceitar uma sociedade com
estes valores e estes modus de vida completamente degradantes que gradualmente
estão nos conduzindo para um beco sem saída em todos os caminhos que seguimos.
O mundo está passando por crises de todos os tipos, económicos, climáticos,
incongruências, filosofias balofas, padrões comportamentais desviantes, vazios
existenciais, fomes, guerras a dizimar populações inteiras, violências
fortuitas, homicídios em massa e desemprego, etc., etc.
Corrupção não é só vender-se ou comprar
alguém por um punhado de notas, vai muito além. É como um vírus mental, um
desvio comportamental que existe em todo o homem, ele se sobrepõe ao
comportamento que devia ser correcto em ética e moral das leis sobrenaturais. Corrupção humana, no conceito mais amplo é
o resultado de uma acção de querer levar vantagem, de qualquer natureza, sobre
os outros, e nem sempre envolve vantagens pecuniárias, sendo esta apenas um
resultado desejado em muitos casos. Ela é na verdade, pelo conceito
esotérico abrange todo o impulso egocêntrico do ser humano em convívio com
outros seres humanos. Afinal o que é ser corrupto? Ser corrupto é tudo que
existe de negativo no comportamento do ser humano.
Restringir a corrupção apenas aqueles
que ascendem a cargos públicos como os políticos, administradores ou
governantes, é limitar demais os nossos próprios comportamentos. Afinal, nos
processos actuais o político é mais um alguém do Povo, como qualquer outro, por
isto mesmo corrupto, sujeito aos desejos como qualquer outro indivíduo do Povo.
Roberto Pompeu de Toledo escreveu em 1994 na Revista Veja: “Hoje sabemos, sem sombra de dúvida, que a corrupção faz parte de nosso
sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições”. A
corrupção, assim como a vida, são encaradas como um intercâmbio, como um
constante processo de “trocas” entre pessoas, uma rotina que não devemos dar
importância, dizem alguns.
“Pelo que se tem visto, ultimamente, no
nosso país, o “fenómeno” da corrupção não aparece já como um problema marginal
na sua dimensão e excepcional na sua ocorrência, mas como um sentimento
endémico, uma espécie de metassistema tão eficiente ou ainda mais do que os
aparelhos oficiais nos quais está enxertada e dos quais se alimenta.
E não
parece que o sistema político mostre muito empenho em combater tal situação. O
que tem vindo a contribuir fortemente para que a corrupção tenha alastrado será
o facto de a sociedade civil e o mercado estarem gangrenados e corrompidos.
Esta é a realidade.
Sem pretender fazer análise minuciosa e
detalhada das causas que contribuem para a erupção num Estado, dito, de direito
democrático, não será muito difícil descortinar que o laxismo, o individualismo feroz e a permissividade normativa que hoje
em dia caracteriza(m) as relações sociais, são consequência da perda do
carácter e da integridade das pessoas a que se alia a prática de comportamentos
inescrupulosos que acabam por não respeitar nada nem ninguém.
Se isto se passa a nível da sociedade
civil não será difícil, a “fortion”, verificar que o mesmo se passa a nível
politico. Porque a sociedade civil promana de uma certa forma de exercício do
poder político. Ou seja, a forma como se exerce esse poder político tem
reflexos na estrutura e na organização da sociedade civil. Por isso a corrupção pode, portanto, ser
primeiramente definida como uma troca clandestina entre dois “mercados”, o
“mercado politico e/ou administrativo” e o mercado económico e social.
Esta troca é oculta, pois viola normas
públicas, jurídicas e éticas e sacrifica o interesse geral a interesses
privados (pessoais, corporativos, partidários, etc.). Por fim, esta transacção
que permite a agentes privados ter acesso a recursos públicos (contractos,
financiamentos, decisões…) de maneira privilegiada e oblíqua (ausência de
transparência e de concorrência) fornece aos agentes públicos corrompidos
benefícios materiais presentes ou futuros para si mesmos ou para a organização
de que são membros.
Como
alterar, então, tal estado de coisas? Só com efectiva vontade política e com
firmeza de actuação. Mas alguém acredita nessa vontade política e nessa firmeza
de actuação?
Como acreditar no combate à corrupção,
por parte do Governo, quando no conjunto de medidas aprovadas em Conselho de
Ministros, no passado mês de Outubro (1998), entre elas está a introdução do
agraciamento penal ao corruptor activo “arrependido”, isentando-o de
responsabilidades no caso de denunciar ou contribuir para a descoberta do
corruptor passivo, isto é, a pessoa que ele corrompeu?
Não será isto um verdadeiro atentado à
dignidade da Magistratura Judicial como afirmava, recentemente, um conhecido
advogado? Onde está a vontade política
para combater a corrupção?” (António G. Mesquita, Vila Real, J.N.
18/12/98).
Este artigo é actualíssimo. Quantos corruptos
estão detidos? “Digo olhos nos olhos: O
nosso país não é corrupto, os nossos políticos não são corruptos, os nossos
dirigentes não são corruptos”, disse a procuradora-geral adjunta, na
Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide. Francamente, a senhora não
deve ter a noção do país em que vive, do buraco em que os políticos nos
enfiaram, enfim…
“Quando
os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis
são inúteis.”
(Thomas Jefferson). As leis são inúteis porque não funcionam, as influências e
interesses subterrâneos impõem-se, falam mais alto. A corrupção corrói um país,
degrada uma sociedade, e conspurca o nome de quem chafurda neste lodo
nauseabundo.
(*Jornalista)
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