Angola
já não mora aqui?
11 de Novembro de 1974. Uma
Angola já mergulhada na guerra civil e onde já estavam tropas estrangeiras,
proclamava a sua independência. Era a “jóia da coroa” do que restava então do
império colonial português, pelo que Angola, as guerras de Angola, os espoliados
de Angola, os partidos de Angola, tudo mobilizou e dividiu os portugueses
durante muitos e muitos anos. Discutia-se em Lisboa a política angolana, o MPLA
e a UNITA, com o mesmo fervor com que se discutia a política doméstica e a
mesma paixão com que se aderia a este ou aquele clube de futebol. Até que a
guerra acabou, o dinheiro do petróleo começou a jorrar, os negócios em Angola –
e de Angola em Portugal – passaram a ocupar os que, por escolha ou por
necessidade, neles foram reencontrando uma oportunidade. Em tudo isso a
corrupção e o desgoverno foi demasiadas vezes visto apenas como uma nota de
rodapé.
Hoje passaram 40 anos. Houve festa e convidados, mas também nuvens no horizonte. Por causa da queda do preço do petróleo. Por causa da memória recente da greve da fome de Luaty Beirão. É por isso um bom dia para regressarmos a Angola, até porque, na nossa crise doméstica, se vive uma espécie de compasso de espera – a espera pelo que fará o Presidente.
Vou começar por uma referência que é mais abrangente do que Angola – é, de novo, uma referência ao drama dos retornados portugueses, aqui já abordado há dias mas a que devo regressar para vos aconselhar um trabalho multimédia da Renascença com uma ambição rara entre nós. Trata-se de A costela africana dos filhos dos retornados, onde a propósito deste 40º aniversário da independência se dá voz a quem de lá chegou ainda muito novo ou descende dos que, “em pouco mais de um ano, entre o Verão de 1974 e o Verão de 1975, chegaram a Portugal, vindos das ex-colónias”, dessas “cerca de 500 mil pessoas”, “mais de metade [das quais vinda], nos 905 voos de Luanda e Nova Lisboa para Lisboa ou pelos seus próprios meios.” O trabalho do site da Renascença combina texto, imagens antigas, pequenos vídeos e entrevistas e termina com uma nota que é tudo menos optimista:
Quem veio de Angola gosta de falar do passado mas inibe-se, muitas vezes, de falar do presente. Fogem das críticas à falta de democracia, à pobreza, à desigualdade ou à corrupção. Questionadas sobre que país vêem quando olham hoje para Angola, Maria José, Isabel e Paula retraem-se, lamentam o país que podia ter sido e não é, confessam que não gostam muito do que está a acontecer, mas mais não dizem. Como se a realidade actual pudesse conspurcar as memórias felizes de outros tempos.
Memórias revisitadas, passemos então ao presente e à forma agressiva com que as autoridades têm lidado com toda e qualquer dissidência ou tentativa de protesto. Ainda há poucos dias, no editorial do oficialíssimo Jornal de Angola, escrevia-se, em Os activistas e a “memória de passarinho”, que “Graças ao esforço do Executivo podemos dizer que somos mais felizes porque os angolanos souberam impedir que a guerra fosse de novo imposta ao país, por via da exportação das “primaveras árabes” para dentro das nossas fronteiras.” Curiosa felicidade, mas argumento hoje retomado no discurso do ministro da Administração do Território de Angola, Bornito de Sousa, realizado durante as comemoração do 11 de Novembro. Recorrendo aos exemplos da Síria e da Líbia, esse responsável sublinhou que “Os angolanos rejeitam as iniciativas no sentido de se cortar atalhos para perturbar a regularidade eleitoral já alcançadas a troco da oferta de primaveras, que noutros países demonstraram ser infernos destruidores”.
Visão bem diferente é, naturalmente, a dos que criticam um regime que, mesmo realizando eleições regularmente, se caracteriza por uma total concentração do poder nas mãos do MPLA, pela eternização no poder de José Eduardo dos Santos (já lá vão 36 anos!) e pela coexistência de uma elite cleptocraca que ostenta uma riqueza afrontosa num país com alguns dos piores índices de pobreza do mundo. Rafael Marques tem-se distinguido, como jornalista, na denúncia deste estado de coisas, e ainda hoje escreve um artigo no britânico The Guardian que merece referência: Forty years on from independence, Angola still lacks freedom. Dirigido a um público que segue com menos atenção a realidade angolana, o artigo recapitula os acontecimentos mais recentes, em especial o caso Luaty Beirão, concluindo com uma referência importante à relação dúplice da elite angolana com Portugal:
The MPLA’s propaganda keeps criticising Portugal for allowing its media and citizens to take a stand for freedom of expression and human rights in Angola, suggesting that this is a sign of Lisbon’s colonial mindset. However, the colonial mindset seems to be more instilled in the MPLA regime than in the Portuguese public. Portugal remains the mirror for the Angolan elite, making it impossible for Angolans to forge a country in their own image. Angola is trapped in an independence in which the ruling elite still yearns for Portuguese acceptance through a colonial perspective of assimilation. As a result, the promises of independence have yet to be realised. Liberdade Já is the first step to be taken towards fulfilling those promises.
(para seguir o trabalho e as denúncias de Rafael Marques e de outros jornalistas angolanos independentes recomendo que se esteja atento ao blog Maka Angola.)
Um dos dirigentes angolanos que Rafael Marques critica é António Luvualu, o embaixador itinerante de Angola que, por estes dias, procurou justificar a repressão dos dissidentes por estes quererem, alegadamente, criar um clima de instabilidade capaz de justificar uma intervenção da NATO e o derrube do regime de Eduardo dos Santos. Atento, José Milhazes escreveu hoje para o Observador uma crónica de ironia cortante: E que tal a construção clandestina de um túnel entre Portugal e Angola? Nela recorda que muitos dos dirigentes angolanos formaram-se nos países de Leste, pelo que não surpreende que inventem acusações contra os dissidentes tão delirantes como as que se inventaram nos Processos de Moscovo, onde os adversários de Estaline também chegaram a ser acusados de se prepararem para abrir um túnel entre Moscovo e Londres…
E já que estou no Observador, deixem-se deixar-vos mais duas sugestões – e apenas duas, apesar de serem numerosos os Especiais que temos publicado sobre aquele país e a corrupção nele existente. A primeira é apenas uma evocação visual, em 40 fotografias, dos 40 anos de Angola independente, 25 deles vivendo uma guerra civil muito mais mortífera e destruidora do que a guerra colonial: Angola, datas e imagens de uma independência. O outro trabalho já tem mais alguns dias e é sobre O livro proibido que pôs o regime angolano a tremer. Na verdade o Observador teve acesso a uma cópia integral do livro que Luaty Beirão e outros 14 ativistas angolanos liam e debatiam e João Almeida Dias fez dele um resumo alargado em 12 pontos:
I. Chaves prévias para enfrentar e detonar a ditadura com realismo político
II. Nunca, nunca, jamais negociar como ditador
III. Fontes de onde vem o poder para detonar o ditador
IV. Fraqueza das ditaduras
V. A aplicação do poder da resistência democrática: exercitando o poder
VI. A necessidade inevitável de planeamento estratégico
VII. Estratégia de planeamento
VIII. Aplicando o desafio político ou desobediência civil
IX. Desintegrando a ditadura. Aleluia, aleluia!
X. Alicerces para uma democracia real e durável
XI. Os métodos e técnicas de acção não violenta: Raiva, Revolta e Revolução (RRR) na prática
XII. A urgência e necessidade de um “projecto político filosófico de nação”
Ainda no que diz respeito à luta pelos direitos humanos em Angola, destaque para os alertas da Amnistia Internacional, que no seu site dos Estados Unidos, em Angola: Independence celebrations marred by crackdown on human rights, cita Muleya Mwananyanda, sub-director daquela organização para a África Austral e que, entre outras coisas, diz que “The human rights situation in Angola is in serious decline. Citizens’ right to freedom of expression and peaceful assembly has been taken away by a state determined to crush dissent. There is no independence without freedom”.
Deixei para o fim três trabalhos muito diferentes mas ambos bastante interessantes. O primeiro deles é da revista Sábado, chama-se Em Angola não há emigrantes – porque há expatriados. Acontece porém que a vida dos que se mudaram temporariamente para a antiga colónia já não é tão dourada como aqui há uns anos devido à degradação da situação económica e à desvalorização do kwanza. Nesta reportagem relatam-se várias experiências individuais, como a de Filipa Cerejeira que “percebeu que Angola estava em crise minutos depois de ter aterrado em Lisboa. Em Abril de 2013, pela primeira vez, a marketeer, de 30 anos, que vivia há dois em Luanda, não pôde trocar moeda angolana. "Havia traços vermelhos no lugar dos números. Agora, fora de Angola, os kwanzas parecem notas de monopólio", diz à SÁBADO. Nessa altura, os 40 mil kwanzas que ela queria trocar equivaliam a 340 euros. Hoje, valeriam menos 70 euros.”
O segundo destaque vai para um conjunto de trabalhos reunidos num amplo dossier do Público, 40 anos de independências, onde há numerosas entrevistas e se abarca não apenas Angola como as outras antigas colónias. Alguns dos trabalhos ali reunidos já foram publicados há algumas semanas, como A democracia de papel em Angola, de Joana Gorjão Henriques. Nele cita-se Reginaldo Silva, um jornalista de opinião com colaboração regular com a Emissora Católica e o semanário O País – mas banido dos órgãos de informação oficiais – e que põe o dedo numa das feridas: “O clima de partido único ainda persiste, afirma, algo que veio do período em que “havia de facto uma ditadura, de 1975 a 1990”. Não houve, depois da paz, “grande alteração da estrutura mental das pessoas”. “Formalmente o pais não tem problemas de liberdade de expressão – há jornais, etc. Mas continuamos a ter um único jornal diário que politicamente é controlado pelo partido no poder.”
Termino com a referência a um trabalho muito diferente, uma longa entrevista de José Pedro Castanheira, do Expresso, a Lopo do Nascimento, em tempos uma figura muito importante do MPLA, hoje afastado da vida política. A entrevista vale sobretudo pela vivacidade com que vai percorrendo as memórias de uma vida muito intensa e pelas revelações que faz sobre alguns dos episódios menos esclarecidos da história recente do país, como a forma como os cubanos entraram na guerra civil, usando logo baterias dos chamados “órgãos de Estaline”, aos acontecimentos do 27 de Maio de 1977, quando uma facção do MPLA massacrou a outra, a de Nito Alves. Eis uma pequena passagem:
O 27 de Maio foi uma tentativa de alguns camaradas para mudar o regime, com o apoio do KGB ou de elementos do KGB em Angola. E que os nossos serviços de segurança aproveitaram para liquidar muitos angolanos do interior - principalmente estes.
A sua vida esteve em risco nesses dias?
Eu era do interior! Não digo que tenha sido o presidente Neto que me salvou, mas ajudou a salvar… Foi ele que me disse para sair de onde estava, na residência do Palácio, e para ir para o sítio onde ele vivia, lá para o Futungo.
Já me alonguei um pouco por hoje (e também me atrasei), mas espero que possam tirar partido de algumas das minhas sugestões. Bom descanso e boas leituras. E, se ainda for a tempo, vai uma castanha assada e um copo de jeropiga?
Hoje passaram 40 anos. Houve festa e convidados, mas também nuvens no horizonte. Por causa da queda do preço do petróleo. Por causa da memória recente da greve da fome de Luaty Beirão. É por isso um bom dia para regressarmos a Angola, até porque, na nossa crise doméstica, se vive uma espécie de compasso de espera – a espera pelo que fará o Presidente.
Vou começar por uma referência que é mais abrangente do que Angola – é, de novo, uma referência ao drama dos retornados portugueses, aqui já abordado há dias mas a que devo regressar para vos aconselhar um trabalho multimédia da Renascença com uma ambição rara entre nós. Trata-se de A costela africana dos filhos dos retornados, onde a propósito deste 40º aniversário da independência se dá voz a quem de lá chegou ainda muito novo ou descende dos que, “em pouco mais de um ano, entre o Verão de 1974 e o Verão de 1975, chegaram a Portugal, vindos das ex-colónias”, dessas “cerca de 500 mil pessoas”, “mais de metade [das quais vinda], nos 905 voos de Luanda e Nova Lisboa para Lisboa ou pelos seus próprios meios.” O trabalho do site da Renascença combina texto, imagens antigas, pequenos vídeos e entrevistas e termina com uma nota que é tudo menos optimista:
Quem veio de Angola gosta de falar do passado mas inibe-se, muitas vezes, de falar do presente. Fogem das críticas à falta de democracia, à pobreza, à desigualdade ou à corrupção. Questionadas sobre que país vêem quando olham hoje para Angola, Maria José, Isabel e Paula retraem-se, lamentam o país que podia ter sido e não é, confessam que não gostam muito do que está a acontecer, mas mais não dizem. Como se a realidade actual pudesse conspurcar as memórias felizes de outros tempos.
Memórias revisitadas, passemos então ao presente e à forma agressiva com que as autoridades têm lidado com toda e qualquer dissidência ou tentativa de protesto. Ainda há poucos dias, no editorial do oficialíssimo Jornal de Angola, escrevia-se, em Os activistas e a “memória de passarinho”, que “Graças ao esforço do Executivo podemos dizer que somos mais felizes porque os angolanos souberam impedir que a guerra fosse de novo imposta ao país, por via da exportação das “primaveras árabes” para dentro das nossas fronteiras.” Curiosa felicidade, mas argumento hoje retomado no discurso do ministro da Administração do Território de Angola, Bornito de Sousa, realizado durante as comemoração do 11 de Novembro. Recorrendo aos exemplos da Síria e da Líbia, esse responsável sublinhou que “Os angolanos rejeitam as iniciativas no sentido de se cortar atalhos para perturbar a regularidade eleitoral já alcançadas a troco da oferta de primaveras, que noutros países demonstraram ser infernos destruidores”.
Visão bem diferente é, naturalmente, a dos que criticam um regime que, mesmo realizando eleições regularmente, se caracteriza por uma total concentração do poder nas mãos do MPLA, pela eternização no poder de José Eduardo dos Santos (já lá vão 36 anos!) e pela coexistência de uma elite cleptocraca que ostenta uma riqueza afrontosa num país com alguns dos piores índices de pobreza do mundo. Rafael Marques tem-se distinguido, como jornalista, na denúncia deste estado de coisas, e ainda hoje escreve um artigo no britânico The Guardian que merece referência: Forty years on from independence, Angola still lacks freedom. Dirigido a um público que segue com menos atenção a realidade angolana, o artigo recapitula os acontecimentos mais recentes, em especial o caso Luaty Beirão, concluindo com uma referência importante à relação dúplice da elite angolana com Portugal:
The MPLA’s propaganda keeps criticising Portugal for allowing its media and citizens to take a stand for freedom of expression and human rights in Angola, suggesting that this is a sign of Lisbon’s colonial mindset. However, the colonial mindset seems to be more instilled in the MPLA regime than in the Portuguese public. Portugal remains the mirror for the Angolan elite, making it impossible for Angolans to forge a country in their own image. Angola is trapped in an independence in which the ruling elite still yearns for Portuguese acceptance through a colonial perspective of assimilation. As a result, the promises of independence have yet to be realised. Liberdade Já is the first step to be taken towards fulfilling those promises.
(para seguir o trabalho e as denúncias de Rafael Marques e de outros jornalistas angolanos independentes recomendo que se esteja atento ao blog Maka Angola.)
Um dos dirigentes angolanos que Rafael Marques critica é António Luvualu, o embaixador itinerante de Angola que, por estes dias, procurou justificar a repressão dos dissidentes por estes quererem, alegadamente, criar um clima de instabilidade capaz de justificar uma intervenção da NATO e o derrube do regime de Eduardo dos Santos. Atento, José Milhazes escreveu hoje para o Observador uma crónica de ironia cortante: E que tal a construção clandestina de um túnel entre Portugal e Angola? Nela recorda que muitos dos dirigentes angolanos formaram-se nos países de Leste, pelo que não surpreende que inventem acusações contra os dissidentes tão delirantes como as que se inventaram nos Processos de Moscovo, onde os adversários de Estaline também chegaram a ser acusados de se prepararem para abrir um túnel entre Moscovo e Londres…
E já que estou no Observador, deixem-se deixar-vos mais duas sugestões – e apenas duas, apesar de serem numerosos os Especiais que temos publicado sobre aquele país e a corrupção nele existente. A primeira é apenas uma evocação visual, em 40 fotografias, dos 40 anos de Angola independente, 25 deles vivendo uma guerra civil muito mais mortífera e destruidora do que a guerra colonial: Angola, datas e imagens de uma independência. O outro trabalho já tem mais alguns dias e é sobre O livro proibido que pôs o regime angolano a tremer. Na verdade o Observador teve acesso a uma cópia integral do livro que Luaty Beirão e outros 14 ativistas angolanos liam e debatiam e João Almeida Dias fez dele um resumo alargado em 12 pontos:
I. Chaves prévias para enfrentar e detonar a ditadura com realismo político
II. Nunca, nunca, jamais negociar como ditador
III. Fontes de onde vem o poder para detonar o ditador
IV. Fraqueza das ditaduras
V. A aplicação do poder da resistência democrática: exercitando o poder
VI. A necessidade inevitável de planeamento estratégico
VII. Estratégia de planeamento
VIII. Aplicando o desafio político ou desobediência civil
IX. Desintegrando a ditadura. Aleluia, aleluia!
X. Alicerces para uma democracia real e durável
XI. Os métodos e técnicas de acção não violenta: Raiva, Revolta e Revolução (RRR) na prática
XII. A urgência e necessidade de um “projecto político filosófico de nação”
Ainda no que diz respeito à luta pelos direitos humanos em Angola, destaque para os alertas da Amnistia Internacional, que no seu site dos Estados Unidos, em Angola: Independence celebrations marred by crackdown on human rights, cita Muleya Mwananyanda, sub-director daquela organização para a África Austral e que, entre outras coisas, diz que “The human rights situation in Angola is in serious decline. Citizens’ right to freedom of expression and peaceful assembly has been taken away by a state determined to crush dissent. There is no independence without freedom”.
Deixei para o fim três trabalhos muito diferentes mas ambos bastante interessantes. O primeiro deles é da revista Sábado, chama-se Em Angola não há emigrantes – porque há expatriados. Acontece porém que a vida dos que se mudaram temporariamente para a antiga colónia já não é tão dourada como aqui há uns anos devido à degradação da situação económica e à desvalorização do kwanza. Nesta reportagem relatam-se várias experiências individuais, como a de Filipa Cerejeira que “percebeu que Angola estava em crise minutos depois de ter aterrado em Lisboa. Em Abril de 2013, pela primeira vez, a marketeer, de 30 anos, que vivia há dois em Luanda, não pôde trocar moeda angolana. "Havia traços vermelhos no lugar dos números. Agora, fora de Angola, os kwanzas parecem notas de monopólio", diz à SÁBADO. Nessa altura, os 40 mil kwanzas que ela queria trocar equivaliam a 340 euros. Hoje, valeriam menos 70 euros.”
O segundo destaque vai para um conjunto de trabalhos reunidos num amplo dossier do Público, 40 anos de independências, onde há numerosas entrevistas e se abarca não apenas Angola como as outras antigas colónias. Alguns dos trabalhos ali reunidos já foram publicados há algumas semanas, como A democracia de papel em Angola, de Joana Gorjão Henriques. Nele cita-se Reginaldo Silva, um jornalista de opinião com colaboração regular com a Emissora Católica e o semanário O País – mas banido dos órgãos de informação oficiais – e que põe o dedo numa das feridas: “O clima de partido único ainda persiste, afirma, algo que veio do período em que “havia de facto uma ditadura, de 1975 a 1990”. Não houve, depois da paz, “grande alteração da estrutura mental das pessoas”. “Formalmente o pais não tem problemas de liberdade de expressão – há jornais, etc. Mas continuamos a ter um único jornal diário que politicamente é controlado pelo partido no poder.”
Termino com a referência a um trabalho muito diferente, uma longa entrevista de José Pedro Castanheira, do Expresso, a Lopo do Nascimento, em tempos uma figura muito importante do MPLA, hoje afastado da vida política. A entrevista vale sobretudo pela vivacidade com que vai percorrendo as memórias de uma vida muito intensa e pelas revelações que faz sobre alguns dos episódios menos esclarecidos da história recente do país, como a forma como os cubanos entraram na guerra civil, usando logo baterias dos chamados “órgãos de Estaline”, aos acontecimentos do 27 de Maio de 1977, quando uma facção do MPLA massacrou a outra, a de Nito Alves. Eis uma pequena passagem:
O 27 de Maio foi uma tentativa de alguns camaradas para mudar o regime, com o apoio do KGB ou de elementos do KGB em Angola. E que os nossos serviços de segurança aproveitaram para liquidar muitos angolanos do interior - principalmente estes.
A sua vida esteve em risco nesses dias?
Eu era do interior! Não digo que tenha sido o presidente Neto que me salvou, mas ajudou a salvar… Foi ele que me disse para sair de onde estava, na residência do Palácio, e para ir para o sítio onde ele vivia, lá para o Futungo.
Já me alonguei um pouco por hoje (e também me atrasei), mas espero que possam tirar partido de algumas das minhas sugestões. Bom descanso e boas leituras. E, se ainda for a tempo, vai uma castanha assada e um copo de jeropiga?
Fonte: Macroscópio
Por
José Manuel Fernandes, Publisher
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