Durante séculos, a Piscina de Betesda foi lida sobretudo como um cenário simbólico do Evangelho de São João. Para muitos críticos modernos, tratava-se de uma construção literária, criada para enquadrar um milagre com forte carga teológica. No entanto, a arqueologia veio obrigar a história a rever essa leitura apressada.
As escavações realizadas a norte da Jerusalém antiga, junto da actual Igreja de Santa Ana, revelaram um complexo hidráulico impressionante, composto por dois grandes tanques separados por um muro central e rodeados por cinco pórticos. A descrição coincide de forma notável com o texto de João 5, escrito no século I. Para um historiador, esta convergência não pode ser ignorada.
Como crente, não vejo na arqueologia uma prova da fé, mas um convite à honestidade intelectual. Os Evangelhos não são tratados de engenharia nem relatórios arqueológicos, mas demonstram um conhecimento preciso da topografia e da vida urbana de Jerusalém no tempo de Jesus. Betesda mostra-nos um Jesus que atua em lugares reais, entre pessoas concretas, marcadas pela doença, pela espera e pela exclusão social.
O episódio do paralítico, doente há trinta e oito anos, ganha assim uma densidade histórica maior. Jesus entra num espaço conhecido pela concentração de sofrimento humano e quebra a lógica da resignação com uma palavra simples e perturbadora, pronunciada num sábado. O conflito que se segue não é apenas religioso; é social e político, revelando a tensão entre a lei, a misericórdia e a autoridade.
A descoberta arqueológica de Betesda não resolve a questão da fé, nem pretende fazê-lo. Mas desmonta a ideia de que os Evangelhos foram escritos à margem da realidade histórica. Pelo contrário, mostram-nos um Jesus profundamente enraizado no seu tempo, capaz de transformar um espaço de abandono num lugar de rutura e esperança.
Betesda permanece, assim, como um dos exemplos mais claros de como a arqueologia não enfraquece a fé quando esta é adulta. Pelo contrário, obriga-nos a um cristianismo mais encarnado, mais exigente e mais fiel à história real onde Jesus viveu.
*Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor

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