sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A corrupção e a vontade política

A corrupção e a vontade política
A comunicação social, brinda-nos todos os dias com notícias relacionadas com o tema desta semana. Uma vez que localizei nos meus arquivos, um artigo divulgado há uns anos no JN, aqui transcrito na íntegra pelo interesse que desperta ainda no presente. Começam a ser tão banais tais notícias que já não despertam tanta atenção, não deixando de ser perigoso, pois a corrupção corrói a dignidade humana e destrói uma nação.
A corrupção não é somente uma questão de comprar determinados procedimentos de outros, em envelopes com dinheiro, para obter vantagens financeiras. Comprar os outros, ou comprar facilidades para obter vantagens é uma coisa muito velha nas sociedades. Ocorreu até com Judas por um punhado de moedas, ao que está escrito na Bíblia, verdade ou não, vamos utilizar apenas como exemplo de corrupção em tempos antigos. O corrupto nas sociedades mais antigas, não era somente o que se vendia por dinheiro, mas aquele que por uma fraqueza pessoal, um desvio de carácter, e até mesmo por cobardia, acabava por trair aqueles com os quais tinha feito votos de total confiança, uma espécie de juramento.
 Não podemos mais aceitar uma sociedade com estes valores e estes modus de vida completamente degradantes que gradualmente estão nos conduzindo para um beco sem saída em todos os caminhos que seguimos. O mundo está passando por crises de todos os tipos, económicos, climáticos, incongruências, filosofias balofas, padrões comportamentais desviantes, vazios existenciais, fomes, guerras a dizimar populações inteiras, violências fortuitas, homicídios em massa e desemprego, etc., etc.
 Corrupção não é só vender-se ou comprar alguém por um punhado de notas, vai muito além. É como um vírus mental, um desvio comportamental que existe em todo o homem, ele se sobrepõe ao comportamento que devia ser correcto em ética e moral das leis sobrenaturais. Corrupção humana, no conceito mais amplo é o resultado de uma acção de querer levar vantagem, de qualquer natureza, sobre os outros, e nem sempre envolve vantagens pecuniárias, sendo esta apenas um resultado desejado em muitos casos. Ela é na verdade, pelo conceito esotérico abrange todo o impulso egocêntrico do ser humano em convívio com outros seres humanos. Afinal o que é ser corrupto? Ser corrupto é tudo que existe de negativo no comportamento do ser humano.
Restringir a corrupção apenas aqueles que ascendem a cargos públicos como os políticos, administradores ou governantes, é limitar demais os nossos próprios comportamentos. Afinal, nos processos actuais o político é mais um alguém do Povo, como qualquer outro, por isto mesmo corrupto, sujeito aos desejos como qualquer outro indivíduo do Povo. Roberto Pompeu de Toledo escreveu em 1994 na Revista Veja: “Hoje sabemos, sem sombra de dúvida, que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições”. A corrupção, assim como a vida, são encaradas como um intercâmbio, como um constante processo de “trocas” entre pessoas, uma rotina que não devemos dar importância, dizem alguns.
“Pelo que se tem visto, ultimamente, no nosso país, o “fenómeno” da corrupção não aparece já como um problema marginal na sua dimensão e excepcional na sua ocorrência, mas como um sentimento endémico, uma espécie de metassistema tão eficiente ou ainda mais do que os aparelhos oficiais nos quais está enxertada e dos quais se alimenta.
E não parece que o sistema político mostre muito empenho em combater tal situação. O que tem vindo a contribuir fortemente para que a corrupção tenha alastrado será o facto de a sociedade civil e o mercado estarem gangrenados e corrompidos. Esta é a realidade.
Sem pretender fazer análise municiosa e detalhada das causas que contribuem para a erupção num Estado, dito, de direito democrático, não será muito difícil descortinar que o laxismo, o individualismo feroz e a permissividade normativa que hoje em dia caracteriza(m) as relações sociais, são consequência da perda do carácter e da integridade das pessoas a que se alia a prática de comportamentos inescrupulosos que acabam por não respeitar nada nem ninguém.
Se isto se passa a nível da sociedade civil não será difícil, a “fortion”, verificar que o mesmo se passa a nível politico. Porque a sociedade civil promana de uma certa forma de exercício do poder político. Ou seja, a forma como se exerce esse poder político tem reflexos na estrutura e na organização da sociedade civil. Por isso a corrupção pode, portanto, ser primeiramente definida como uma troca clandestina entre dois “mercados”, o “mercado politico e/ou administrativo” e o mercado económico e social.
Esta troca é oculta, pois viola normas públicas, jurídicas e éticas e sacrifica o interesse geral a interesses privados (pessoais, corporativos, partidários, etc.). Por fim, esta transacção que permite a agentes privados ter acesso a recursos públicos (contractos, financiamentos, decisões…) de maneira privilegiada e oblíqua (ausência de transparência e de concorrência) fornece aos agentes públicos corrompidos benefícios materiais presentes ou futuros para si mesmos ou para a organização de que são membros.
Como alterar, então, tal estado de coisas? Só com efectiva vontade política e com firmeza de actuação. Mas alguém acredita nessa vontade política e nessa firmeza de actuação?
Como acreditar no combate à corrupção, por parte do Governo, quando no conjunto de medidas aprovadas em Conselho de Ministros, no passado mês de Outubro (1998), entre elas está a introdução do agraciamento penal ao corruptor activo “arrependido”, isentando-o de responsabilidades no caso de denunciar ou contribuir para a descoberta do corruptor passivo, isto é, a pessoa que ele corrompeu?
Não será isto um verdadeiro atentado à dignidade da Magistratura Judicial como afirmava, recentemente, um conhecido advogado? Onde está a vontade política para combater a corrupção?” (António G. Mesquita, Vila Real, J.N. 18/12/98).
Este artigo é actualíssimo. Quantos corruptos estão detidos? “Digo olhos nos olhos: O nosso país não é corrupto, os nossos políticos não são corruptos, os nossos dirigentes não são corruptos”, disse a procuradora-geral adjunta, na Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide. Francamente, a senhora não deve ter a noção do país em que vive, do buraco em que os políticos nos enfiaram, enfim…
“Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são inúteis.” (Thomas Jefferson). As leis são inúteis porque não funcionam, as influências e interesses subterrâneos impõem-se, falam mais alto. A corrupção corrói um país, degrada uma sociedade, e conspurca o nome de quem chafurda neste lodo nauseabundo.

 Por J. Carlos
 (*Jornalista)

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