A MULHER NO FASCISMO - TOTAL AUSÊNCIA DE DIREITOS
Trinta anos volvidos sobre a Revolução
de Abril, é importante recordar a situação anterior da mulher na sociedade
portuguesa, caracterizada pela ausência total de direitos. E porque há quem
queira branquear a história do fascismo, evocando direitos e respeito pela
mulher, recordemos, porque a memória pode ser curta, alguns aspectos em várias
áreas da sua vida.
No trabalho
– Em 1974, apenas 25% dos trabalhadores
eram mulheres; apenas 19% trabalhavam fora de casa (86% eram solteiras; 50%
tinham menos de 24 anos).
– Ganhavam menos cerca de 40% que os homens.
– A lei do contrato individual do
trabalho permitia que o marido pudesse proibir a mulher de trabalhar fora de
casa.
A mulher no fascismo - Total ausência de
direitos
– Se a mulher exercesse actividades
lucrativas sem o consentimento do marido, este podia rescindir o contrato.
– A mulher não podia exercer o comércio
sem autorização do marido.
– As mulheres não tinham acesso às
seguintes carreiras: magistratura, diplomática, militar e polícia.
– Certas profissões (por ex.,
enfermeira, hospedeira do ar) implicavam a limitação de direitos, como o
direito de casar.
Na família
– O único modelo de família aceite era o
resultante do contrato de casamento.
– A idade do casamento era 16 anos para
o homem e 14 anos para a mulher;
– A mulher, face ao Código Civil, podia
ser repudiada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento.
– O casamento católico era indissolúvel
(os casais não se podiam divorciar).
– A família é dominada pela figura do
chefe, que detém o poder marital e paternal. Salvo casos excepcionais, o chefe
de família é o administrador dos bens comuns do casal, dos bens próprios da
mulher e bens dos filhos menores.
– O Código Civil determinava que
“pertence à mulher durante a vida em comum, o governo doméstico”.
– Distinção entre filhos legítimos e
ilegítimos (nascidos dentro e fora do casamento): os direitos de uns e outros
eram diferentes.
– Mães solteiras não tinham qualquer
protecção legal.
– A mulher tinha legalmente o domicílio
do marido e era obrigada a residir com ele.
– O marido tinha o direito de abrir a
correspondência da mulher.
– O Código Penal permitia ao marido
matar a mulher em flagrante adultério (e a filha em flagrante corrupção),
sofrendo apenas um desterro de seis meses;
– Até 1969, a mulher não podia viajar
para o estrangeiro sem autorização do marido.
Saúde Sexual e Reprodutiva
– Os médicos da Previdência não estavam
autorizados a receitar contraceptivos orais, a não ser a título terapêutico.
– A publicidade dos contraceptivos era
proibida.
– O aborto era punido em qualquer
circunstância, com pena de prisão de 2 a 8 anos. Estimavam-se os abortos
clandestinos em 100 mil/ano, sendo a terceira causa de morte materna.
– Cerca de 43% dos partos ocorriam em
casa, 17% dos quais sem assistência médica; muitos distritos não tinham
maternidade.
– A mulher não tinha o direito de tomar
contraceptivos contra a vontade do marido, pois este podia invocar o facto para
fundamentar o pedido de divórcio ou separação judicial.
Segurança Social
– O regime de previdência e de
assistência social caracterizava-se por insuficiente expansão, fraca cobertura
de riscos e prestações sociais com baixo nível de protecção social.
– O número de trabalhadores(as)
abrangidos com o direito a pensão de velhice era muito reduzido. Pouco antes do
25 de Abril, o número de portugueses a receber pensão era cerca de 525 mil.
– Não existia pensão social, nem
subsídio de desemprego.
– A pensão paga aos trabalhadores rurais
era muito baixa e com diferenciação para mulheres e homens.
– Não existia pensão mínima no Regime
Geral e a pensão média, o abono de família e de aleitação atingiam valores
irrisórios.
– As mulheres, particularmente as
idosas, tinham uma situação bastante desfavorável. A proporção de mulheres com
65 anos e mais que recebia pensões era muito baixa, assim como os respectivos
valores.
Infraestruturas e equipamentos sociais
– Em 1973 havia 16 creches oficiais e a
totalidade, incluindo as particulares, que cobravam elevadas mensalidades,
abrangia apenas 0,8% das crianças até aos 3 anos de idade.
– Não existiam escolas pré-primárias
públicas e as privadas cobriam apenas 35% das crianças dos 3 aos 6 anos de
idade.
– Quase 50% das casas não tinha água
canalizada e mais de metade não dispunha de electricidade.
Direitos cívicos e políticos
– Até final da década de 60, as mulheres
só podiam votar quando fossem chefes de família e possuíssem curso médio ou
superior.
– Em 1968 a lei estabeleceu a igualdade
de voto para a Assembleia Nacional de todos os cidadãos que soubessem ler e
escrever. O facto de existir uma elevada percentagem de analfabetismo em
Portugal, que atingia sobretudo as mulheres, determinava que, em 1973, apenas
houvesse 24% dos eleitores recenseados.
– As mulheres apenas podiam votar para
as Juntas de Freguesia no caso de serem chefes de família (se fossem viúvas,
por exemplo), tendo de apresentar atestado de idoneidade moral.
Dados estatísticos
• Esperança de vida das mulheres:
70,8 anos (1970)
80,6 anos (2002)
• Taxa de mortalidade infantil:
(permilagem)
37,9% (1974)
5,0% (2002)
• Taxa de mortalidade materna:
(por 100 mil nados vivos)
73,4% (1970)
2,5% (2000)
• Partos em estabelecimentos de saúde:
37,5% (1970)
99,5% (2000)
• Analfabetismo:
33,6% (1970)
9,0% (2001), dos quais 11,5% mulheres,
6,3% homens.
• Taxa de actividade feminina:
19% (1974)
46% (2003)
• Feminização do ensino superior:
44,4% (1970-71)
56,0% (2001)
• Taxa de cobertura:
– Água canalizada:
47,0% das casas (1970)
97,4% das casas (2001)
– Esgotos:
58,0% (1970)
96,7% (2001)
– Electricidade:
63,0% (1970)
99,6% (2001).
Aberrações no tempo do fascismo...
– Em 1932, em todos os manuais de
leitura estava incluída a seguinte frase: “Na família, o chefe é o pai; na
escola, o chefe é o mestre; na igreja, o chefe é o padre; na Nação, o chefe é o
governo.”
– Em 1936, o Ministério da Educação
proibiu as professoras de usar maquilhagem e indumentária que não se adequasse
à “majestade do ministério exercido”; as professoras só podiam casar com a
autorização do Ministro, concedida apenas desde que o noivo demonstrasse ter
“bom comportamento moral e civil” e meios de subsistência adequados ao
vencimento de uma professora.
– Salazar declarava: “Nos países ou nos
lugares onde a mulher casada concorre com o trabalho do homem (...) a
instituição da família, pela qual nos batemos, como pedra fundamental de uma
sociedade bem organizada, ameaça ruína.” E “Portugal é um país conservador,
paternalista e – Deus seja louvado – ‘atrasado’, termo que eu considero mais
lisonjeiro do que pejorativo.”
– Em muitas localidades, quando uma
mulher morria os sinos dobravam menos vezes do que quando era um homem.
25 de Abril de 1974
Uma Revolução democrática e nacional
Uma Revolução para as mulheres
O 25 de Abril de 1974 representou para
as mulheres portuguesas uma autêntica revolução. Abriram-se as portas para a
conquista de um lugar digno na sociedade, em igualdade de direitos com o homem,
e não numa mera posição subalterna. As medidas revolucionárias na área do
trabalho, da segurança social, do direito da família, a criação de equipamentos
sociais (creches, jardins de infância, lavadouros públicos,...) e de
infraestruturas básicas (rede de água, esgotos, electricidade), o alargamento e
o reforço dos serviços públicos, tiveram repercussões imediatas nas suas vidas.
A título de exemplo:
– Fixação do salário mínimo nacional (DL
212/74, de 27.05);
– Aumento generalizado de salários,
garantia de emprego, férias, subsídio de férias e de Natal; diminuição das
diferenças salariais, supressão do tratamento legal ou convencional claramente
discriminatório;
– Abertura às mulheres das carreiras da
magistratura judicial e do ministério público e dos quadros de funcionários da
justiça (DL 251/74,12.06), carreira diplomática (DL 308/74, de 6.07), a todos
os cargos da carreira administrativa local (DL 251/74, de 22.06);
– Abolidas todas as restrições baseadas
no sexo quanto à capacidade eleitoral dos cidadãos (DL 621-A/74, de 15.11);
– Alteração do artigo XXIV da
Concordata, passando os casamentos católicos a poder obter o divórcio civil (DL
187/75, de 4.04);
– Abolido o direito do marido abrir a
correspondência da mulher (DL 474/76, de 16.06);
– Revogadas disposições penais que
reduziam penas ou isentavam de crimes os homens, em virtude das vítimas desses
delitos serem as suas mulheres ou filhas (DL 262/75, de 27.05);
– Aprovação da Constituição em 1976, que
consagrava a igualdade entre mulheres e homens em todos os domínios da vida, e
cuja entrada em vigor determinou a revogação de todo o direito discriminatório
ainda existente;
– Ampliação do período de licença de
maternidade para 90 dias (DL 112/76, de 7.02), 60 dos quais teriam de ser
gozados após o parto, estando abrangidas todas as trabalhadoras;
– Entrada em vigor, em 1978, da revisão
do Código Civil (DL 496/77, de 25.11); na família a mulher deixa de ter
estatuto de dependência para ter estatuto de igualdade com o homem;
– Criação das consultas de planeamento
familiar nos centros de saúde materno-infantil (Despacho do Secretário de
Estado de Saúde, 16.03.76).
Marcos importantes - A Constituição de
1976
O artº 13º estabeleceu que todos são
iguais perante a lei. O artº 36º que os cônjuges tinham direitos e deveres
iguais no casamento e que os filhos nascidos fora do casamento não podiam ser
objecto de discriminação.
Foram estabelecidos direitos e deveres
sociais, tais como: segurança social (artº 63º), saúde (artº 64º), habitação
(artº 65º).
É atribuída ao Estado a incumbência do
desenvolvimento de uma rede nacional de assistência materno-infantil e a
divulgação dos métodos de planeamento familiar [artº 67º, al. b) e d)].
Reconhecimento da maternidade como valor
social eminente, e o direito a uma licença de parto sem perda de retribuição e
quaisquer regalias (artº 68º).
Garantido o direito ao trabalho para
todos, incumbindo ao Estado garantir a igualdade de oportunidades na escolha de
profissão e na progressão da carreira (artºs 51º e 52º) e o princípio do
salário igual para trabalho igual [artº 53º, al. a)].
Revisão do Código Civil
A Reforma do Código Civil, aprovada pelo
DL 496/77, de 25.11, aboliu as disposições discriminatórias do Direito da
Família quer quanto à mulher, quer quanto aos filhos.
A mulher deixa de ter estatuto de
dependência para ter estatuto de igualdade no seio da família.
Desaparece a figura do “chefe de família”.
O governo doméstico deixa de pertencer,
por direito próprio à mulher. O casal decide em comum qual a sua residência.
A mulher deixa de precisar de
autorização do marido para ser comerciante. Cada um dos cônjuges pode exercer
qualquer profissão ou actividade sem o consentimento do outro.
Na constância do matrimónio, o exercício
do poder paternal pertence a ambos os cônjuges.
Os direitos dos filhos não dependem da
existência do casamento entre os pais; não há qualquer discriminação legal
contra os filhos nascidos fora do casamento.
Lei da Maternidade – Lei 4/84, de 4 de
Abril
A aprovação desta lei, que teve
posteriormente diversas alterações, foi muito relevante para as mulheres
trabalhadoras.
Reconhecido o direito a uma licença de
maternidade de 98 dias, bem como o direito à dispensa de trabalho para
consultas pré-natais e amamentação.
Previsto o direito a condições especiais
de segurança e saúde nos locais de trabalho para trabalhadoras grávidas,
puérperas e lactantes.
Estabelecimento de presunção de que o
despedimento dessas trabalhadoras é feito sem justa causa.
Previstas diversas licenças para
acompanhamento de filhos menores, e filhos deficientes e com doenças crónicas.
30 Anos após o 25 de Abril Governo
PSD/CDS-PP desencadeia grave ofensiva contra os direitos das mulheres
Nenhum comentário:
Postar um comentário