Conjuntura
política nacional
“Nós,
os que pertencemos à geração de ontem, pensamos que, pelo menos, nos cabe a
tarefa de dar nova expressão às nossas ideias para que nos sobrevivam. Esta expressão
deve constituir um meio de entendimento, um meio de comunicação do querer e do
sentir recíproco.
Esta renovação
do nosso idioma deve começar pela aceitação de uma nova semântica, por um
acordo tácito, de devolver incondicionalmente aos conceitos e definições, o seu
conteúdo autêntico.” Gustav Canaval
O actual panorama político é marcado
pela mudança e pela tensão. Se na área dos social-democratas as incompreensões
e as lutas são moeda comum, o certo é que entre os socialistas prossegue o
combate e os arranjos. Quer a aliança partidária no poder (PSD vs CDS), quer a
frente republicana, vaga designação fantasmática de uma realidade que é
socialista, conheceram e conhecem os seus maus momentos, os seus tempos de
túnel, em que é nebulosa a definição de objectivos, já não convencem os eleitores
desencantados.
A temperatura é alta e é de desagregação. Os
desafios surgidos no seio do partido socialista e que movimentaram uma larga
faixa de partidos mais à esquerda andam longe de estar resolvidos. As
questões da sucessão e das rivalidades entre os chefes dos sociais-democratas
têm uma solução provisória. O irrevogável vai chegar, está à espreita. Isto
significa que os dois grandes partidos do País, com os seus defeitos históricos
e virtudes temporais, continuam nas áreas de debate e indefinição à espera…
espera de Godot. As jogadas estão ao rubro, com uma clara desconsideração pelos
cidadãos, pelos eleitores. Afinal, a voz do POVO deixou de ser a voz de Deus,
passou a ser a voz de interesses subterrâneos, sem consequências para seus
autores.
As alianças que os partidos centrais motivaram,
no caso concreto o grupo governamental e os grupos PCP/CDU, Os Verdes e Bloco
de Esquerda, incluindo a coligação actual, sofrem as mesmas obnubilações ainda
que disfarçadamente. Entram em crise com as indefinições do grupo nuclear,
tornam-se vagas com as brechas abertas, desconhecem as metas quando o próprio
partido aglutinador nem sequer sabe para onde vai, na sua febre de debates e
conveniências.
As demissões, incertezas, declarações
vagas e aparentemente sóbrias, revelam a corda bamba. A corda bamba que não
cessou de excitar as habilidades dos equilibristas amadores desde que
desapareceram figuras que mobilizavam a crença e a adesão dos eleitores e dos
quadros. Na realidade isso significa o abatimento da liderança, a fraqueza,
enfim, a perplexidade perante o labirinto dos caminhos que se cruzam. E, nos
chefes, nada há pior, para minar a confiança, que a incerteza, a perplexidade,
a actuação ambígua e aparentemente habilidosa. A desacreditação, é o fim.
O
QUE FALTA?
O
que faz falta – dizia a canção – é animar a malta. Não há dúvida que é isso que
faz falta. A animação atingiu o grau zero da escrita e se algum entusiasmo
ainda campeia entre as hostis estupidificadas pelas ideologias concorrentes
isso dever-se-á fundamentalmente à escala de inteligências.
Quer a leste, quer a oeste, ou seja,
quer nas hostes dos social-democratas e socialistas, quer nas hostes dos
governamentais falta a convicção, falta a seriedade, falta a decisão de vencer
e de realizar, enfim, falta a concepção do mundo e da vida. Todos discutem, todos relativizam, todos
decidem, todos contestam. Estamos longe da disciplina partidária, estamos longe
do funcionamento da hierarquia, estamos longe de uma responsabilidade
partidária que dê garantias na área do Estado. Continuamos, realmente, no vasto
lodo da mediocridade. E nem sequer estamos no bucólio tempo de Virgílio e
dos romanos agrícolas, apreciadores dos sóbrios prazeres campestres.
A cedência tornou-se a norma para toda a
sociedade politica, civil e religiosa. Os
partidos cedem as crenças para os arranjos caducos; as Igrejas confabulam-se
para destruir os ritos e apertar as mãos em nome de um Cristo feito à imagem e
semelhança dos homens vendidos; as instituições abrem-se à permissividade
porque é mau a escolha de competências e o rigor cria caracteres desviados e
anormais. E tudo é lindo e bom, como no paraíso, antes de Eva comer a maça e
Adão comer Eva.
No entanto, a todos, falta muito. Os que
comeram a maçã não têm ideologia capaz e mobilizadora das massas. O comunismo
fenou-se e não há futuro para ele, a não ser o futuro que lhe assegure o
domínio armado. O socialismo divide-se e
enfraquece na doutrina, e como é lógico fortifica-se nos dividendos. A social-democracia,
de tão vaga e ambígua, acaba por ser aquilo que cada membro afirma e vive a
título pessoal, debilitada na teoria, incompreendida nos fins. Os
centrismos e outros devaneios direitistas, velhos ou novos, deparam-se com
problemas sérios do século XXI para os quais é necessário uma argucia e uma
firmeza que o pântano não pode oferecer. O
pântano é o lugar dos sapos, dos lagartos e do ar viciado, o centro, no saboroso
considerar dos mestres da Revolução Francesa. A figura de Pilatos, e
lavador de mãos, ou a figura compreensível do homem que tinha de ir enterrar o
pai.
O ano de 2012 destacou-se pela fraqueza
ideológica e doutrinal em todos os sectores concorrentes. Nenhum esforço sério
foi feito a nível de teorização ou massificação e isto, quer pelo cansaço dos
responsáveis, quer pela ineficácia e impreparação dos políticos contemporâneos.
É o que temos.
As ideologias permanecem ao nível de
1974 a 81, como se o tempo não tivesse passado com o seu desgaste, numa mera
tradução das teses alemãs, americanas, francesas, russas e inglesas. E isso é
tremendo. É horrível porque não
mobiliza, ou seja, não tem eco no eleitorado desencantado com a política, com
os políticos desacreditados. É horrível porque não têm adaptação e conduzem a
diagnósticos falsos. É tremendo, porque apenas dizem respeito a um conjunto de
pessoas que se podem contar, não interessando de facto à massa dos cidadãos.
Sem sublinhar o diagnóstico de Fernandez
de la Mora no seu Crepúsculo das Ideologias, dá a sensação que as que se
debatem em Portugal são verdadeiramente crepusculares, e cada vez mais
crepusculares.
ESGOTAMENTO
IDEOLÓGICO
A incapacidade de organizar uma
ideologia de massas, mobilizadora e actual, solicitante e eficaz, é um dos
traços da presente conjuntura. É também por aqui que se constata a evolução
crepuscular das ideologias presentes, e o beco sem saída em que desembocaram os
partidos.
As
apostas concentram-se no comiceirismo barato, nas universidades partidárias de
verão, nos ataques saloios, nas rivalidades pessoais, num fulanismo que nunca
abandonou a área portuguesa e que é um nome mais delicado para aquilo que
outrora se conhecia pela designação de caciquismo.
Na verdade, as ideologias esgotam-se
perante os problemas quotidianos. Os seres pensantes não são suficientemente
pensantes para elaborar as ideologias recebidas ou herdadas. As bases, conhecem
uns rudimentos que servem para o quotidiano mas que são manifestamente
insuficientes para o debate e enfrentamento.
Deste modo, enquanto há graves problemas
para resolver, os problemas nacionais continuam a consistir em questões de
família, em birras, em desobediências partidárias, em rebeldias, em agravos e
ofensas, em espírito próprio de quem deveria ter já adquirido a indiferença.
A constatação fundamental é que não há
ideologia disciplinadora de partido, salvo a comunista. As outras constatações
são meros corolários. E enquanto se andar assim, na ambiguidade e na incerteza,
no pragmatismo de definição pessoal, a política nacional andará
obrigatoriamente submetida a um limite: o da mediocridade, a sabedoria da maçã,
e políticos sem ética e moral, apesar da qualidade do fato e gravata.
Postado por J. Carlos
(*Jornalista)
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