quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Conjuntura política nacional

Conjuntura política nacional
“Nós, os que pertencemos à geração de ontem, pensamos que, pelo menos, nos cabe a tarefa de dar nova expressão às nossas ideias para que nos sobrevivam. Esta expressão deve constituir um meio de entendimento, um meio de comunicação do querer e do sentir recíproco.
Esta renovação do nosso idioma deve começar pela aceitação de uma nova semântica, por um acordo tácito, de devolver incondicionalmente aos conceitos e definições, o seu conteúdo autêntico.” Gustav Canaval


O actual panorama político é marcado pela mudança e pela tensão. Se na área dos social-democratas as incompreensões e as lutas são moeda comum, o certo é que entre os socialistas prossegue o combate e os arranjos. Quer a aliança partidária no poder (PSD vs CDS), quer a frente republicana, vaga designação fantasmática de uma realidade que é socialista, conheceram e conhecem os seus maus momentos, os seus tempos de túnel, em que é nebulosa a definição de objectivos, já não convencem os eleitores desencantados. 
A temperatura é alta e é de desagregação. Os desafios surgidos no seio do partido socialista e que movimentaram uma larga faixa de partidos mais à esquerda andam longe de estar resolvidos. As questões da sucessão e das rivalidades entre os chefes dos sociais-democratas têm uma solução provisória. O irrevogável vai chegar, está à espreita. Isto significa que os dois grandes partidos do País, com os seus defeitos históricos e virtudes temporais, continuam nas áreas de debate e indefinição à espera… espera de Godot. As jogadas estão ao rubro, com uma clara desconsideração pelos cidadãos, pelos eleitores. Afinal, a voz do POVO deixou de ser a voz de Deus, passou a ser a voz de interesses subterrâneos, sem consequências para seus autores.
As alianças que os partidos centrais motivaram, no caso concreto o grupo governamental e os grupos PCP/CDU, Os Verdes e Bloco de Esquerda, incluindo a coligação actual, sofrem as mesmas obnubilações ainda que disfarçadamente. Entram em crise com as indefinições do grupo nuclear, tornam-se vagas com as brechas abertas, desconhecem as metas quando o próprio partido aglutinador nem sequer sabe para onde vai, na sua febre de debates e conveniências.
As demissões, incertezas, declarações vagas e aparentemente sóbrias, revelam a corda bamba. A corda bamba que não cessou de excitar as habilidades dos equilibristas amadores desde que desapareceram figuras que mobilizavam a crença e a adesão dos eleitores e dos quadros. Na realidade isso significa o abatimento da liderança, a fraqueza, enfim, a perplexidade perante o labirinto dos caminhos que se cruzam. E, nos chefes, nada há pior, para minar a confiança, que a incerteza, a perplexidade, a actuação ambígua e aparentemente habilidosa. A desacreditação, é o fim.

O QUE FALTA?
O que faz falta – dizia a canção – é animar a malta. Não há dúvida que é isso que faz falta. A animação atingiu o grau zero da escrita e se algum entusiasmo ainda campeia entre as hostis estupidificadas pelas ideologias concorrentes isso dever-se-á fundamentalmente à escala de inteligências.
Quer a leste, quer a oeste, ou seja, quer nas hostes dos social-democratas e socialistas, quer nas hostes dos governamentais falta a convicção, falta a seriedade, falta a decisão de vencer e de realizar, enfim, falta a concepção do mundo e da vida. Todos discutem, todos relativizam, todos decidem, todos contestam. Estamos longe da disciplina partidária, estamos longe do funcionamento da hierarquia, estamos longe de uma responsabilidade partidária que dê garantias na área do Estado. Continuamos, realmente, no vasto lodo da mediocridade. E nem sequer estamos no bucólio tempo de Virgílio e dos romanos agrícolas, apreciadores dos sóbrios prazeres campestres.
A cedência tornou-se a norma para toda a sociedade politica, civil e religiosa. Os partidos cedem as crenças para os arranjos caducos; as Igrejas confabulam-se para destruir os ritos e apertar as mãos em nome de um Cristo feito à imagem e semelhança dos homens vendidos; as instituições abrem-se à permissividade porque é mau a escolha de competências e o rigor cria caracteres desviados e anormais. E tudo é lindo e bom, como no paraíso, antes de Eva comer a maça e Adão comer Eva.
No entanto, a todos, falta muito. Os que comeram a maçã não têm ideologia capaz e mobilizadora das massas. O comunismo fenou-se e não há futuro para ele, a não ser o futuro que lhe assegure o domínio armado. O socialismo divide-se e enfraquece na doutrina, e como é lógico fortifica-se nos dividendos. A social-democracia, de tão vaga e ambígua, acaba por ser aquilo que cada membro afirma e vive a título pessoal, debilitada na teoria, incompreendida nos fins. Os centrismos e outros devaneios direitistas, velhos ou novos, deparam-se com problemas sérios do século XXI para os quais é necessário uma argucia e uma firmeza que o pântano não pode oferecer. O pântano é o lugar dos sapos, dos lagartos e do ar viciado, o centro, no saboroso considerar dos mestres da Revolução Francesa. A figura de Pilatos, e lavador de mãos, ou a figura compreensível do homem que tinha de ir enterrar o pai.
O ano de 2012 destacou-se pela fraqueza ideológica e doutrinal em todos os sectores concorrentes. Nenhum esforço sério foi feito a nível de teorização ou massificação e isto, quer pelo cansaço dos responsáveis, quer pela ineficácia e impreparação dos políticos contemporâneos. É o que temos.
As ideologias permanecem ao nível de 1974 a 81, como se o tempo não tivesse passado com o seu desgaste, numa mera tradução das teses alemãs, americanas, francesas, russas e inglesas. E isso é tremendo. É horrível porque não mobiliza, ou seja, não tem eco no eleitorado desencantado com a política, com os políticos desacreditados. É horrível porque não têm adaptação e conduzem a diagnósticos falsos. É tremendo, porque apenas dizem respeito a um conjunto de pessoas que se podem contar, não interessando de facto à massa dos cidadãos.
Sem sublinhar o diagnóstico de Fernandez de la Mora no seu Crepúsculo das Ideologias, dá a sensação que as que se debatem em Portugal são verdadeiramente crepusculares, e cada vez mais crepusculares.


ESGOTAMENTO IDEOLÓGICO
A incapacidade de organizar uma ideologia de massas, mobilizadora e actual, solicitante e eficaz, é um dos traços da presente conjuntura. É também por aqui que se constata a evolução crepuscular das ideologias presentes, e o beco sem saída em que desembocaram os partidos.
As apostas concentram-se no comiceirismo barato, nas universidades partidárias de verão, nos ataques saloios, nas rivalidades pessoais, num fulanismo que nunca abandonou a área portuguesa e que é um nome mais delicado para aquilo que outrora se conhecia pela designação de caciquismo.
Na verdade, as ideologias esgotam-se perante os problemas quotidianos. Os seres pensantes não são suficientemente pensantes para elaborar as ideologias recebidas ou herdadas. As bases, conhecem uns rudimentos que servem para o quotidiano mas que são manifestamente insuficientes para o debate e enfrentamento.
Deste modo, enquanto há graves problemas para resolver, os problemas nacionais continuam a consistir em questões de família, em birras, em desobediências partidárias, em rebeldias, em agravos e ofensas, em espírito próprio de quem deveria ter já adquirido a indiferença.
A constatação fundamental é que não há ideologia disciplinadora de partido, salvo a comunista. As outras constatações são meros corolários. E enquanto se andar assim, na ambiguidade e na incerteza, no pragmatismo de definição pessoal, a política nacional andará obrigatoriamente submetida a um limite: o da mediocridade, a sabedoria da maçã, e políticos sem ética e moral, apesar da qualidade do fato e gravata.

Postado por J. Carlos
(*Jornalista)


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