sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Macroscópio – Uma viagem por Hieronymus Bosch, pela Grécia Antiga, e o que mais se verá

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Agora que se aproxima mais um fim-de-semana, e já estamos na segunda metade de Agosto, trazemos aqui um desafio: conhecer melhor Hieronymus Bosch (na foto), o pintor flamengo de quadros como o perturbante As Tentações de Santo Antão, habitualmente exposto no nosso Museu Nacional de Arte Antiga e que actualmente está em Madrid, no Museu do Prado, numa grande exposição que assinala os 500 anos da sua morte. Esta exposição só termina a 11 de Setembro, pelo que ainda há tempo para uma saltada à capital espanhola, se tiver essa oportunidade.



O mundo de Hieronymus Bosch. Em Madrid

Ora essa exposição é, precisamente, um dos pretextos de The Mystery of Hieronymus Bosch, uma bela introdução de Ingrid D. Rowland à obra do pintor na New York Review of Books. Com referências a vários livros e a uma outra exposição realizada na Holanda. Mesmo assim a maior atenção vai para aquela que é, porventura, a obra mais conhecida de Bosh, o tríptico O Jardim das Delícias, que considera ser “The climax of the Prado show, prepared for by the stunning Lisbon Temptations of Saint Anthony [na imagem], is his most famous painting and the Prado’s greatest treasure by his hand: the triptych known as The Garden of Earthly Delights, or simply The Garden of Delights.” Sobre a sua obra, a autora nota que “Bosch’s early admirers were surely right to regard his fantastic visions as firmly rooted in the world as it is, a world whose beauty and struggle and cruelty he grasped with rare penetration. But where did his real world end and fantasy begin? That is the enduring mystery of his art.”

Outra interessante abordagem da originalidade de Hieronymus é o texto do Wall Street Journal, Apocalypse Now: The Living Legacy of Bosch. Aí se refere, por exemplo, que “Bosch’s paintings take us into a “state of emergency, in which hellish forces both worldly and otherworldly are let loose. There’s a level of cruelty, violence and horror which is universally eye-catching,” says Joseph Koerner, a Harvard University art historian and the author of a forthcoming book on the artist. “There’s no artist who is more in tune with the dangerous nature of images than Hieronymus Bosch.”

Mas talvez tão perturbante como a obra do pintor quinhentista é o texto da Spiegel One Helluva Fella: The Horrifically Contemporary World of Hieronymus Bosch. Nele Ulrike Knöfel encontra extraordinárias similitudes entre algumas das imagens pintadas há mais de cinco séculos e fotografias da actualidade, num sinal de que as visões do inferno não só não desapareceram, como podem ter uma incrível actualidade. Já sobre o tempo e o mundo de Bosh nota-se que “A movement called "Devotio moderna" gained momentum early on in the Netherlands. Human beings were viewed as individuals, not as part of a devout mass of people, and this included their relationship with God. Experts suspect that Bosch wanted to show his audience that man was a traveler "on the path through life." According to Bosch, this traveler, and not a higher power, was responsible for his own decisions. That too is a surprisingly modern concept.” Dá que pensar.

A finalizar este bloco referência ainda a um trabalho do Expresso sobre O mistério das “Tentações de Santo Antão”, de Hieronymus Bosch, da autoria de Miguel Cadete e Joana Beleza. Aí se recorda, por exemplo, que “A chegada do tríptico de Bosch a Portugal continua, porém, por esclarecer. Não se conhece a data da sua chegada. Mas sabe-se que o rei D. Luís, no século XIX, já apreciava aquele quadro no Palácio da Ajuda. E que o seu filho, D. Carlos, o mantinha numa espécie de atelier, junto ao seu quarto de dormir naquele Palácio, longe dos olhares públicos.” Também se lembra a forma como José de Figueiredo, director do Museu Nacional de Arte Antiga na I República e no Estado Novo, lutou para manter o quadro em Portugal.


Há 25 anos, o golpe que liquidou a URSS

Antes de irmos, como prometido no título desta newsletter, até à Grécia (antiga), vamos fazer um desvio por Moscovo para recordar um evento de há exactamente 25 anos: a 19 de Agosto de 1991 a linha dura, ortodoxa, do Partido Comunista tentou derrubar Gorbatchov e acabar com o movimento de abertura que ele protagonizava. O golpe falhou e, na sequência desse fracasso, foi a própria União Soviética que ficaria condenada (seria dissolvida poucos meses depois, no final de Dezembro desse ano). Em Ballet en la tele y tanques en la calle: 25 años del golpe que liquidó la URSS o El Mundo recorda os acontecimentos desse dia e, também, o que se passou a seguir, pois a evolução da situação na Rússia não correspondeu às esperanças de muitos do que nesse dia se arriscaram pela liberdade: “Ese golpe dio la 'puntilla' a la vieja guardia comunista, pero también dejó a cero el capital político de Gorbachov y consagró a Boris Yeltsin como líder del pueblo. La URSS quedó dividida en 15 repúblicas independientes, y en Rusia quedó latente un impulso autoritario que cristalizó en 1993 con otro 'putsch' que sí triunfó: el presidente Yeltsin lanzó a sus tropas contra los diputados cuando se volvieron contra él. El saldo: 100 muertos, una constitución presidencialista con menos contrapesos que años después consagraría a Vladimir Putin como el líder sin recambio que es hoy en día.”

José Milhazes, que viveu em Moscovo essas horas decisivas, recorda esses momentos no Observador em O comunismo soviético não morreu há 25 anos. É um texto que nos fala sobretudo das metásteses do Sistema soviético, mesmo quando essas metásteses se apresentam com outras vestes, como sucede em Angola, “onde se realiza, por estes dias, o congresso do MPLA, que de movimento de libertação se transformou num clube de pilhadores do seu próprio país. Maioritariamente dirigido por políticos formados na URSS, os dirigentes angolanos aprenderam bem a lição de olha para o que eu digo, mas não para o que eu faço.”

Para que não se esqueça o que eram aqueles regimes – e há, infelizmente, muita tendência para esquecer – há um site que recomendo vivamente: Welcome to Socialism Realised. Nele se reúne, de forma gráfica e interactiva, com muitos exemplos concretos, o que era o socialismo real na Checoslováquia – que, recorde-se, foi invadida pelas tropas do Pacto de Varsóvia, para esmagar a Primavera de Praga, fará amanhã, dia 20, 48 anos. Eis a introdução a este site que merece – mesmo – uma visita: “This learning environment enables you to find and analyse multimedia content about the communist regimes in Europe. Using the Czechoslovak example, we describe the specifics of life in the Eastern bloc. The material here attempts to bring the experiences, thoughts, feelings and problems of people who lived during this era to life. Our aim is to reproduce the complexities and dilemmas of life under communism.”


Recordando os Jogos Olímpicos primordiais – e os anti-jogos

O Wall Street Journal publicou já há algumas semanas um artigo que tinha guardado para vos recomendar por esta altura e que recorda The Strange Rites of the Ancient Olympics. Nele se fala de “Naked runners, deadly competitions and banquets to honor the gods: The original Olympics were far different from the modern Games”, o que se explica assim: “While today’s Games stress inclusivity, their ancient counterparts were rigidly exclusive. To compete in this celebration of not just Greek (and, later, Greco-Roman) identity but of proud god-fearing masculinity, you had to speak Greek, be free from the pollution of murder—and be male. Women couldn’t even be spectators. Only the priestess of Demeter could attend. The chief reason for these restrictions is that the original Games were not really about sport at all. Rather, they were one part of a major male religious festival in honor of the great god Zeus”.

Mas havia uma resposta a esta masculinidade, mesmo que menos conhecida. Marta Leite Ferreira fala-nos dela no Observador emJogos Heranos. Quando as mulheres fizeram frente aos homens da Grécia Antiga. Não sabemos muito sobre estes jogos, mas sabemos que em algumas partes da Grécia Antiga também as mulheres cumpriam rituais atléticos: “as mulheres espartanas não eram totalmente desligadas do desporto: praticavam hipismo, natação, acrobacia e até wrestling, pode ler-se nos testemunhos escritos que nos ficaram desses tempos. Mesmo no seu papel de mães, não deixavam o bem-estar físico de parte: algumas delas promoviam a educação desportiva junto das grávidas mais jovens.”


E vamos lá falar um pouco de gatos

Termino o Macroscópio de hoje, o último desta semana, com uma sugestão de leitura totalmente diferente – uma sugestão que, como verão os que tiverem mais curiosidade, não se destina apenas a quem tem como animal de companhia um gato (ou vários gatos). Yes, You Can Train Your Cat é um ensaio de fim-de-semana do Wall Street Journal que nos fala de como, “By nature, our feline friends are solitary, antisocial hunters who bristle at being cooped up—but we can change the way we relate to one another”. Não vou aqui revelar o segredo, apenas referir que este artigo nos dá uma perspectiva geral da relação da nossa espécie com o pequeno felino, lembrando que, “For most of their history, cats weren’t pets. Cats lived in and around human villages for millennia, but there is no evidence that they lived in our homes. While they thrived on the mice that we inadvertently provided for them, cats kept their distance from us, perhaps coming no closer than today’s urban raccoons. The first evidence of humans bonding with cats comes from about 4,000 years ago, in Egypt, where archaeologists have found evidence of cats being ceremonially buried alongside their former owners. But until very recently, cats were valued primarily as pest-controllers, not pets.”

E por esta semana é tudo. Os Jogos Olímpicos acabam este fim-de-semana, Bolt ainda tem (na altura em que escrevo) mais uma medalha para conquistar, Portugal gasta sábado os últimos cartuchos na canoagem (força, rapazes!), e o calor estará de regresso. Aproveitem para descansar e, lendo, para aprender. Até para a semana.

 
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PARTIDOS PORTUGUESES SÃO CÚMPLICES DO SOFRIMENTO DO POVO ANGOLANO

Angola é independente há 40 anos. Tem petróleo, diamantes e muitas riquezas naturais. O presidente Eduardo dos Santos e o MPLA governam desde sempre com os mesmos resultados: um dos regimes mais corruptos do mundo, pobreza generalizada, economia inexistente, uma das maiores taxas de mortalidade infantil.

Paulo de Morais – Folha 8
Os dirigentes dos partidos portugueses presentes, por estes dias, no Congresso do MPLA (PS, PSD, PCP, CDS) são cúmplices do sofrimento do povo angolano. Envergonham Portugal.

Angola tem recursos humanos, dimensão geográfica, dispõe de múltiplas riquezas naturais, é um dos países mais ricos do mundo. Mas a sua população é das mais pobres, sofre com uma das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo, a educação é inexistente, o desenvolvimento é uma miragem.

Este contra-senso tem um primeiro responsável, José Eduardo dos Santos. Em trinta e nove anos de presidência, JES não conseguiu – ou não quis! – melhor do que isto: Angola é um país riquíssimo, influente na política internacional, mas com gente pobre, a viver na miséria.

O presidente angolano instituiu um regime corrupto e cleptocrático. Distribuiu, ao longo de décadas, de forma feudal, privilégios pelos seus apoiantes. JES criou uma oligarquia que lhe é agradecida e subserviente, a quem permitiu um enriquecimento obsceno. A maioria dos altos dirigentes angolanos beneficia de luvas nas transacções em negócios de estado.

A família Dos Santos é hoje uma das mais ricas e extravagantes do mundo. A sua filha Isabel exibe os seus luxos nas redes sociais sem vergonha, esquecendo que a sua riqueza assenta na fome do povo do seu país. Dispõe hoje duma fortuna colossal, é das mulheres mais ricas do planeta. Usa Lisboa como porta de entrada privilegiada dos seus capitais na Europa. Domina a economia portuguesa: tem participações de relevo na energia, nas telecomunicações ou na Banca, os homens mais ricos do país são seus sócios.

Como ganhou peso económico, movimenta-se bem no campo da promiscuidade entre interesses privados e gestão pública, uma das marcas da política portuguesa. O poder político corrupto em Portugal submete-se-lhe, para o que conta com as ligações do “papá” Dos Santos. Com efeito, JES domina a política portuguesa. Começando pelo governo, este como os anteriores, passando pelo Partido Comunista, que trata o MPLA como “partido irmão”; mas também pelo PS, parceiro do MPLA na Internacional Socialista, PSD e CDS.

Só aliás esta cumplicidade, à qual não escapou o anterior presidente Cavaco Silva, permitiu que o estado angolano não tivesse sido minimamente beliscado com o mega escândalo “Espírito Santo”, em parte resultante dos empréstimos realizados no BES (Angola) e na transferência descontrolada de capitais de Portugal para Angola, para concessão de empréstimos sem contrapartidas.

Este enorme buraco resulta, em grande parte, de empréstimos concedidos a personalidades ligadas a JES. No topo da lista está a sua irmã, Marta dos Santos, que usufruiu dum crédito de 800 milhões de dólares. Estes serviram para financiar negócios imobiliários em Talatona, numa parceria com o construtor José Guilherme. O conjunto de bafejados pelo BES de Portugal e pelo BESA com muitos milhões é extenso, com destaque para membros da cúpula do MPLA, de Roberto Almeida a João Lourenço ou França Ndalu.

Os tentáculos de JES, com a sua sede de poder, não estão infelizmente confinados a Angola e a Portugal. Através da CPLP (Comunidade de Povos de Língua Portuguesa), que domina, JES controla uma parte significativa do petróleo mundial. São membros desta comunidade produtores como São Tomé, Timor, Guiné Equatorial, cujos dirigentes políticos JES controla; ou até o Brasil, cuja ex-presidente Dilma é também aliada de JES.

JES tem uma estratégia de poder mundial, baseada na corrupção. Os seus parceiros nos negócios não são nada recomendáveis. O chinês Sam Pa, de quem foi companheiro de bancos de escola, actual presidente da China Sonangol, é perseguido pelas autoridades americanas, por associação ao tráfico de diamantes; o empresário português Hélder Bataglia suja-se com múltiplos casos de corrupção em Portugal, desde as luvas pagas na compra de submarinos pelo Estado português aos alemães até aos que levaram à prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates, ou Ricardo Salgado.

JES poderá nunca vir a ser julgado em vida por corrupção e pelos danos que infligiu ao seu país. Mas o julgamento da História está feito: JES é um líder que destruiu o seu país, porque nunca gostou do seu povo.

Leia mais em Folha 8

Angola. A HISTÓRIA ENQUANTO EIXO DE LEGITIMAÇÃO DO PODER POLÍTICO

O presidente José Eduardo dos Santos parece sempre voltado para o passado. Em todas as suas comunicações importantes, sobressaem o eixo histórico e o passado da luta anti-colonial.

Miguel Gomes – Rede Angola
As intervenções públicas de José Eduardo dos Santos, seja no âmbito partidário ou nacional, são sempre aguardadas com curiosidade. As razões são fáceis de perceber. O Presidente da República fala poucas vezes em público e raramente concede entrevistas aos meios de comunicação social nacionais. Mas ao longo do tempo, há um aspecto comum às comunicações importantes: o eixo histórico e o passado da luta anti-colonial.

No ano passado, na comemoração dos 40 anos de independência, o discurso do 11 de Novembro foi ocupado, em cerca de dois terços do tempo total, a relembrar as façanhas da luta armada e da expulsão do colonialismo português e da sua máquina política e administrativa.

O discurso arrancou em 1482, com a chegada dos portugueses, e veio de forma quase cronológica até ao 11 de Novembro de 1975, entrando depois nas querelas entre os três movimentos de libertação, na luta contra oapartheid, na libertação da Namíbia e por aí adiante. Só nas últimas duas partes do discurso de 11 de Novembro de 2015 se aborda o presente, mas quase sem olhar para o futuro.

Parece que há a necessidade de justificar a sua longa permanência no poder, seja no cargo de Presidente da República, seja à frente do MPLA, com as dificuldades que o processo histórico-político angolano tem enfrentado.

“Os representantes do Rei de Portugal chegaram ao Reino do Congo em 1482 e, em sucessivas missões, estabeleceram relações de amizade e cooperação que se desenvolveram normalmente e com benefícios recíprocos para as duas partes durante cerca de cem anos”, disse JES, em Novembro de 2015.

“Entretanto, Portugal modificou, unilateralmente, a sua política de cooperação bilateral e iniciou pela força a ocupação do território do Rei do Congo e de outros soberanos vizinhos. Nesse território passou a extrair recursos naturais, a ocupar terras e a fixar cidadãos portugueses e iniciou, como um negócio muito lucrativo, o comércio de escravos, que eram transportados em navios, em grande número, para o Brasil e para outras paragens do continente americano. Segundo alguns historiadores, dos cerca de quatro milhões de escravos levados de África para o Brasil, metade, isto é, cerca de dois milhões, saíram de Angola. Essa deve ser a principal razão porque a população de Angola não é mais numerosa, pois supõe-se que ela devia ser hoje superior a 50 milhões de habitantes, em vez dos cerca de 26 milhões que somos. O desenvolvimento desta política de ocupação e pilhagem levou as autoridades portuguesas à definição de um estatuto político-administrativo, económico, social e cultural, com regras militares e de segurança, para o controlo absoluto da colonização do país e para a submissão dos angolanos, que passaram a estar integrados em todos os territórios retirados pela força aos soberanos mortos ou desaparecidos”, recordou o Presidente da República, em Novembro passado.

São episódios que representam uma geração de angolanos, uma geração que está agora no poder (tanto no governo, como na oposição) e que tem tido bastante dificuldade em olhar para o país fora da retórica anti-colonial.

Também é certo que a rejeição colonial é um dos princípios fundadores das três repúblicas no pós-independência (partido único de orientação marxista-leninista, até 1991; transição democrática e abertura ao multipartidarismo e à economia de mercado, até 2010; nova Constituição e assumpção do regime presidencialista atípico, desde 2010 até ao momento).

Mas os jovens, que são a larga maioria da população angolana, também reclamam por um acertar definitivo de contas com o passado. Para que se possa projectar o futuro com outra segurança, entregando a história, a antropologia e a sociologia ao espaço das liberdades (de expressão, de investigação, de opinião) e do debate de ideias, mesmo que envolvam os diferentes partidos.

Na quarta-feira, 17, na declaração de JES que deu início aos trabalhos do VII Congresso Ordinário do MPLA, que acaba amanhã, em Luanda, o início da comunicação parece ser uma repetição do mesmo filme. Mesmo quando está em causa apenas o partido.

“Fundado em 1956, o MPLA venceu o colonialismo e conquistou a Independência Nacional, sob a forte liderança de Agostinho Neto. Refundado mais tarde em Partido-MPLA, pôs fim às agressões externas, garantiu a paz e a unidade nacional e tem vindo a consolidar o Estado Democrático de Direito”, disse JES, logo no segundo parágrafo. “O MPLA nunca abandonou o povo e nunca combateu contra o povo”.

“Um facto, porém, temos de sublinhar. Não conseguiram matar a nossa esperança em conquistar a paz e manter a liberdade! Felizmente, a tempestade passou, a guerra terminou e a paz foi conquistada. É justo render a merecida homenagem a todos os que se bateram e deram a vida para que hoje estejamos livres e em paz. Que a vida dos que tombaram não tenha sido em vão e que o passado nos sirva a todos de lição”, lembrou o líder do MPLA desde a morte de Agostinho Neto.

Só depois da introdução e do enquadramento histórico é que JES mudou o diapasão. E então, sim, deixou alertas, queixou-se dos falsos empresários – não referindo que a larguíssima maioria dos empresários angolanos são militantes e dirigentes do próprio MPLA.

Mais tarde, na apresentação ao congresso da moção estratégica do líder, ainda abriu portas à realização de eleições e à instituição de um rendimento mínimo garantido.
É uma estrutura de comunicação que se repete. Quase de forma exaustiva, sobretudo quando JES fala no âmbito do partido e no papel de Presidente da República. Há até frases que parecem estar sempre presentes, com uma ou outra palavra a mais ou a menos.

Como aconteceu, por exemplo, na abertura do 5º Congresso Extraordinário do MPLA, a 4 de Dezembro de 2014.

“Em 10 de Dezembro de 1956 nascia assim, num contexto social e político difícil, o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) como guia do povo angolano, empenhado em mobilizar, organizar e dirigir todo o povo angolano na luta pela libertação e pela independência nacional”, lembrava JES, em 2014.

A oposição, com a UNITA e a CASA-CE (os dois maiores partidos da oposição) à cabeça, vai criticando as mensagens repetidas e a falta de uma retórica consequente sobre o presente e o futuro dos angolanos.

As críticas são reforçadas pelo facto do país viver um período de forte pressão sobre a inflação – que o governo estima em 45 por cento para 2016 – e sobre o kwanza. Os dois factores resultam numa dramática perca de poder de compra para a maioria dos angolanos, ao mesmo tempo que inúmeras empresas estão a encerrar e a despedir os seus trabalhadores.

Até agora, o VII Congresso Ordinário do MPLA fez a tradicional resenha histórica, auto-legitimou-se, reconheceu alguns erros, mas pouco foi aflorado sobre o dia-a-dia das pessoas.

O secretário-geral da UNITA, Marcolino Nhany, citado pela agência Lusa, considerou normal que “sendo um congresso fossem abordadas questões político-partidárias”, mas espera que sejam analisados também aspectos sobre a consolidação da paz, a reconciliação nacional e o aprofundamento da democracia.

“Estou expectante para ver, de facto, se estes temas merecerão um estudo, uma análise, um debate”, disse o dirigente da UNITA.

Nhany pediu ainda que, mais do que reconhecer que o MPLA falhou, JES devia apontar em que áreas e em que medida se registaram as falhas. “Isto é que é importante. Mais do que reconhecer que falharam é preciso dizer onde e até que ponto os erros estão relacionados com a crise que se vive no país”, acrescentou.

Por sua vez, o representante da CASA-CE, a terceira força política, Milu Tonga, disse que o discurso voltado para os quadros do MPLA não trouxe “nada de especial, salvo um apelo interno para os seus militantes”. Para Milu Tonga, o discurso não correspondeu às expectativas da CASA-CE porque é uma “retórica constante, permanente, que já é conhecida”.

“Sabemos quem são os empresários nesta sociedade, isto não é nada de novo”, disse o dirigente, em referência à crítica do líder do MPLA a grupos de empresários que enriquecem ilicitamente. Milu Tonga disse que esperava ouvir no discurso de JES uma alusão aos temas actuais, como as demolições, por exemplo.

O VII Congresso Ordinário do MPLA conta com a participação de 2.530 delegados de todo o país e do estrangeiro. Termina amanhã, sábado, dia 20 de Agosto e prevê a reeleição de José Eduardo dos Santos, candidato único ao cargo de presidente do MPLA, a análise e a aprovação da Moção de Estratégia do líder do partido e a confirmação da nova composição do Comité Central.

Foto: Francisco Bernardo/JA Imagens

São Tomé e Príncipe. FRAUDE ELEITORAL TOMA POSSE NA PRAÇA DA INDEPENDÊNCIA

Em conformidade com o dito e redito sobre as eleições presidenciais em São Tomé e Príncipe, assim como o alegado sobre irregularidades eleitorais por parte de testemunhos e dos próprios candidatos presidenciais, não podemos aqui no PG fazer de conta que foi tudo normal em São Tomé e que as eleições foram democráticas e isentas de parcialidades em todo o processo que o anunciado candidato eleito (anunciado vencedor por três vezes pela Comissão Eleitoral Nacional), Evaristo Carvalho, vai ser empossado PR do país com um historial limpinho-limpinho. Não. Aliás, não deixa de ser de admirar como Evaristo de Carvalho se sujeita tal situação de submissão ao querer e poder do PM Patrice Trovoada. A transparência e a honestidade devem ser características de qualquer político, talvez ainda mais de alguém que é candidato a Presidente da República. Seja em que país for e em São Tomé também.

Não existem dúvidas sobre o processo fraudulento ou irregular como o alegado e nomeado PR foi eleito. Essa é a razão do título que usamos e que consideramos justificado pela enorme opacidade do processo. Evidentemente que na STP press o título não poderia ser o que usamos. Importa obedecer e agradar aos poderosos em país tão pequeno e entregue a uma clique que pode cantar de poleiro: Uma maioria, um governo, um presidente, um país. É o unanimismo imposto devido a umas eleições presidenciais que se crêem e foi sendo demonstrado terem sido fraudulentas.

Mário Motta / PG

Evaristo Carvalho será empossado na histórica praça da independência

São Tomé, 18 Ags ( STP-Press ) -  O presidente eleito de São-Tomé e Príncipe, Evaristo Carvalho será empossado a 03 de Setembro em cerimonia a realizar-se, pela primeira vez, na histórica Praça da Independência, no centro da capital de São-Tomé, - anunciou hoje um  porta-voz parlamentar.

De acordo com o programa enviado a STP-Press,  a cerimonia a iniciar-se as 08:00 horas locais, terá como ponto alto a mensagem a Nação do novo Chefe de Estado são-tomense, logo após a prestação de juramento e da assinatura do auto de posse, diante do presidente do parlamento, José Diogo que presidirá as sessões.

Com a duração de cerca de quatro horas, a cerimónia contará ainda com honras militares ao novo presidente da república bem como a sessão de cumprimentos em actos a serem transmitidos em directo pela TVS e a Radio Nacional de São Tomé e Príncipe.

Com este programa, o presidente eleito Evaristo Carvalho passará a ser o primeiro a tomar posse na histórica Praça da Independência, onde albergou a memorável cerimónia da proclamação da independência de São Tomé e Príncipe a 12 de Julho de 1975.

Com uma longa trajetória política, além de ter sido Presidente da Assembleia Nacional entre 2010/2012, Evaristo Carvalho exerceu funções de primeiro-ministro por duas vezes, em 1994 e entre final 2001 e inicio 2002, tendo ocupado ainda as funções de ministro da Defesa e Ordem Interna.

RN – STP press

São Tomé e Príncipe vítima de doenças modernas

Em São Tomé e Príncipe a malária continua a ser uma das grandes preocupações em termos de morbilidade e mortalidade. Este ano o país registou um caso de óbito, no entanto as autoridades de saúde reconhecem os avanços e acreditam que vão alcançar os objetivos da OMS que pretende erradicar a doença até 2030.

Apesar de o país ter registado avanços no combate à doença “o paludismo continua a ser umas das grandes preocupações em termos de morbilidade e mortalidade”, salienta Celso Matos, médico ortopedista do hospital central de São Tomé.

Em 2016 o país registou um caso morta, todavia em 2014 e 2015 não se verificou nehum caso de malária. Uma situação que deixa óptimista as autoridades sanitárias que acreditam conseguir alcançar a meta da Organização Mundial da Saúde que quer erradicar a doença em 2030.

Doenças dos países desenvolvidos

Nos últimos anos o país começou a diagnosticar doenças não transmissíveis que são mais comuns nos países desenvolvidos, como e caso da diabetes, tensão arterial e doenças cardíacas. Segundo Celso Matos estas doenças podem estar associadas “muitas vezes ao consumo excessivo de álcool, mas podem ter repercussões em outras doenças como é o caso da tuberculose”.

O médico alerta para os casos consideráveis de tuberculose lembrando que se deve olhar melhor para tuberculose, que é uma das causas de mortalidade no país, e destaca igualmente os casos hepáticos.

Miguel Martins – RFI - Entrevista realizada por Liliana Henriques, enviada especial a São Tomé.

Liga Guineense dos Direitos Humanos considera ilegal prisão de ex-secretário de Estado

A Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) considerou hoje ilegal a detenção do ex-secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, João Bernardo Vieira, por ocorrer durante as férias judiciais.

A posição da LGDH foi transmitida por Alex Bassuko, secretário para a informação da organização, segundo o qual a lei guineense diz que os atos processuais não podem ser praticados por nenhum órgão durante as férias judiciais.

As férias judiciais decorrem durante todo o mês de agosto.

João Bernardo Vieira foi detido na terça-feira por ordens do Ministério Público, que o acusa de ter faltado a convocação de uma audiência no âmbito das investigações sobre vários processos ligados à secretária de Estado dos Transportes e Comunicações.

O advogado do ex-governante, Carlos Pinto Pereira, defendeu que este não compareceu à audiência por não ter tomado conhecimento da notificação do Ministério Público.

Para a Liga Guineense dos Direitos Humanos, a detenção de João Bernardo Vieira "é um ato processual" que não podia ocorrer neste momento mas sim depois das férias judiciais.

" (A detenção) é uma violação aos direitos humanos, uma afronta aos direitos, liberdades e garantias do João Bernardo Vieira", diz Alex Bassuko, acrescentando ainda que toda situação não passa de "um atentado à dignidade" do político.

O ex-secretário de Estado dos Transportes e Comunicações foi hoje presente a um magistrado do Ministério Público para ser ouvido, diligência que a Liga Guineense dos Direitos Humanos considera que irá determinar a sua prisão preventiva.

MB // JMR – Lusa – Na foto: João Bernardo Vieira

Governo da Guiné-Bissau pede apoio a Portugal para descentralizar serviços do Estado

O Governo da Guiné-Bissau solicitou hoje a Portugal apoios técnico e financeiro para executar o seu programa nacional de descentralização dos serviços do Estado.

O pedido do Governo guineense foi feito pelo ministro da Administração Territorial, Sola Nquilin, ao embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, António Leão Rocha, com quem manteve uma reunião de trabalho.

O programa nacional de descentralização dos serviços do Estado, ainda por aprovar a nível do conselho de ministros, visa, entre outros pontos, a realização das primeiras eleições autárquicas na Guiné-Bissau e ainda a instalação de departamentos públicos nas regiões do interior do país.

O ministro da Administração Territorial fez o pedido, mas não revelou a resposta do embaixador António Leão Rocha, embora saliente que "Portugal não pode virar as costas à Guiné-Bissau".

Sola Nquilin considerou que Portugal "se não é o principal parceiro" da Guiné-Bissau "é o privilegiado" em termos de cooperação e "por razões óbvias", disse acreditar que os apoios solicitados irão chegar.

A saída da audiência com o governante guineense, o embaixador português remeteu para Sola Nquilin quaisquer esclarecimentos sobre o teor da conversa entre os dois.

MB // EL - Lusa

Jorge Carlos Fonseca espera disputas autárquicas "fortes, leais e festivas" em Cabo Verde

Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República de Cabo Verde com mandato suspenso, desejou que as disputas autárquicas no país, cuja campanha eleitoral arrancou hoje, sejam "fortes, leais e festivas".

"Começou a campanha para as eleições autárquicas de 4 de setembro. Auguro disputas fortes, leais, festivas também. Todos devem participar nas campanhas e, sobretudo, na votação", escreveu Jorge Carlos Fonseca na sua página pessoal na rede social Facebook.

Segundo o chefe de Estado, com mandato suspenso por ser um dos candidatos na disputa presidencial marcada para 02 de outubro, apesar das dificuldades, críticas e exigências, o poder local vai-se afirmando.

"Reforçar e aprofundar o poder local e a sua autonomia é alargar e dar solidez à democracia. Ter, lutar, construir uma democracia avançada deve ser a nossa 'marca, a nossa principal 'marca'", apelou.

Jorge Carlos Fonseca deu conta que, como candidato presidencial, irá, durante a campanha das autárquicas, afastar-se das ações externas e públicas, que o podem permitir cruzar ou intrometer-se nas atividades para as eleições municipais no país.

Nesse período, indicou que irá privilegiar o trabalho de reflexão e de organização interna da candidatura e suas estruturas de apoio.

Jorge Carlos Fonseca é um dos três candidatos nas eleições presidenciais em Cabo Verde, marcadas para 02 de outubro. Os outros são Albertino Graça e Joaquim Monteiro.

Em relação às autárquicas, a campanha arrancou hoje e prolonga-se até o dia 02 de setembro. A votação nos 22 municípios do país será no dia 04.

As autárquicas e as presidenciais completam o ciclo de eleições este ano em Cabo Verde, depois das legislativas em março último.

RYPE // EL - Lusa

EMBARAÇOS NA CHAMADA UNIÃO EUROPEIA

Nada disto é vital, nada disto é normal e escapa ao equilíbrio estabelecido pelos ideais fundadores da UE, que desejavam um equilíbrio de forças impeditivo de qualquer hegemonia.

Estabelece-se esmerada confusão entre o propósito e o realmente tido como tal. O recente imbróglio, estabelecido na "União" Europeia, durante meses, a fim de apavorar Portugal e Espanha, resultou numa coisa pífia, afinal conducente a um resultado nulo. Mas preocupou populações durante meses. O próprio presidente da UE alimentou esse equívoco, especialmente provocado pela Alemanha. O mal-estar desenvolveu-se durante meses. E criou embaraços insistentes em países como Portugal. Entendeu-se que esta Alemanha deseja, antes de tudo, criar um nivelamento com duas nações a dirigir e o resto a ser dirigido.

Nada disto é vital, nada disto é normal e escapa ao equilíbrio estabelecido pelos ideais fundadores da União Europeia, que desejavam um equilíbrio de forças impeditivo de qualquer hegemonia. A ideia, generosa, é antiga, e nunca deu resultado, acicatando, pelo contrário, as históricas tendências dominantes germânicas.

Quem manda e quem dirige a Europa actual? O duo Alemanha-França é falacioso. A importância dos alemães advém do seu poder económico, da sua necessidade de desenvolvimento territorial que explica e justifica o seu poder. França obedece a uma estratégia antiga, que determinou a sua minimização. A história da invasão alemã é suficientemente elucidativa. E os livros e os filmes dessa miséria moral são elucidativos das componentes vitais de um tempo e de uma época desastrosos.

A União Europeia é tudo menos aquilo que a expressão pretende enunciar. Constituiu para nós, portugueses, uma ignomínia. As comissões dirigidas por Sócrates ou Passos Coelho, cuja subserviência em relação a Angela Merkel assumiram, tiveram sempre as características de total sujeição. E as coisas não vão melhorar. Alguns países não escondem a incomodidade em submeterem-se às injunções alemãs, ameaçando abandonar a União. Esta, devido a circunstâncias especiais, tem sido dirigida pela gestão de Direita, com os resultados conhecidos e uma crescente incomodidade da parte de alguns recalcitrantes.

Isto, para assinalar que as coisas não correm no melhor dos mundos. As grandes questões são constantemente ocultadas ou dissimuladas, e a recente saída do Reino Unido assinalou os abalos que a União atravessa. As coisas estão seriamente ameaçadas, e não se trata, apenas, da supremacia alemã, mas sim das próprias debilidades da construção do projecto. As coisas estão à vista, e nem os discursos apaziguadores dos dirigentes europeus conseguem neutralizar o mal-estar que se vive na Europa. 

*Jornal de Negócios - 12 de agosto 2016

O EMBUSTE DA ISENÇÃO - Jornalistas, grupos de media e sustentabilidade no mercado da Informação

Um axioma, repetido ad nauseum, estipula categoricamente: "o Jornalista não deve ser objecto da Notícia". Aceitar acriticamente tal postulado envolve riscos, mormente: afastar o "foco" dos protagonistas, colocando-os a salvo de qualquer escrutínio

Na aparência de tocante e humilde inocência, tal axioma é a expressão sublimada da “monumental” hipocrisia que impera, neste sector como em tantos outros. Na penumbra desta “verdade” acoitam-se a condescendência arrogante, o corporativismo de classe como forma de auto-protecção, a cumplicidade na preservação do “estatuto social” que garante o, tão discreto quanto omnipresente, usufruto de pequenas “regalias” e privilégios vários, materiais ou simplesmente relacionais, isto é, de poder.

Um pacto de silêncio, não formalizado mas implícito, vigora na classe. Uma hierarquia, não regulada mas empiricamente aceite por todos, determina as relações de poder entre jornalistas de diferentes áreas e suportes de comunicação. No topo da “cadeia alimentar” estão os pivôs dos jornais televisivos seguidos de perto pelos seus camaradas que “aparecem” nos ecrãs. A rádio perdeu o “charme” e o carisma de antanho mas é uma boa montra para aceder à televisão.

Na imprensa escrita a hierarquia é determinada pelas editorias com as de Internacional, Política e Economia em primeiro plano devido ao tipo de contactos e relações que proporcionam; a Cultura, agora sobretudo entretenimento, mantém alguma respeitabilidade derivada do objecto; a Sociedade – Educação, Saúde, Justiça, etc. – é tratada ou por jornalistas muito aplicados e conhecedores do seu métier ou por estagiários entrados ontem para despedir amanhã. O Desporto – leia-se Futebol – é uma coisa algures entre o nítido nulo das perguntas repetidas e idiotas nas conferências de imprensa e os “doutos” pareceres dos veteranos da área, com uma enorme vantagem sobre as áreas mais “nobres”: traz mais público e audiências; A Ciência e a Tecnologia, durante muito tempo parentes pobres tratados na categoria de curiosidades, estão a subir, finalmente, na cadeia alimentar. O “social” cor-de-rosa, desprezado por todos – que fingem o contrário graças às audiências que, tristemente, daí advêm.

Outras “áreas”, associadas aos “estilos de vida”, como automóveis, electrónica de consumo, moda, decoração, beleza, “saúde”, viagens, gastronomia, imobiliário, e podia continuar indefinidamente, dirigem-se a públicos-alvo específicos, finitos, nichos de mercado, umas vezes maiores outras mais pequenos, que permitem estabelecer um nexo directo entre as empresas que operam no mercado em causa e os “consumidores” interessados na informação que estas pretendem comunicar. É como pescar num aquário: é pouco desportivo mas não tem como falhar.

Qualquer que seja a posição relativa na “cadeia alimentar” há um aspecto comum a todos os Jornalistas. Todos dependem da sua carteira de contactos e, a maioria – nos tempos que correm – acredita que tem de “seduzir” aqueles que ocupam os cargos que proporcionam os convites para as “viagens”, para os almoços em restaurantes de luxo, para os gadgets com que impressionam os amigos, ou, por vezes, com um “exclusivo” (cacha).

Do outro lado estão, amiúde, ex-jornalistas ou jornalistas com a Carteira Profissional suspensa, camaradas, tipos “porreiros” que convém manter devidamente “lubrificados” não vá dar-se o caso de escolherem um concorrente para o “slot” da viagem ou para darem a “entrevista” exclusiva que tanto gostariam de ter.

Isto é, há muito que a “agenda” dos Jornalistas e dos OCSs não é feita pelos próprios, sendo antes “cozinhada” nos gabinetes de imprensa e nas agências de comunicação das empresas, dos ministérios, dos corredores do poder em geral. As redacções estão reféns desta relação inquinada.

Factores de distorção da concorrência

Fortemente dependentes da economia e dos seus avanços e recuos, os mercados da Publicidade e dos Patrocínios são significativamente distorcidos pelos inúmeros elementos espúrios presentes nesta “arena”. A saber:

Centrais de Compras

As Centrais de Compras (de espaço/tempo de publicidade) surgiram como meio de permitir às agências de publicidade “forçar” os meios de comunicação a baixar os preços, comprimir as margens e reduzir a independência dos meios. Há vários equívocos que lhes estão associados de que destaco dois:

1. o embuste do custo por contacto. Não raro os brokers colocam o cliente final perante o seguinte raciocínio: um anúncio televisivo à hora da novela custa, suponhamos, 10 mil euros, alcançando uma audiência de 1 milhão de espectadores. A operação é fácil de efectuar: basta dividir 10 mil euros por um milhão de espectadores para apurar quanto custou cada “visita”. No nosso exemplo seria de 0,01 cêntimos. Um valor realmente baixo de “custo por contacto”;

Mas… e se o anúncio em causa for de um produto topo de gama, dispendioso portanto? Apesar de haver um milhão de espectadores quantos destes são, realmente, potenciais compradores desse produto? Se forem apenas 10 mil o custo por contacto sobe para um euro. Numa publicação especializada o mesmo anúncio custará, digamos, mil euros, chegará a 10 mil pessoas apenas, mas em que todas são, de facto, compradoras potenciais do produto. Isto é, o custo por contacto será de o,1 €. Melhor negócio, não?

2. o afunilamento das compras nos grandes grupos. Por mais “certeiros” que sejam os órgãos de informação especializados não interessam às Centrais de Compras pela simples razão de que estas não estão interessadas nos resultados das campanhas dos clientes finais, sabem que dificilmente estes poderão ou saberão identificar a proveniência das suas vendas e, em consequência, a qualidade relativa dos investimentos realizados em cada OCS;

Todavia há uma coisa que as Centrais de Compras sabem muito bem: o “rappel” anual estabelecido com os grupos de comunicação, cuja percentagem aumenta em função dos investimentos dos clientes finais para eles encaminhados, em regra definidos em escalões que podem representar vários milhões de euros de diferença no final do ano.

Centrais de tráfico de influências

O nacional-porreirismo, o amiguismo, as obediências secretas (como a Maçonaria, a Opus Dei e outras), a promiscuidade com os partidos do Poder, são outros tantos factores de distorção do mercado, permitindo o êxito de incompetentes e condenando ao fracasso projectos interessantes e bem orientados.

O determinismo da “dimensão do mercado”

O mercado nacional, os diferentes mercados, não representam volumes de compras (procura) interessantes excepto no topo de gama. O fosso entre ricos e pobres tem vindo a aumentar e o anterior governo contribuiu muito para o empobrecimento da classe média e para o surgimento em larga escala de novos pobres – da pobreza envergonhada.

As grandes corporações, nacionais ou multinacionais, e de um modo geral os protagonistas com poder, dinheiro e influência, esmeraram-se em pesquisar, e encontrar, “o elo mais fraco” no processo de divulgação dos seus produtos de modo a mexer no mercado. Nessa demanda encontraram a forma ideal de enfraquecer os meios e os empresários de comunicação – grandes ou pequenos. Encontrado o elo mais fraco, os jornalistas, e recorrendo às agências de comunicação para encurtar o orçamento anteriormente atribuído à publicidade, lograram “matar dois coelhos de uma cajadada”. A saber: colocar as empresas de media em” estado de sítio”, através da redução dos investimentos publicitários, e manter uma visibilidade de “marca” e de produto através das agências de comunicação, da falta de recursos financeiros dos próprios editores e da vontade de ascensão social dos próprios jornalistas.

Há Indústrias onde este marketing virou ciência. A Renault lançou um porta-bagagens no Egipto. Chamou-lhe Chamade mas na verdade era apenas um porta-bagagens. Teve honras de 16 páginas nas principais revistas do sector em todo o mundo. Cingindo-me ao que conheço de perto, da Grande Muralha da China a um passeio de trenó sobre o Círculo Polar Ártico, o que menos falta nesta indústria é imaginação. A estes eventos comparecem, a convite do fabricante organizador, Jornalistas de todo o mundo. Nas suas editoras não há dinheiro para lhes pagar a cobertura do evento. Pode haver algum ou alguns meios que viagem a expensas próprias. Desconheço se assim for.

É mais barato pagar a agências de comunicação para “sensibilizar” jornalistas que pagar publicidade. Os Jornalistas aceitam, os Editores, sem meios para financiar as viagens de outro modo, também. Esta estratégia estendeu-se a todas as indústrias com mais ou menos charme e poder de influência.

Na política, na economia, na justiça, os elementos perturbadores da verdade jornalística são, desde logo a complexidade das relações com as fontes, e, logo a seguir, as viagens, os hotéis de 5 estrelas e os restaurantes de luxo a que não poderiam chegar com recursos próprios. E, claro, a “pena suspensa”: se não escreves o que eu quero nunca mais és convidado.

Há exemplos que configuram situações de verdadeira corrupção: voltando à indústria automóvel, onde existe um “parque” de imprensa com carros que circulam entre “meios” para “testes”, pode acontecer que um jornalista interessado em adquirir um determinado modelo de certa marca veja o carro em causa ser adicionado ao “parque” de imprensa, ser-lhe emprestado com zero Kms para os tais “testes” e, terminados estes, devolvido ao referido “parque”, ficar retido até lhe ser vendido como “usado”, uns milhares de euros abaixo do seu preço de mercado e sem os impostos correspondentes.

Já na Política, na Economia e na Justiça muitos jornalistas desempenham com brio o papel que lhes é atribuído de “pés-de-microfone” ou, a pretexto das supra referidas promessas de “cachas”, de veículo de transmissão de algo que convém à sua “fonte” pôr a circular. Não raro “invenções” absolutas e absurdas destinadas a produzir um determinado resultado.

Entre o interesse dos proprietários dos OCS, na publicidade, e os dos próprios jornalistas, nos benefícios, privilégios e isenções, as grandes empresas, os políticos e os spin doctors têm larga margem de manobra. Claro que isto não abrange toda a classe, nem todos os OCS, mas vai aumentando à medida que os jornalistas seniores vão sendo excluídos das redacções para darem lugar a estagiários, gratuitos, fungíveis, e desconhecedores dos seus direitos e prerrogativas, como dos seus deveres deontológicos.

A tudo isto, a Comissão da Carteira, a ERC e o próprio Sindicato dos Jornalistas dizem… nada!

Voltarei, ainda e sempre a este assunto!

*Jornal Tornado