quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Câmara abre candidaturas para atribuição de bolsas de estudo do Ensino Superior

A Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha vai abrir as candidaturas para atribuição de bolsas de estudo do Ensino Superior na segunda-feira, dia 26 de setembro. À semelhança do ano anterior, em que subiu o número de apoios concedidos, a Autarquia vai atribuir 15 bolsas aos jovens que ingressem ou frequentem o ensino superior.

A intenção da Câmara Municipal é estimular a frequência de estudos superiores e, dessa forma, melhorar o tecido económico do Município, dotando-o de quadros superiores. As bolsas são válidas para os jovens que tenham aproveitamento escolar e ingressem ou frequentem universidades, institutos politécnicos, institutos superiores e escolas superiores. Catarina Mendes, Vereadora da Ação Social, realçando que a procura pelos apoios tem aumentado, refere que as bolsas atribuídas pela Câmara Municipal não colidem com outras de que os estudantes venham a usufruir.

A bolsa é atribuída a jovens residentes no Concelho e que não possuam por si só ou através do agregado familiar um rendimento mensal per capita superior ao salário mínimo nacional. O valor mensal da bolsa de estudo corresponde a 30 por cento do salário mínimo nacional e é atribuído durante um período de dez meses.

A atribuição de bolsa de estudo implica que os contemplados deverão prestar, em regime de voluntariado, duas semanas de serviço à comunidade em atividades socioculturais, de reconhecida mais-valia e interesse para os munícipes, promovidas pela Autarquia ou por outra entidade do Concelho.


As candidaturas devem ser formalizadas até ao dia 30 de outubro no S@M – Serviço de Atendimento ao Munícipe, na Câmara Municipal. 

Peça de teatro “Perdição” é apresentada na Figueira da Foz durante as Jornadas do Património

A peça de teatro “Perdição – Exercício Sobre Antígona”, estreada em abril no Cineteatro Alba, vai ser apresentada no Museu Municipal Santos Rocha, Figueira da Foz, nos dias 23 e 24 de setembro, às 21h30, integrando o programa das Jornadas Europeias do Património. A mais recente criação da Companhia do Jogo/AlbergAR-TE, baseada na obra de Hélia Correia, é uma coprodução dos municípios de Albergaria-a-Velha, Figueira da Foz e Sever do Vouga.

Perdição – Exercício sobre Antígona” é uma revisitação da tragédia grega de Sófocles e apresenta-nos uma nova Antígona que, regressada do exílio, não consegue adaptar-se à normalidade, tornando-se uma mulher solitária e ressentida com tudo e todos. Na abordagem contemporânea da Companhia do Jogo, dirigida e encenada por Victor Valente, são introduzidos apontamentos de outras áreas artísticas e os atores partilham o palco com elementos da comunidade. Em Albergaria-a-Velha, munícipes e seniores do Programa Idade Maior deram corpo ao Coro de Bacantes e ao Coro dos Anciãos. Na Figueira da Foz só vai existir o Coro de Bacantes, com 13 pessoas da comunidade local, entre os 21 e aos 69 anos.


A produção do grupo de teatro Albergariense é reposta no Cineteatro Alba, no dia 19 de novembro, pelas 21h30. Uma semana mais tarde, “Perdição” sobe ao palco do Centro de Artes do Espetáculo de Sever do Vouga, pelas 22h00. Os bilhetes para o espetáculo em Albergariaa-Velha já se encontram à venda pelo preço de cinco euros. Para os portadores do Cartão Amigo, Cartão Sénior Municipal, Cartão Municipal de Voluntário e Jovens SUB 23 o preço é de três euros. 

PORTO ALEGRE E OS FARROUPILHAS: 181 ANOS

O dia 20 de setembro é o marco inicial da Revolução Farroupilha (1835-1845), que eclodiu, no Brasil, na Província de São Pedro, durante a Regência Una do Padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Nesta mais longa guerra civil, que a história brasileira registrou, ocorreram 59 vitórias para cada lado e 3,4 mil óbitos. Às margens do Rio Jaguarão, na manhã de 11 de setembro de 1836, a República Rio-Grandense foi proclamada, no Campo dos Menezes, pelo General Antônio Souza Netto (1803 -1866),  mantendo, por longos anos, um intenso confronto bélico com o Império do Brasil.

Chamada de “República das Carretas“, pelo Folclorista e historiador Barbosa Lessa (1929-2002), tinha como característica a instabilidade, em virtude das constantes mudanças da capital, na medida em que se aproximavam do lugar as tropas imperiais.  Assim, a novel República teve três locais, respectivamente, como principais capitais: Piratini, Caçapava e Alegrete.

Na época, a província gaúcha estava bastante prejudicada, principalmente, no aspecto econômico, devido aos altos impostos taxados pelo império sobre o charque (carne seca), o couro e a propriedade rural.  Diante do descaso do governo imperial, em atender as reivindicações da Província gaúcha, esta se rebelou, iniciando uma longa guerra civil que durou um decênio. 

No Rio de Janeiro, capital do império, o termo “farroupilha” era a denominação dada à facção política liberal mais radical que combatia o centralismo do governo imperial. Em 1831, o termo apareceu estampado nos jornais cariocas “Matraca dos Farroupilhas” e “Jurujuba dos Farroupilhas”. O vocábulo, de acordo com o historiador Walter Spalding (1901-1976), deriva da palavra portuguesa farroupa que apareceu, em 1700, nas atas na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, designando agricultores e criadores de gado que usavam roupas humildes e gastas.

Com a assinatura do Acordo de Paz, em Ponche Verde, em 1845, a Província gaúcha, que havia se separado, reintegrou-se ao Império do Brasil após a campanha do General Luis Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, que passou para a história como o “Pacificador”. Durante a guerra, o lado farrapo perdeu quase o dobro de homens ao finalizar a guerra.  .

Com a Independência da Província da Cisplatina (Uruguai), em 1828, o charque uruguaio começou a competir com a produção gaúcha. O produto uruguaio era resultado de mão de obra assalariada (livre), tinha menos custos empreendedores e era vendido a menor preço. Diante deste fato, o charque gaúcho, responsável pela alimentação da escravaria de outras regiões do Brasil, desde o Ciclo da Mineração (ouro), ficou em desvantagem, perdendo a concorrência em relação ao produto platino. Além desta grave questão econômica, que atingia a elite estancieira da Província, havia, entre outras causas, a insatisfação quanto à política centralizadora do presidente da Província Fernandes Braga (1805 -1875).

Diante do descaso do Império, em relação aos problemas sociopolíticos e econômicos que assolavam a Província de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, um grupo de maçons articulou a tomada de Porto Alegre na noite de 19 para 20 de setembro de 1835. A decisão, quanto à invasão da capital da Província, pela Ponte da Azenha, ocorreu na primeira Loja Maçônica de Porto Alegre, "Filantropia e Liberdade", fundada em 1831, na Rua do Rosário, atual Vigário José Inácio.

No dia 18 de setembro de 1835, Bento Gonçalves da Silva (1788-1847) abriu a reunião onde se decidiu o início da Revolução Farroupilha. Estavam presentes na Loja: José Gomes Jardim (1774-1854), Onofre Pires (1799-1844), Pedro Boticário (1799-1850), Vicente da Fontoura (1807-1860), Paulino da Fontoura (1800-1843), Antônio de Souza Neto (1803-1866) e Domingos José de Almeida (1797-1871).  A Loja “Filantropia e Liberdade” funcionava como um “Gabinete de Leitura”, visando a desviar a atenção dos opositores à Maçonaria. Neste local se originou o jornal “O Continentino” (1831-1833), defendendo os ideais liberais e havia uma escola das primeiras letras.

Quando Porto Alegre foi invadida pelos farroupilhas, em 20 setembro de 1835, o presidente da Província, Fernandes Braga, seguiu para Rio Grande, assegurando o porto nas mãos do governo imperial. O primeiro óbito, ao eclodir a Revolução Farroupilha, no combate da Ponte da Azenha, foi do jornalista Antônio José Monteiro, o “Prosódia”, responsável pelo jornal legalista “O Mestre Barbeiro” (1835).

De acordo com o jornalista e pesquisador gaúcho, Sérgio Dillenburg, “O Mestre Barbeiro” foi o menor periódico publicado na imprensa gaúcha: 11 cm x 16 cm. Em Porto Alegre, o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, fundado em 10 de setembro de 1974, preserva um exemplar original, entre outros títulos relevantes que circularam, nos primórdios da imprensa gaúcha, a partir do surgimento do primeiro jornal, “O Diário de Porto Alegre”, fundado em 1º de junho de 1827.

Os jornalistas Carlos Reverbel (1912-1997) e Elmar Bones, no livro “Luiz Rossetti: o editor sem rosto” registram que, no período de 1827 a 1850, circularam em torno de 61 jornais na Província de São Pedro (RS), incluindo os Órgãos Oficiais da República Rio-Grandense: “O Povo” (Piratini / 1838 - 1839 e Caçapava / 1839 - 1840); “O Americano” (1842 - 1843 – Alegrete) e “Estrella do Sul” (1843 – Alegrete).   O Povo teve como redatores, além de Domingos José de Almeida (1797-1871), os italianos revolucionários Luigi Rossetti (1800-1840) e João Batista Cuneo (1809-1875). que já haviam lutado por ideais republicanos no Movimento conhecido como “Jovem Itália”, tendo como líder Giuseppe Mazzini (1805-1872). Luigi Rossetti foi expulso da Universidade, na Itália, tendo sido perseguido devido a suas ideias contrárias ao regime monárquico. Ele morreu durante um confronto, com os legalistas, na Vila Setembrina, atual cidade de Viamão (RS), quando tombou ferido.

Após os farroupilhas tomarem a capital da Província, os líderes José Gomes Jardim (1774-1854), João Manuel de Lima e Silva (1805 - 1837) e Onofre Pires (1799-1844) invadiram o Palácio do Governo, não encontrando resistência. No dia seguinte, em 21 de setembro de 1835, Bento Gonçalves da Silva (1788-1847) chegou a Porto Alegre, vindo de Pedras Brancas (atual Guaíba), sendo recebido num clima de comemoração.

Em 15 de junho de 1836, Porto Alegre foi retomada pelos legalistas sob o comando do Major Manuel Marques de Souza (1804- 1875), futuro Conde de Porto Alegre, após sua fuga do Presiganga (navio-prisão), ancorado no Guaíba. Apesar dos esforços, os liberais farroupilhas não conseguiram invadi-la, novamente, embora a tenham sitiado, por três vezes, a partir da Vila Setembrina (Viamão).

Graças à resistência, Porto Alegre recebeu de D. Pedro II, em 1841, o título de "Mui Leal e Valorosa Cidade", que está registrado no Brasão da Cidade, criado pela lei n 1.030, em 22/01/1953. A lei foi assinada pelo prefeito Ildo Meneghetti (1895-1980), sendo o responsável pelo desenho o artista plástico Francisco Bellanca (1895-1974). A estátua do Conde de Porto Alegre foi inaugurada no século XIX e encontra-se numa praça, cuja denominação remete ao seu nome, sendo o monumento mais antigo de Porto Alegre.

Na literatura, a "poetisa cega", Delfina Benigna Cunha (1751-1857), na segunda edição de seu livro "Poesias Oferecidas às Senhoras Rio-grandenses", publicado no Rio de Janeiro, em 1838, critica os farroupilhas e o líder Bento Gonçalves da Silva (1788-1847) de forma incisiva e odiosa. Este foi o primeiro livro de poesias impresso na Província. Seguem alguns versos: "Maldição te seja dada / Bento infeliz,desvairado / No Brasil e em toda parte / Seja o teu nome odiado".

Outra figura feminina, que merece registro, é a gaúcha, natural de Rio Pardo, Maria Josefa B. Pereira Pinto (1775-1837), considerada a primeira mulher jornalista no Brasil. Monarquista convicta, ela defendia o retorno do dom Pedro I, que havia abdicado do trono, em abril de 1831, além de combater os liberais farroupilhas, por meio de seu periódico “Belona Irada contra os Sectários de Momo” (1833 -1834).

Outro fato curioso, ocorrido durante a Guerra Farroupilha, envolve o maestro negro Joaquim Mendanha (1800-1885) - monarquista convicto - que foi aprisionado pelos farroupilhas, em 1838, após a Batalha de Rio Pardo. O maestro e sua banda foram tratados com dignidade e respeito pelos republicanos. Mendanha, que era maestro da capela imperial, no Rio de Janeiro, ficou surpreso, pois os farroupilhas lhe exigiram que compussesse o Hino Oficial da República Rio-Grandense.

Em novembro de 1842, Luiz Alves de Lima e Silva (1803-1880), o barão de Caxias, foi designado pelo imperador D. Pedro II para negociar a paz com os farroupilhas e assumir a presidência da província. O Império percebia os interesses econômicos e expansionistas dos caudilhos platinos Oribe (1792-1857) e Rosas (1793-1877), e o quanto era importante a participação da Província de São Pedro (RS), naquele momento, para guardar a fronteira e a integridade da nação.

 A tradição de lutar, preservando o território, era própria dos milicianos gaúchos, ao longo do tempo; embora a falta de reconhecimento político por parte do Império. Em 19/03/1843, um cometa cruzou os céus, sendo percebido, pelos farroupilhas, como um mau presságio numa luta que já completava oito anos. Este cometa foi batizado, pelo imaginário popular, de “Estrela de Caxias”. Curiosamente, no início da Revolução Farroupilha, em novembro de 1835, já havia passado o cometa Halley.

Com o Acordo de Paz de 1845, o “Maestro Negro” regeu à porta do antigo Palácio do Governo,em Porto Alegre, uma banda de música. O evento se constituiu numa homenagem ao Barão de Caxias, seu amigo pessoal e presidente da Província.  Caxias, ao final da Revolução Farroupilha, ganhou de dom Pedro II o título de “O Pacificador”. O nome do maestro Mendanha, natural de Ouro Preto, em Minas Gerais,  encontra-se entre os subsescritores das despesas para o banquete, na capital gaúcha, em homenagem ao Imperador dom Pedro II e à sua esposa Teresa Cristina, cujo objetivo era celebrar a paz.

O jornalista Walter Galvani, em seu livro “A difícil Convivência (2013)”, aborda com muita propriedade a situação política da antiga “Nossa Senhora Mãe de Deus de Porto Alegre” no contexto da Revolução Farroupilha (1835-1845). Os grandes centros urbanos à época, como as cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, permaneceram na maior parte do tempo em poder das forças imperiais ou seja, legalistas. A ideia, perpetuada pelo imaginário popular, de que a capital da Província de São Pedro (RS), ou melhor, que toda a Província comungava com os ideais dos farroupilhas, é um equivoco histórico. Existem pesquisas realizadas por historiadores sérios e competentes, como Sérgio da Costa Franco, Moacyr Flores, Mário Maestri, Sandra Jatahy Pesavento (1945-2009), Helga Piccolo, entre outros historiadores importantes, que nos esclarecem acerca da realidade dos fatos, que ocorreram naquele período da nossa história. Afinal, já se passaram 181 anos.....

*Pesquisador e coordenador do setor de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa


Imagens
1- Antônio de Souza Netto proclama a República em 1836 / Quadro do pintor Antônio Parreiras
2- Símbolo Maçom
3 - Gen. Bento Gonçalves /  Acervo Museu Júlio de Castilhos ; POA / RS / Brasil
4- Jornal " O Povo" / Órgão Oficial da República Rio-Grandense
5-  Dom Pedro II 
6 - Joaquim Mendanha / O "Maestro Negro"
7- Barão de Caxias / " O Pacificador"

Bibliografia
COSTA LEITE, Carlos Roberto Saraiva da.  História da Imprensa. In: “Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – 30 anos”. Porto Alegre: CORAG, 2004.
FAGUNDES, Antonio Augusto. Revolução Farroupilha / Cronologia do Decênio Heroico (1835-1845). Porto Alegre: Martins Livreiro, 2008.
FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Ediplat, 2006.
KOÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Leitura XXI, 2007.
LAYTANO, Dante. História da República Rio-Grandense. Porto Alegre: Sulina,1983.
LEÃO, Laura de. Risorgimento e Revolução: Luigi Rossetti e os ideais de Giuseppe Mazzini no Movimento farroupilha. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
PESAVENTO, Sandra Jathahy. A Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2014.
SILVA, Jandira M.M.da ; CLEMENTE, Ir. Elvo; BARBOSA Eni. Breve Histórico da Imprensa Sul-Rio-Grandense. CORAG, Porto Alegre: CORAG, 1986.
VIANNA, Lourival. Imprensa Gaúcha (1827-1852). Porto Alegre: Museu de Comunicação Social HJC, 1977.

TRISTE PAPEL DE TEMER NA ONU

Sai um Brasil contraditório, mas sempre inspirador Entra o discurso monotônico dos banqueiros, do agronegócio, dos sexistas e homofóbicos, da economia ortodoxa e ultrapassada

Alessandra Nilo, de Nova York – Outras Palavras - Imagem: Rubem Grilo
Amanhã, 20 de setembro, mantendo a tradição, caberá ao Brasil o discurso inaugural dos debates na 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Desta vez será no mínimo curioso observar o Itamaraty manejando os holofotes globais, considerando o quanto significa o tema da sessão – “Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ODS]: um empurrão universal para transformar nosso mundo” – no contexto de um país internamente dividido.

Vale dizer que a partir de amanhã o Brasil, que assumiu uma liderança reconhecida durante as negociações que definiram os ODSs, talvez deva ser visto como “país controverso”, cada vez que a pauta for a implementação de tais objetivos, aprovados há apenas um ano.

É verdade que alguns países serão ludibriados, que outros seguirão em silêncio sobre as questões que levaram Temer à Presidência e que para vários deles isso pouco importará, desde que a “agenda de negócios” se mantenha. Mas apesar de não ter provas, tenho a convicção de que, independente da memória curta de conveniência, as diplomatas e os diplomatas atentos (estrangeiros ou nativos) não esquecerão facilmente daquele Brasil que durante os últimos anos liderou debates fundamentais para o desenvolvimento sustentável, defendendo a igualdade gênero, a diversidade, o multilateralismo, o direito ao desenvolvimento e o fortalecimento das relações Sul–Sul, apenas para citar algumas áreas. E é óbvio que a mudança da gestão federal – e da estratégia nacional– já mina nossa liderança regional e internacional nos processos relativos aos ODS cujas metas, agora, passarão a nos embaraçar.

Ter Michel Temer abrindo a Assembleia Geral da ONU, não importa o que contenha o discurso oficial, enviará ao mundo uma mensagem bem específica: que no Brasil agora ditam as cartas os defensores da privatização de bens públicos, da flexibilização de direitos, os que se opõem às tão urgentes reformas política e tributária. Venceram os que concentram riqueza, mas são paupérrimos de visão republicana: atores para os quais pouco importa o soft power acumulado há décadas por uma política externa balizada na defesa coerente de pautas nacionais, democráticas, inclusivas e progressistas.

Por isso, não importa o discurso oficial. A mensagem real de Temer será: “apesar de todas as resoluções que o Brasil já assinou sobre equidade de gênero e orientação sexual, raça e etnia, saúde e educação, liberdade de expressão, transparência, meio-ambiente, economia… os tempos são outros”. Nas entrelinhas, a realidade brasileira será lida sem dificuldades, pois os temas antes ferozmente disputados no âmbito do governo estão agora, publicamente, superados: nosso corpo ministerial é só de homens brancos; educação e saúde serão sucateadas no prazo de vinte anos, manifestações públicas serão reprimidas, direitos trabalhistas, previdenciários e ambientais serão flexibilizados. As propostas atuais sobre a mesa já indicam quem “ficará para trás” sem nenhum remorso por parte daqueles que hoje assinam os cheques e definem as políticas nacionais.

Assim, Mr. Temer, ao voltar ao para casa, deixará vários de seus diplomatas em saias–justas, obrigados a silenciar sobre políticas que, ao invés de gerarem novos paradigmas de desenvolvimento, nos farão retroceder vinte anos. Veremos como o Itamaraty justificará o fato de umpaís inteiro “ficar para trás” porque sem o tensionamento interno no governo entre os que pautavam um Estado defensor de direitos, vencem os que veneram apenas os mercados.

Na ONU, claro, ingênuos inexistem e suas agências e líderes dificilmente irão à público defender o governo Dilma, tão problemático e pouco estratégico quanto poderia ser. Mas aqui na 1st Avenue, onde fica a sede das Nações Unidas entende-se muito bem que, findadas as disputas por projetos políticos dentro do governo, substitui-se uma parte preciosa da nossa democracia – que incluía a luta cotidiana entre pensamentos diferentes e a crença nas suas instituições – pelo discurso monotônico dos banqueiros, do agronegócio, dos sexistas e homofóbicos, da economia ortodoxa e ultrapassada meireliana que ainda crê que a conta deve ser paga pelas pessoas mais pobres e mais discriminadas.

O Brasil que amanhã se apresenta na ONU, portanto, chega ainda mais alijado de direitos básicos como saúde, educação, segurança, paz. E encontrará interlocutores impregnados de dúvidas, influenciados por noticiários globais sobre a contínua desmoralização de nossas lideranças, sobre a corrupção sistêmica, o ódio, violência e o medo que se alastram sem freios.

É triste, mas é esta mensagem de “insustentabilidade” que ficará cristalina nas entrelinhas do discurso do Brasil. Um país que, desta vez, abre a Assembleia Geral da ONU enquanto fecha, em casa, caminhos longamente construídos em prol de um país mais justo – social, econômica e ambientalmente falando.

Convite - JORNADAS EUROPEIAS DA CULTURA - "A Vide e o seu Castelo"


A vila de Castelo de Vide vai ser o palco do lançamento do livro “A Vide e o seu Castelo”, de Ruy Ventura. Será no sábado 24 de Setembro, pelas17.00 horas.
Este momento integra as Jornadas Europeias do Património.
O livro será apresentado pelo Professor Doutor Francisco Sepúlveda Teixeira e versa sobre Castelo de Vide, com saltos até a Marvão e à Ammaia. 

Uma iniciativa do Grupo de Amigos de Castelo de Vide.

UM NOVO SOPRO DE ESPERANÇA

1 – No paraíso que constitui o Estado insular de Nova Esparta, mais propriamente na Ilha Margarita, na Venezuela, está em curso a XVIIª Cimeira do Movimento dos Não Alinhados, uma organização que integra mais de 120 nações da Terra, o equivalente a dois terços das representações nacionais na ONU.

A Venezuela que assumirá “pro tempore” a Presidência do Movimento, escolheu para a realização da Cimeira um lugar que reúne simultaneamente sinais de respeito para com a Mãe Terra (e por isso um destino turístico privilegiado a sul do colar das pequenas Antilhas) e de respeito para com a humanidade, pelo simbolismo da trajetória histórica, marco das independências modernas na América Latina e testemunho da luta constante em prol da autodeterminação dos povos, das nações e dos estados.

A ilha de Margarita e os ilhéus adjacentes que constituem Nova Esparta, tem sensivelmente a mesma área de São Tomé e Príncipe (um pouco mais de 1.000 km2)

Dificilmente a Venezuela poderia escolher melhor local para acontecimentos internacionais como este que, como suporte estrutural, conta com o esplêndido Centro de Convenções Hugo Chavez, em Porlamar, a maior cidade do arquipélago.

A XVIIª Cimeira, prova de vida e de esperança do MNOAL, é testemunho de que os mentores e seguidores de Francis Fukuyama (outro dos “filósofos” neoliberais “refletores” dos interesses da aristocracia financeira mundial nas universidades norte-americanas de feição), estão completamente equivocados.

O MNOAL face a esse equívoco, é a inteligência coletiva que além do mais percebe bem o papel das“revoluções coloridas”, das “primaveras árabes” e de outras formas de manipulação e ingerência que têm sido distendidos contra cada um dos seus componentes, procurando tirar partido das vulnerabilidades das economias periféricas nos processos correntes de globalização.

Sob o ponto de vista sócio-político e económico não se está a assistir ao "fim da história" e ao"último homem", pois as imensas desigualdades provam precisamente o contrário: o imperialismo seguindo a trilha neoliberal e em plena globalização, não é um mito, é um exercício nutrido de permanentes "práticas de conspiração" desrespeitando a Mãe Terra e toda a humanidade.

O capitalismo neoliberal produtor da hegemonia unipolar “distingue-se” pelos imensos desequilíbrios ambientais em curso, pelo fim de muitas espécies animais e vegetais, pelo aquecimento global que vai provocando incontroláveis incêndios, tempestades avassaladoras e chuvas diluvianas, pelas injustiças históricas e sociais, pelo envenenamento das relações internacionais com a disseminação do caos e do terrorismo…

Na Cimeira do MNOAL a humanidade geme todas as suas dores e aponta o dedo às causas, num concerto a uma só voz que é preâmbulo das soluções que os povos do sul procuram para tantos problemas, tendo como meta a agenda da ONU para 2030!...

Os concertos de paz constituem por si um garante no caminho e nos dois lados do Atlântico Sul reconhecem-se avanços na Colômbia, como nos Grandes Lagos, algo que favorece os relacionamentos comuns entre Angola e Cuba em contenciosos tão distintos.

2 – A XVIIª Cimeira do MNOAL, no momento em que o Irão entrega a Presidência “pro tempore”à Venezuela, em resposta aos desafios comuns que se colocam face ao comportamento da hegemonia unipolar e à concentração da riqueza nas mãos de 1% da humanidade, tem como temas fulcrais a necessidade de respeito para com a Mãe Terra, a incessante busca da paz e sua consolidação, a defesa da autodeterminação, da independência e da soberania dos povos, das nações e dos estados, bem como a necessidade premente da humanidade pautar pela unidade e pela solidariedade, ou seja, uma agenda que se assume com os olhos do sul e particularmente com os olhos dos progressistas latino americanos e de todo o mundo, para fazer frente ao domínio daqueles que utilizam os fenómenos globais com o exclusivo fim de aumentar o seu domínio sobre os demais.

Os componentes do MNOAL têm vindo a sofrer todo o tipo de ingerências por parte da hegemonia unipolar, o que subverte a possibilidade de relações internacionais justas e mais equilibradas, ao mesmo tempo que dificulta a emergência necessária na luta contra o subdesenvolvimento e por um desenvolvimento sustentável.

As intervenções produzidas nesta Cimeira num momento crucial para o planeta e para a humanidade, revitalizam o Movimento dos Não Alinhados que se aproxima das emergências multipolares, conferindo um novo sopro de esperança, que confirma a dialética do materialismo histórico.

3 – Para a América Latina progressista este sopro é um sinal de mobilização para fazer face a mais processos de desestabilização em curso na América, em África e na Ásia, processos esses que estão a ser lançados dando sequência à disseminação do caos e do terrorismo, mas também à ingerência que colige os interesses das oligarquias agenciadas pela globalização capitalista neoliberal de acordo com os parâmetros da hegemonia unipolar.

Na América o incremento duma convulsão retrógrada manipulada por aqueles que pretendem a todo o custo manipular em proveito da aristocracia financeira mundial, está a atingir países como as Honduras, o Paraguai, a Argentina, o Brasil, ou a própria Venezuela, assim como instituições como por exemplo o MERCOSUL…

O sopro de esperança revitalizadora desta Cimeira visa dar luta a esta última mobilização do império que teima em continuar a tratar o seu “pátio traseiro” reeditando uma nova “Operação Condor” nos moldes possíveis do século XXI.

Ciosos de paz, do aprofundamento das democracias, de luta em prol do desenvolvimento sustentável, da integração e da solidariedade, os progressistas americanos unem-se e cerram fileiras, não perdendo de vista as causas que colocam em perigo a Mãe Terra.

Em África, as denúncias contra o colonialismo e o terrorismo multiplicam-se com o dedo apontado na mesma direção.

Persiste o colonialismo marroquino no Sahara e o neocolonialismo avança, tirando partido das fragilidades africanas num continente em que a água interior é alvo de disputas sangrentas atiçadas pelas manipulações e ingerências que chegam do exterior, por via do exercício da hegemonia unipolar.

No continente asiático a Arábia Saudita, as outras monarquias arábicas e os falcões de Israel, sustentam o terrorismo do Paquistão à Síria, passando pelo Iémen, pelo Afeganistão, pelo Iraque, pela Palestina e ameaçando alastrar o caos e o terrorismo a outros estados, entre eles o Irão que agora cessa a Presidência no MNOAL.

No MNOAL a crítica faz-se em relação por isso a alguns dos seus componentes arábicos, vassalos da hegemonia unipolar e seu recurso para semear tensões, conflitos e guerras.

O arco de crise tem sido de tal ordem que África está também envolvida nessa sangrenta saga, da Líbia à Somália, passando pelo Mali, a Nigéria, os Camarões, o Chade…

4 – A Cimeira do MNOAL comprova que o que une os povos, as nações e os estados do sul, é a ideologia muito mais que a geografia (lembrando uma preocupação publicamente manifestada por várias vezes pelo Presidente Agostinho Neto, fundador de Angola e um dirigente esclarecido que foi do próprio MNOAL), numa dialética que identifica quais são as causas produzidas no âmbito e a partir do império e agora da hegemonia unipolar, causas que envenenam a vida no planeta e os relacionamentos humanos dentro das sociedades e a nível internacional.

A cultura da paz torna-se assim vital e é a maior das batalhas que os povos do sul estão a travar no caminho longo de sua própria vitalidade, correspondendo aos padrões mais amplos do desenvolvimento sustentável e universais dos direitos humanos!

- - Fotografias relativas à XVIIª Cimeira do Movimento dos Não Alinhados, em curso na ilha Margarita, na Venezuela.

A consultar:
- Le sommet du MNA s’achève sur un appel à la paix dans le monde – http://www2.irna.ir/fr/news/view/line-98/1209016338103818.htm
Iran’s President Stresses Activating NAM's Capacities – http://english.farsnews.com/newstext.php?nn=9106061268
- La Mnoal es un movimiento que tiene en su seno la esperanza para la humanidad – http://www.correodelorinoco.gob.ve/regiones/canciller-rodriguez-mnoal-es-un-movimiento-que-tiene-su-seno-esperanza-para-humanidad/
- Los países del Sur necesitaban de una agrupación profundamente anticolonialista, antimperialista y antirracista –http://www.cubadebate.cu/opinion/2016/09/16/los-paises-del-sur-necesitaban-de-una-agrupacion-profundamente-anticolonialista-antimperialista-y-antirracista/#.V9z5sWJo3mI
- La única alternativa ante los enormes peligros y desafíos que tenemos por delante es la unidad y la solidaridad –http://www.granma.cu/mundo/2016-09-17/la-unica-alternativa-ante-los-enormes-peligros-y-desafios-que-tenemos-por-delante-es-la-unidad-y-la-solidaridad-17-09-2016-22-09-26
- Nicolás Maduro: El Mnoal reunió a todas las conciencias rebeldes y justas del mundo – http://www.ultimasnoticias.com.ve/noticias/politica/nicolas-maduro-mnoal-reunio-todas-las-conciencias-rebeldes-justas-del-mundo/ 
- Previo a la próxima asamblea general de la ONU – G77 + China destaca importancia del MNOAL para garantizar la paz y el desarrollo sostenible – http://www.correodelorinoco.gob.ve/politica/g77-china-destaca-importancia-mnoal-para-garantizar-paz-y-desarrollo-sostenible/ 
- Robert Mugabe advierte que el unilateralismo crea caldo de cultivo para el extremismo – http://www.correodelorinoco.gob.ve/multipolaridad/robert-mugabe-advierte-que-unilateralismo-crea-caldo-cultivo-para-extremismo/
- Libia y Sudáfrica llaman a países del Mnoal a sumar esfuerzos para derrotar el terrorismo –http://www.correodelorinoco.gob.ve/politica/libia-y-sudafrica-llaman-a-paises-mnoal-a-sumar-esfuerzos-para-derrotar-terrorismo/ 
- Angola rechaza irrespeto imperialista en la soberanía de los pueblos del Mnoal – http://www.correodelorinoco.gob.ve/multipolaridad/angola-rechaza-irrespeto-imperialista-soberania-pueblos-mnoal/ 
- Declaración de la XVII Cumbre de los Jefes de Estado y de Gobierno del Movimiento de Países No Alineados (MNOAL) – http://www.granma.cu/mundo/2016-09-18/declaracion-de-la-xvii-cumbre-de-los-jefes-de-estado-y-de-gobierno-del-movimiento-de-paises-no-alineados-mnoal-18-09-2016-22-09-17

QUAL O IMPACTO DA CRISE DO DELTA DO NÍGER NO GOLFO DA GUINÉ?

Uma das posturas que o antigo presidente nigeriano Goodluck Jonathan tomou face aos antigos “partisans” que operavam em miríades de grupos armados no Delta do Níger para terminar com os assaltos e ataques diversos – e, não poucas vezes, muito cirúrgicos – contra a economia nigeriana no Delta, nomeadamente, contra as instalações petrolíferas (exploração e transporte de crude), foram conceder-lhes em finais de 2009, com a uma amnistia, o pagamento anual de cerca de 200 milhões de dólares norte-americanos aos diversos grupos de activistas que operavam (operam) no Delta.

Ora, em Março, o general Paul Boroh, que coordena o Programa de Amnistia Presidencial, segundo instruções do novo governo liderado por Muhammadu Buhari, decidiu suspender os pagamentos ao ex-guerrilheiros e activistas – em média correspondia a cerca de US$ 200 por mês a cada antigo activista (adoptemos esta terminologia para os diferentes grupos armados ou não) – justificando que as receitas do Estado nigeriano teriam caído devido à quebra mundial do preço do petróleo, cuja produção representa 70% das receitas financeiras da Nigéria; seria o fim do Programa de Amnistia de Jonathan. Em contrapartida o Governo nigeriano estudava substituir este Programa por um outro que tinha como objectivo uma estratégia programática que fosse de mais longa e mais credível resolução financeira e política.

Só que esta visão política governativa não convenceu os activistas que operavam (e operam) no Delta, dado que, quase de imediato, desferiram uma onda de ataques contra instalações de petróleo e gás, compelindo a produção petrolífera para menos de 1,4 milhões de barris por dia (bpd), considerado como o menor dos últimos 25 anos! Registe-se, no entanto, que o ministro da Energia nigeriano terá dito, em Londres, no final de Julho, que já começava a haver registos de uma recuperação significativa na produção de crude, chegando esta a 1,9 milhões de barris/dia ainda longe dos orçamentados 2,2 milhões de barris/dia.

Apesar destas notícias optimistas do Governo nigeriano, constata-se – aliado ao enorme problema chamado Boko Haram e que merece outro tratamento em outro artigo – que os ataques no Delta continuam a persistir e a colocar em causa a exportação do crude nigeriano que representa. Desde o início do ano a produção desceu mais de 21,5% ao ponto da Nigéria ter sido ultrapassada por Angola como o maior produtor da África subsaariana (1,5 milhões bpd nigerianos contra os 1,78 bpd de Angola – valores da OPEP; e reafirmado pelo recente relatório da agencia Internacional de Energia “Africa Energy Outlook”, para o período 2016-2020).

Continuam a ser vários os grupos que, com maior ou menor força operacional, actuam no Delta: MEND (Movement for the Emancipation of the Niger Delta) – ainda que este esteja em declínio ou persista através de alguns activistas que se intitulam como sendo remanescentes deste movimento e que poderão emergir como um novo grupo operacional –; MOSOP (Movement for the Survival of the Ogoni People); NDLF (Niger Delta Liberation Front); NDPVF (Niger Delta People's Volunteer Force); NDV (Niger Delta Vigilante); ou os emergentes Red Egbesu Water Lions (havendo quem os também denomine, provavelmente de modo errado, de Pensioners Egbesu); Asawana Deadly Force of Niger Delta (ADFND); Joint Niger Delta Liberation Force (JNDLF); Niger Delta Revolutionary Crusaders, (NDRC): Niger Delta Greenland Justice Mandate (NDGJM). Todavia, quem se assume como um claro potencial e perigoso grupo a operar no Delta, ainda que recentemente tenha aceitado negociar com Abuja, um acordo de paz para a região são os Vingadores do Delta do Níger (NDA – Niger Delta Avengers).

Segundo as forças de segurança nigerianas, nos últimos meses, o NDA foi responsável por metade dos ataques ocorridos no Delta do Níger, distribuídos entre os estados de Bayelsa e do Delta (ambos no delta do Níger). Registe-se que o exército nigeriano prevê estarem a operar no Delta cerca de 13 grupos extremistas, a maioria de aparecimento efémero.

Fala-se nos corredores governamentais de Abuja procurar fazer com estes novos grupos o que Jonathan fez com os anteriores. Negociar uma nova amnistia “paga”. Só que grupos como NDGJM, ADFND ou NDRC já disseram que exigem muito mais que isso. Uns desejam a independência dos Estados do delta; outros querem participar na gestão e distribuição dos produtos petrolíferos nas mãos de grandes empresas e multinacionais estrangeiras, nomeadamente, Shell, ExxonMobil, Total/Elf/Fina, Chevron, ou a ENI/Agip, bem como a nigeriana NNPC.

Todos estes ataques colocam em dúvida a se a antiga importância estratégica petrolífera da Nigéria ainda importa para os principais importadores de crude. Veja-se como os EUA se viraram para Angola ou como a China ou a Índia, dos actuais maiores importadores de crude, quase têm ostracizado o petróleo nigeriano.

E esse declínio reflecte-se na segurança do Golfo da Guiné, algo já previsto em 2006, por Michael Watts, do Centro de Estudos Africanos da Berkeley, University of California, no texto «Empire of Oil: Capitalist Dispossession and the Scramble for Africa».

Para impedir que a deficiente segurança terrestre se reflita na segurança marítima com os consequentes ataques e raptos marítimos no Golfo da Guiné, o exército nigeriano, prevendo o falhanço – quase certo – das negociações propostas por Abuja aos activistas do Delta, enviou para a região 2 divisões (a 2ª e 82ª) de cerca de 100.000 soldados na operação militar denominada “Operation Crocodile Tears”. A esta operação está associada uma operação de policiamento e combate à sabotagem denominada “Operation Delta Safe”. Há quem as considere mais forças de ocupação que de segurança…

Ora é esta premente preocupação que leva os diferentes grupos de opinião e pressão internacionais ou de interesses (os lobbies e os Think-tanks) a se debruçarem sobre a estabilidade do Golfo da Guiné e como estas questões políticas e militarizadas no Delta podem colocar em causa essa estabilidade e, principalmente, a petropolítica dos pequenos estados do Golfo (Gabão, Gana ou Guiné-Equatorial, mais este que os anteriores) como a segurança do transporte de crude e de outros produtos (certos e importantes minérios que têm como principais produtores países centro-africanos) para os EUA, para a Europa ou mesmo para a China.

Algumas medidas estão a ser tomadas; ainda que, na realidade, continuem a pouco passar do papel. Recorde-se A “Declaração de Chefes de Estado e de Governo dos Estados da África Central e Ocidental sobre Segurança Marítima no seu Domínio Marítimo Comum de 2013 (Código de Conduta de Yaoundé)” sobre a defesa e segurança marítima no Golfo. Só recentemente parece estar em vias de se efectivar a operacionalização completa do Centro Inter-regional da Segurança Marítima em Yaoundé, a operacionalização do Centro Regional de Segurança da África Ocidental, o reforço da cooperação e troca de informações sobre tráfico, assim como a coordenação com as organizações regionais e com os estados do Golfo.

Os Açores esforçam-se para terem, na ilha Terceira, um Centro de Segurança Marítima dedicado ao controlo do Golfo da Guiné com o apoio dos EUA na sequência da “despromoção” da Base das Lages.

Sintetizemos alguns factos muito rapidamente

Recordemos que um documento de Agosto de 2014 descrevia que em 2013, o Centro de Observação da Pirataria do Gabinete Marítimo Internacional expôs que, dos “234 episódios registados em todo o mundo, 30 incidentes, incluindo 2 sequestros, tiveram lugar ao largo da costa da Nigéria”. Preocupante, dado que não é só a Nigéria que é afectada: São Tomé e Príncipe, Gabão, Gana e Guiné-Equatorial são, também estes directamente afligidos.

A Organização Marítima Internacional (OMI) só no primeiro trimestre de 2016 registou um assinalável aumento de actividades e incidentes com pirataria marítima na ordem dos 36% (o ano de 2015 colocou o Golfo da Guiné como “a terceira área marítima mais perigosa do mundo ao registar 49 incidentes que incluem pequenos furtos, raptos ou desvio de embarcações”); o número de pessoas sequestradas em navios até finais de Abril, já corresponde ao total global de 2’015; este ano – segundo um relatório da OMI, de inícios de Maio, “a região teve 40% dos casos de pirataria e de assaltos à mão armada no mar ocorridos em todo o mundo”.

Pode-se, face a estes factos que, naturalmente, o impacto da crise do Delta do Níger no Golfo da Guiné é cada vez mais preocupante e carece de um acompanhamento mais acentuado das Nações Unidas e, principalmente, porque são partes interessadas da Comissão do Golfo da Guiné e da União Africana.

*Investigador e Pós-Doutorando

Publicado no semanário Novo Jornal, edição 448, de 9 de Setembro de 2016, página 14

*Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

É A DESIGUALDADE, ESTÚPIDO!

Ai Jesus se aumentamos os impostos sobre os rendimentos de topo ou se afugentamos os vistos Gold. Ai Jesus se chegamos aos intocáveis.

João Teixeira Lopes – Esquerda.net, opinião

As pressões, ataques e insultos sobre a preparação de um imposto sobre o património imobiliário ou sobre ofim do sigilo bancário para contas superiores a 50 mil euros são altamente reveladoras sobre os interesses em jogo na sociedade portuguesa.

Em primeiro lugar, mostra como alguns políticos e jornalistas pensam mais com a sua carteira do que com a cabeça.

Em segundo lugar, revela a mais absurda conceção de classe média: composta, supostamente, por agregados com património imobiliário superior a 500 mil euros. Quem nos dera que essa fosse a classe média portuguesa, num país onde o salário médio ronda os mil euros mas onde a maior parte da população não aufere mensalmente mais de 700 euros. Estudos recentes mostram como o quintil mais elevado da distribuição de rendimentos se tem afastado dos demais, devido à concentração da riqueza e ainda como a classe média empobreceu, aproximando-se do quintil mais baixo, e se tornou muito mais vulnerável à possibilidade de pobreza e à precariedade. A recente investigação de Carlos Farinha Rodrigues demonstra que, com a crise, os ricos perderam 13% do seu rendimento e os pobres o dobro!

Em terceiro lugar, vivemos num país que não assume que o seu principal problema são as desigualdades. Temos dos piores coeficientes de Gini (34,5) da União Europeia e um dos maiores fossos (pior só a Roménia e a Eslováquia) na distribuição de rendimento entre homens e mulheres. Países com maiores desigualdades têm piores desempenhos económicos. O aumento da desigualdade social, aliás, reconhece o próprio FMI, está na origem da crise de 2007-8. Mas este abismo nunca está na agenda e só se permite o assistencialismo e a sopa dos pobres. Podem-se cortar salários, pensões e aumentar brutalmente os impostos – IVA e IRS, nunca o IRC..), mas deixemos as fortunas no cofre.

Ai Jesus se aumentamos os impostos sobre os rendimentos de topo (os 5% mais ricos) ou se afugentamos os vistos Gold (imersos, desde a sua criação por Paulo Portas, nas maiores suspeitas de funcionarem como esquema de lavagem de dinheiro). Ai Jesus se tributamos os que se furtam à colecta (um dos problemas estruturais da nossa sociedade, com uma das maiores taxas de fugo ao fisco dos ricos). Ai Jesus se queremos saber a origem e o circuito do dinheiro (já toda a gente se esqueceu dos Panama Papers). Ai Jesus se chegamos aos intocáveis.

Este fechamento à discussão de uma política fiscal realmente progressiva é um dos piores sinais do nosso atraso.

Artigo publicado em p3.publico.pt a 19 de setembro de 2016

*Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo, professor universitário

JORNALISTAS, ESSES NOSSOS ADVERSÁRIOS - QUE NEM CONHECEM O PAÍS REAL

A opinião de Ana Sá Lopes, no jornal i, não podia ser mais pertinente. Maviosa nas palavras mas nem por isso irrealista. Os jornalistas (existem exceções cada vez mais raras) não dão a conhecer o país real, eles próprios parece que preferem não o conhecer. Vai daí mostram-nos o que lhes pagam (muito bem) para nos mostrarem, assumindo a adversariedade com os milhões que são a maioria dos que sobrevivem (mal) no país real. 

Salvo exceções, não existem jornalistas ricos por via daquela profissão, mas não são pobres. São produto daquilo a que se sujeitam e a que se vendem (quando se vendem). Podem ter uma vida sossegada e confortável se não gastarem mais que aquilo que ganham no seu trabalho. 

O mais grave é existirem imensos cuja pobreza de espírito é confrangedora. Desses, vimos, lê-mos e ouvimos a produção de enormes barbáries que põem a profissão e os profissionais a sério numa situação de "caldeirada", em que todos são medidos pela mesma bitola. Injusto. E não, não acontece só nas televisões. O que existe na comunicação social - certa e incerta - é do piorio e da devassa da nobre (em tempos) profissão.

Sem mais considerações, porque a realidade jornalística mete nojo, passemos ao artigo de opinião de Ana Sá Lopes, no jornal i. (PG)

O país que passa na televisão está cheio de ricos

Ana Sá Lopes – jornal i, opinião

Um jornalista radical, Serge Halimi, escreveu um dia que desde que os jornalistas começaram a viver com os salários das classes altas, nos bairros das classes altas, a ir aos restaurantes das classes altas, começaram instintivamente a defender os interesses das classes altas, dos banqueiros, dos grandes empresários, e a ignorar os trabalhadores comuns que sobreviviam com dificuldades. Num passado remoto, o jornalista era um operário como os outros. Depois dos anos 80, as coisas mudaram.

Este livro de Serge Halimi é antigo e, entretanto, o panorama do setor da comunicação social alterou-se: os salários dos jornalistas são baixíssimos e alinham genericamente pela classe média nacional, onde um vencimento de 1500 euros líquidos é considerado bom. Os salários que não mudaram – a par dos administradores dos bancos e das grandes empresas – foram os dos mais conhecidos comentadores políticos.

A menos que se trate de uma qualquer “síndrome de Estocolmo” – que existe sob as mais estranhas formas –, o facto de o país comentador ter vindo abaixo com o anúncio de um novo imposto para o património mais elevado, que vai substituir o imposto de selo criado pelo governo Passos/Portas, prova que quem tem acesso à televisão não conhece o país em que vive, onde o salário médio é de 800 euros e a acumulação de património com valor tributário de 500 mil euros é uma raridade. Não é valor de mercado: é valor tributário, o que é radicalmente diferente.

É evidente que a maneira como o novo imposto foi apresentado não podia ter sido mais desastrada. Quando Costa vem ontem dizer que, praticamente, não existe imposto nenhum, é uma tentativa de controlo de danos – a 25 dias da apresentação do Orçamento – desesperada.

Mas uma coisa é a forma, outra o conteúdo. A unanimidade dos comentadores não representa o país real. Alguém que faça o favor de lhes diminuir os salários de forma a permitir que tenham possibilidades de obter um melhor conhecimento de causa.