Se a decisão, no dia 23, for a saída da União Europeia, a vida de quem escolheu trabalhar na Terra de Sua Majestade pode mudar radicalmente.
Rita Maia, 41 anos, natural de Famalicão, e o marido, José Cardoso, não irão esperar pelos tempos difíceis que preveem vir a pairar sobre o Reino Unido, caso a saída da União de Europeia ganhe no referendo da próxima quinta-feira.
"Tomámos a decisão de sair. É difícil. Não era este o momento de voltar".A preocupação do casal pode servir como o retrato das inquietações que têm chegaram até ao secretário Estado das Comunidades Portuguesas. José Luís Carneiro responde-lhes pedindo calma: o "Brexit" é, essencialmente, uma gigantesca incógnita. Mas a verdade é que uma saída terá, à partida, uma gigantesca consequência: deixando de ser parte do bloco dos 28, o Reino Unido terá que decidir como trata os cidadãos europeus: se estrangeiros como o são, hoje, os não europeus; se como europeus com algum acordo especial.
José Luís Carneiro lembra que a vida é bem mais dificultada para quem não é europeu e quer trabalhar no Reino Unido. "Para um trabalhador não europeu obter um visto de trabalho é necessário ter estudos superiores e um salário mínimo anual de 20.800 libras. Se se aplicasse estas regras aos 2,2 milhões de trabalhadores da UE que vivem no Reino Unido, três quartos não preencheriam esses requisitos".
E os mais afetados seriam "os trabalhadores da construção civil, da restauração, da hotelaria e da indústria. Considerando os portugueses inscritos na segurança social, um terço não tem essas classificações superiores". Se forem enquadrados como estrangeiros, portanto, perdem o direito ao trabalho.
Muitos fora dos números oficiais
Oficialmente, haverá 234 mil portugueses a residir no Reino Unido. "Mas os nossos consulados em Londres e Manchester estimam que possam ser mais de 400 mil", diz o governante. Isto porque o registo na Segurança Social não é obrigatório: recorre a ele quem tem filhos ou precisa de apoios sociais. Muitos jovens aventureiros tentam a emigração por um período de tempo reduzido, fruto da livre circulação andam por vários países da UE em função dos empregos que arranjam e escapam assim aos números oficiais.
Por tudo isso é que, para já, a recomendação transmitida aos muitos emigrantes que procuram informar-se junto dos consulados - contactos que se intensificaram na última semana -, é que tenham calma e peçam o cartão de residente permanente no Reino Unido. Que a maioria não tem.
Confirmando-se o Brexit, o "impacto não será imediato", sublinha José Luís Carneiro. "Haverá dois anos para que decorra o processo negocial relativamente ao modo como se manterá a ligação". Optando-se por um modelo de cooperação semelhante ao que existe com alguns países, "o impacto será reduzido", acredita.
Agora, "está tudo em suspenso", diz Rita Maia. As campanhas "Britain First" e "Vote Leave" têm "resultado em pleno, acabando por remeter as campanhas pró-permanência a uma estratégia defensiva", diz a gestora. A "Europa é o bode expiatório para todos os males" e foi-se alimentando a ideia de que o "Brexit" é a "fórmula mágica que lhes dará carta branca para fazer o que muito bem lhes apetecer".
Rita e José estão convencidos de que se irá "assistir a algo muito similar ao já ensaiado anteriormente com a triagem económica dos migrantes". "Não nos parece que sejam acionados mecanismos ativos de deportação, ou algo do género, mas a própria degeneração e instabilidade económica acabará por criar uma dinâmica de saída".
Os média tratam o tema como futebol
Sandra Couto-Thiessen, psicóloga açoriana de 43 anos e casada com um alemão, Philipp, denuncia a forma como têm sido geridas as campanhas, alicerçadas em promessas de futuros promissores, alimentando sonhos do forte império do passado. Os argumentos são "uma ofensa para qualquer pessoa com formação". Sandra critica também os média, que tratam o tema como da "previsão de um resultado do futebol". O clima de medo foi instalado com o argumento da "imigração descontrolada". A separação fará "crescer a hostilidade e a discriminação pura e simples aos imigrantes". E a economia local também vai sofrer, podendo comprometer empregos. Mesmo que o caminho não seja um "Brexit" radical, "é quase impossível que as regras para os emigrantes não fiquem mais rigorosas".
"É um país sobrecarregado de imigrantes"
Ana Pereira, 22 anos e natural de Vila Nova de Gaia, diz-se dividida. Por um lado, percebe a indignação dos ingleses num "país sobrecarregado de imigrantes, onde existem fábricas inglesas que não têm um único inglês a trabalhar".
"Os imigrantes chegaram e tomaram conta disto, não falo dos portugueses, mas sim dos polacos, que falam zero de inglês". E é também uma "questão de dinheiro", justifica Ana."É muito complicado ver o nosso esforço a ser investido na UE ou em países que façam parte dela e não se ver qualquer melhoria. Os ingleses querem que tudo fique no país para melhorá-lo. E há muito coisa a melhorar". Por outro lado, preferiria a manutenção no berço europeu. O "Brexit" vai ser "um tiro no escuro". "Não se sabe bem como vai ser e muito menos se sabe como vai ser para os imigrantes".
Contra as elites e a narrativa de austeridade
Miguel Alegre foi estudar História para a Univsersity College de Londres em 2014. Natural do Porto, o jovem de 20 anos defende convictamente a saída do Reino Unido da União Europeia. "É importante lembrar que o referendo do dia 23 de junho não versa sobre interesses pessoais ou corporativos. O referendo é, sim, a oportunidade para rejeitar as elites não eleitas de Bruxelas que nos governam e que formulam mais de metade das nossas leis. O "Brexit" é um não aos tecnocratas da Comissão". Está convencido que sair da EU significa "resgatar a democracia das mãos de quem, em nome de um idealismo vão, governa sem as populações ou contra as populações. É um voto de solidariedade com os 45% de jovens espanhóis que estão sem emprego porque a UE não larga a narrativa da austeridade".
Fonte: JN