Advogados apresentam diferentes leituras sobre legalidade da nomeação e a aplicação da Lei da Probidade Pública ao Presidente da República.
Miguel Gomes – Rede Angola
O Decreto Presidencial 120/16, que nomeou Isabel dos Santos, filha do Presidente da República, para o cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol está a ser contestado por diversas sensibilidades. Para além da questão legal, levantam-se ainda dúvidas sobre os princípios éticos que norteiam o exercício político.
Entre todo o ruído causado pela surpreendente nomeação, saiu reforçado o poder económico e político de Isabel dos Santos, que acumula agora interesses directos (seja por via da gestão ou da participação financeira) na maior empresa do país, a Sonangol, nos bancos BFA e BIC, na cimenteira Nova Cimangola, na principal operadora de telecomunicações (Unitel) e de televisão paga (ZAP), e no Plano Director Geral Metropolitano de Luanda, um cargo eminentemente político.
Algumas destas participações (como na Unitel, onde a Sonangol detém 25 por cento da empresa através da subsidiária MsTelcom), e outras fora do país (como é o caso da associação indirecta e privada da actual PCA da Sonangol com a Galp, em Portugal, onde a Sonangol é sua parceira; e um eventual conflito de interesses devido ao facto da gestora ser uma das principais accionistas do BIC, que é concorrente do BCP, em Portugal, onde por sua vez a Sonangol é o principal accionista individual), são também olhadas com desconfiança.
A Lei da Probidade Pública, no artigo 28º (Impedimentos do Agente Público), afirma que o “agente público está impedido de intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos e contratos” quando:
a) “tenha interesse directo ou como representante de outra pessoa”;
b) “quando por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse seu cônjuge ou parente na linha recta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como quem viva em comunhão de mesa e habitação”;
c) “quando exerça actividades privadas, incluindo de carácter profissional ou associativo, que se relacionem directamente com o órgão ou entidade ao qual prestam serviço”;
O ponto 2 da Lei da Probidade Pública afirma ainda que “a violação das normas sobre impedimento, por acção ou omissão negligente ou dolosa, dá lugar à responsabilização política, disciplinar e criminal”.
“Vai-se entrar com uma providência cautelar para suspensão do acto [de nomeação], para que não produza eficácia, como medida preliminar, nos termos da impugnação dos actos administrativos. Ao ter permitido que a sua filha fosse nomeada cometeu uma improbidade pública, ele devia ter-se abstido, como manda a lei”, explicou à agência Lusa o advogado David Mendes, também dirigente da associação cívica Mãos Livres.
Após mais de duas horas de reunião, os juristas nomearam um grupo de trabalho de seis pessoas para impugnar o acto administrativo de nomeação de Isabel dos Santos.
“Ao mesmo tempo, seguindo as regras da impugnação dos actos administrativos, vai-se apresentar a competente reclamação ao chefe do governo, seguidamente, nos termos da Lei da Probidade Pública, uma queixa junto do procurador-geral da República, para abrir investigação”, disse ainda David Mendes.
Juvenis Paulo, jurista e ex-jornalista que se tem notabilizado pela participação em debates televisivos, diverge da opinião dos colegas e defende a legalidade da nomeação de Isabel dos Santos.
“Julgo que muitas pessoas estão a analisar a questão de forma equivocada”, explica Juvenis Paulo, em conversa telefónica com o Rede Angola. “A Lei da Probidade Pública aplica-se a todos os agentes públicos, ou seja, a todos os funcionários públicos e a todos aqueles que exercem funções na administração pública”, frisa.
Na sua opinião, esta definição deixa de fora do escopo da lei o Presidente da República. “O Presidente da República é o titular do poder executivo mas não é membro do executivo, o Presidente da República não é um funcionário ou um agente público”, frisa o jurista.
A fiscalização da actividade do Presidente da República é feita pela Assembleia Nacional, nos casos dos actos legislativos, do Orçamento Geral do Estado e da Conta Geral do Estado.
Os actos administrativos, como são as nomeações dos conselhos de administração das empresas públicas, devem estar conformes a lei e a Constituição. A contestação é feita nos tribunais.
Oposição critica PR
Tudo indica que estão criadas as condições para que Isabel dos Santos comece também a mostrar-se no seio do MPLA. O próximo congresso do partido, que se vai realizar em Agosto, pode trazer algumas novidades.
A visibilidade, a responsabilidade económica e a força política que a gestora vai acumulando, coloca-a também como potencial sucessora do pai, José Eduardo dos Santos, situação que levantaria outro aceso debate sobre a sua elegibilidade para o cargo.
Para já, os partidos UNITA e CASA-CE verbalizaram as suas dúvidas sobre as recentes nomeações na Sonangol. A UNITA anunciou a pretensão de levar à Assembleia Nacional a discussão sobre a nomeação.
O maior partido da oposição considera a indicação de Isabel dos Santos “um acto indecoroso e antipatriótico do Presidente da República” e apelou aos angolanos para não aceitarem que “a sua República seja tratada com toda essa leviandade de alguém que confunde o país com a sua quinta pessoal”.
“Assim, a UNITA expressa a máxima repulsa e condena, nos termos mais veementes, tal nomeação e exorta o Presidente da República a revogar essa decisão por ela constituir uma flagrante violação à Lei e à ética, para além de ser lesiva aos altos interesses da nação”, referiu Raul Danda.
O secretário-geral da CASA-CE, Leonel Gomes, disse que a nomeação de Isabel dos Santos para o cargo de PCA da Sonangol representa a falta de capacidade e vontade de “colocar um travão aos excessos do Presidente por parte do MPLA”. O deputado Leonel Gomes fez saber que não está em questão qualquer discussão sobre as eventuais competências da empresária enquanto cidadã.
“Está em questão, sim, a prática reiterada de nepotismo exacerbado, por parte do Presidente da República, que apenas considera capazes os seus filhos e outros familiares, tal como aconteceu com a nomeação de Filomeno dos Santos para o Fundo Soberano”, esclareceu Leonel Gomes.