O contexto
Paulo Portas, falando numa sessão do CDS-PP, no domingo, criticou as escolhas do Governo para o Orçamento do Estado, classificando-as de “opção ideológica”. Porém, nessa mesma frase, o líder do CDS, que foi vice-primeiro-ministro na legislatura anterior, classificou a proposta de Orçamento do Estado (OE) apresentada na sexta-feira por Mário Centeno como “um esforço fiscal nunca antes visto”.
O argumento pretendia responsabilizar o Executivo de António Costa por um aumento de impostos cuja única finalidade seria a de “tapar” as despesas negociadas no início da legislatura com os partidos de esquerda (BE, PCP e PEV) para viabilizar o programa do Governo.
Esse argumento foi, aliás, usado por outros dirigentes do PSD e do CDS nos últimos dias. Cecília Meireles, deputada do CDS, criticou o que considera ser um “aumento de impostos muito significativo”. Também o anterior primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, alinhou pela mesma ideia. Trata-se, para o líder do PSD, de um “grande aumento dos impostos que vai prejudicar sobretudo as empresas e a classe média”.
Os factos
Em primeiro lugar, há uma diferença subtil a ter em conta. Quando falam de “impostos”, quer Portas, quer Passos, quer os outros dirigentes do PSD e CDS referem-se ao conjunto de taxas, contribuições e obrigações fiscais devidas pelos portugueses, e pelas empresas a operar em solo nacional. Se se referissem apenas a impostos, estritamente, o argumento seria falso.
Segundo o Relatório do Orçamento do Estado, conhecido na sexta-feira, dia 5, o total das receitas fiscais previstas para 2016, em percentagem do PIB, cai face ao ano anterior (2015) em 0,2%. Em 2015, o Estado arrecadou em impostos o equivalente a 25,4% do PIB, o que significou um aumento face a 2014 (25,1%). Para 2016, o Estado conta recolher em impostos o equivalente a 25,2% do produto.
Mas os números (e convém sublinhar que se trata de uma previsão, como em todos os orçamentos, e não do valor real cobrado) revelam outro dado curioso. No Programa de Estabilidade (2015-2019) elaborado pelo Governo de Passos e Portas e entregue em Bruxelas, o valor previsto para a carga fiscal de 2016 era superior, quer ao de 2015, quer ao que agora é criticado no Orçamento entregue por Mário Centeno. Nesse documento, a previsão dos impostos totais (em percentagem do PIB) aponta para 25,6%. Quatro décimas acima do valor em causa neste Orçamento do PS. Os impostos directos caem 1,9%, os impostos sobre o trabalho caem 2,5%. Sobem os impostos indirectos (ISV, IUC e ISP, sozinhos, crescem 19%), mas não a receita esperada do IVA.
Outra conclusão pode ser retirada se aos impostos acrescentarmos as contribuições obrigatórias para a Segurança Social, que só no último dia das negociações em Bruxelas cresceram 135 milhões de euros, com o “chumbo” à descida da TSU para os salários abaixo de 600 euros. Agora, na versão final do OE, a carga fiscal e contributiva irá subir de 37,6% do PIB (em 2015) para 37,9%.
Em resumo
Paulo Portas fala de uma “opção ideológica”, o que é fácil de demonstrar. O OE para 2016 consegue um alívio significativo do IRS e do IVA na restauração, entre outros, em troca do agravamento de vários impostos sobre o consumo e da tributação sobre as empresas e a banca. Mas já não é certo que a opção tenha sido a de cobrar mais em todas as “taxas possíveis” e em “todos os impostos indirectos”. Por isso, a expressão “esforço fiscal nunca antes visto” só pode ser avaliada relativamente. Do ponto de vista das famílias, cujos rendimentos provêm do trabalho, as simulações conhecidas prevêem uma baixa de impostos. Pelo contrário, se o esforço fiscal for medido pela contabilidade de uma empresa, o agravamento pode ser real. Mário Centeno considerou que essa era a forma de se chegar a um sistema fiscal “mais justo” que permita “um crescimento mais saudável”.