Para se erradicar a fome em todo o mundo, não basta cultivar milho resistente a secas; é também preciso um plano para quando nem esse milho prospera. Por outras palavras, redesenhar as redes sociais é tão importante como escolher o tipo de produto agrícola que se cultiva.
Leah Samberg15 de abril de 2018 às 14:00 |
Em 2015, quando os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas foram oficialmente aprovados, começou a contagem decrescente rumo a uma meta ambiciosa: erradicar a fome a nível mundial até 2030. Naquela altura, a meta parecia concretizável; nos 15 anos precedentes, o número de pessoas subnutridas no planeta tinha diminuído para metade, uma conquista espantosa grandemente atribuída ao investimento internacional em infra-estruturas agrícolas e económicas.
Mas depois a fome no mundo voltou a aumentar; em 2016, o número de pessoas que não tinham o suficiente para comer tinha subido para 815 milhões, contra 777 milhões um ano antes. O que aconteceu?
Parte da resposta é tão antiga como a própria civilização: a seca, as inundações, os conflitos e as deslocalizações penalizaram as colheitas agrícolas e debilitaram a produção. Mas há um factor mais intangível igualmente importante: a perda ou deterioração de muitas das redes que tradicionalmente ajudavam os agricultores a enfrentarem estes desastres.
Para se erradicar a fome em todo o mundo, não basta cultivar milho resistente a secas; é também preciso um plano para quando nem esse milho prospera. Por outras palavras, redesenhar as redes sociais é tão importante como escolher o tipo de produto agrícola que se cultiva.
Para os agricultores e pastores mais pobres do mundo, a única constante é a imprevisibilidade. Como forma de mitigarem o risco, os habitantes de zonas rurais sempre recorreram às suas redes pessoais em busca de informação para enfrentarem as crises, melhorarem a produtividade e limitarem as perdas das colheitas. Além disso, essas relações facilitaram a troca de informações e de bens, diversificaram as dietas alimentares, melhoraram as técnicas de cultivo e ajudaram a proteger contra a fome.
Contudo, hoje em dia, as redes pessoais dos agricultores estão a enfraquecer. As explorações agrícolas estão a ser mais frequentemente atingidas por condições atmosféricas extremas, e nas regiões mais pobres observa-se um aumento dos conflitos violentos; estas e outras variáveis estão a expulsar das suas terras os agricultores de todo o mundo. Embora sempre tenha havido pessoas a abandonarem os seus lares em busca de segurança ou oportunidades, actualmente esse número está em valores recorde.
Todas estas mudanças estão a afectar negativamente as estruturas sociais tradicionais de que as comunidades dependem para a sua sobrevivência, e não se tem prestado atenção suficiente à sua importância para a segurança alimentar. Para se erradicar a fome em todo o mundo, é necessário sustentar, ampliar e diversificar os fundamentos da resiliência rural.
Uma das melhores maneiras de o fazer é investir em novas tecnologias que permitam aos agricultores acederem a informação e a instituições que consigam diminuir a incerteza e atenuar os riscos. Segundo um documento de trabalho publicado em 2017 pelo programa de investigação sobre alterações climáticas, agricultura e segurança alimentar do CGIAR (Grupo de Consulta para a Investigação Agrícola Internacional), algumas das inovações mais promissoras na agricultura rural têm a ver com tecnologia e serviços. O acesso a dados, mercados e serviços financeiros permite aos agricultores plantar, fertilizar, colher e vender produtos mais eficazmente.
De momento, estes tipos de inovações não ocupam um lugar destacado na maioria das estratégias de redução da fome. Mas, pouco a pouco, isso está a mudar, especialmente com o aumento da quantidade de habitantes das economias emergentes que se conectam a redes móveis e com a maior disponibilidade de aplicações para reunir e partilhar informação agrícola.
A título de exemplo, no Egipto, Sudão e Etiópia há serviços de extensão locais que fornecem dados meteorológicos em tempo real por SMS aos agricultores. Na África Ocidental, empresas privadas como a Ignitia estão a trabalhar no sentido de melhorar a exactidão e a precisão dos alertas meteorológicos que enviam por SMS aos agricultores que residem em zonas remotas.
Na Mongólia, os pastores recebem informação sobre surtos de doenças, o que os ajuda a manterem o gado saudável. E agricultores de todo o Hemisfério Sul estão a começar a usar serviços baseados em SMS para obterem apoio técnico que lhes facilita a adopção de novas espécies agrícolas e técnicas de cultivo, o que melhora a gestão dos recursos naturais e os rendimentos e nutrição das famílias.
A conectividade também melhora o funcionamento dos mercados ao permitir aos agricultores e pastores obterem informação exacta sobre preços, ao coordenar o transporte e outros elementos de logística, e ao promover a troca mais fácil de alimentos perecíveis mas nutritivos, como os de origem animal e os vegetais. O acesso a meios de pagamento e informação sobre preços através de dispositivos móveis também permite aos pastores adaptarem a dimensão dos seus rebanhos à evolução das condições ambientais, ao mesmo tempo que permite que os agricultores garantam sementes e fertilizante para colheitas futuras.
Além disso, ao permitirem a transferência rápida e segura de fundos, os serviços de banca móvel permitem que os produtores acedam de forma mais eficiente aos mercados, reduzam os seus custos de transacção e aproveitem segmentos de mercado de valor mais elevado. Os sistemas de pagamento móvel também facilitam o envio de remessas de zonas urbanas para zonas rurais, uma componente cada vez mais importante para a subsistência da economia rural.
É certo que a mera existência desta tecnologia não erradicará a fome. O desafio está em ampliar o acesso a todas estas ferramentas e assegurar que satisfaçam as necessidades de quem as usa. Para isso, é necessário que as tecnologias móveis sejam desenhadas tendo em conta diferenças de género, educação e níveis de recursos entre os agricultores e dêem resposta a novas circunstâncias. O impacto e o êxito destas ferramentas e programas devem ser monitorizados e avaliados, devendo as abordagens ineficazes ser melhoradas ou substituídas.
Realizei investigações em comunidades rurais de todo o mundo e uma das características que todas têm em comum é a dificuldade com que os agricultores e pastores se deparam para aceder a informação fiável sobre os mercados, as condições meteorológicas e o financiamento. Num contexto de debandada de muitos dos vizinhos e de crescente inquietação perante as alterações climáticas, as redes de informação tradicionais já não são suficientes. Os agricultores de todo o mundo, mas especialmente os das economias em desenvolvimento, precisam do apoio das comunidades digitais.
Para centenas de milhões de pessoas, a informação é a diferença entre a segurança alimentar e a fome. Mas perante a ameaça tripla das alterações climáticas, dos conflitos violentos e das migrações em massa, a forma como essa informação é recolhida e partilhada está a mudar. As redes pessoais dos agricultores são agora globais e estão online. Para alimentarmos um mundo em rápida mudança, temos de usar as novas tecnologias para redesenhar a forma mais antiga de mitigação de riscos: a comunidade.
Leah Samberg é investigadora no âmbito da Global Landscapes Initiative do Institute on the Environment da Universidade do Minnesota.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2018.
Tradução: Carla Pedro
Fonte:jornaldenegocios
Nenhum comentário:
Postar um comentário