terça-feira, 21 de novembro de 2017

Solidariedade e democracia contemporânea

J. Carlos | Director
“As grandes ideias cumprem-se com pequenos gestos.

Não é preciso ser santo para se ser solidário, nem é preciso descobrir a Índia para se ser credor do respeito do seu semelhante” escreveu Paulo Mendo no JN a 30/05/1991, num artigo de opinião sobre a Solidariedade.

Andam de braço dado, poderia dizer-se, a solidariedade e a democracia. Se bem que o não sejam, na sua expressão fundamental e na prática, totalmente coincidentes.

Concretamente, a solidariedade implica, por caracterização intrínseca, a reciprocidade de direitos e deveres em plena fluidez de comunicabilidade. A democracia, implicando a igualdade de direitos e deveres dos cidadãos, impõe-lhes a subordinação da decisão política á vontade das maiorias.

Na solidariedade fluem as leis naturais e recíprocos deveres. Na democracia imperam as leis de jurisprudência criada pelo homem e aprovada pelas maiorias, com as condicionantes que lhe retiram o valor universal.

A solidariedade é um sentimento e modo de estar da convivência humana. A democracia é um sistema político para a convivência humana. É neste ponto fulcral que se encontram e divergem os princípios naturais e as bases ditadas que enformam as condutas – de humanas e desumanas.

Na realidade, o princípio da igualdade de direitos e deveres das pessoas em sociedade, que baseia a “igualdade de oportunidade à partida”, permite desde então a divergência de resultantes e não anuncia sequer a continuidade dessa oportunidade – pois ela cessa pontualmente à partida – nem exige tão-pouco por princípio de relacionamento a reciprocidade que em solidariedade é estabelecida entre os mais e os menos dotados.

Se a tais factos adicionarmos o da heterogeneidade da sociedade, em termos de condições das pessoas, é facilmente conclusivo que a lei, divergindo da fluência espontânea do direito natural, pode conduzir às situações atrás referidas conforme o “estatus” dos estratos ou grupos sociais sobre que incide.

Por isso que, mesmo em democracia como sistema político até hoje posto em prática com a esperança teórica de melhor cumprir o princípio da igualdade entre os seres humanos como pessoas, não foi possível ainda criar a metodologia de aplicação fluída e espontânea de meios compensatórios das condicionantes que promovem as situações existenciais diferenciadas.

Os promotores de solidariedade encontram assim razão sobrante e justificada de pô-la em prática quer através de acções, seja directa ou indirectamente, para melhoria de situação dos mais carenciados, quer fomentando a sua aceitação, de molde a que a solidariedade seja um modo de convivência do quotidiano.

Deste modo, iremos embebendo a própria gestão da democracia do sentimento de exigência indispensável de opções solidárias a cada momento.

Ora o estado social em democracia é indispensável ao homem, para se desenvolver conforme as exigências da sua natureza e para tender à perfeição do seu ser, na qual consiste o seu fim essencial como membro da sociedade humana.

Deveres e haveres
Direitos do homem. Direitos da mulher. Direitos da criança. Direitos dos animais. Direitos dos trabalhadores. Direitos dos estudantes. Direitos dos jovens. Direitos dos filhos. Direitos dos idosos. Direitos dos pais. Direitos dos professores. Direitos, direitos, direitos... Direito à saúde. Direito à habitação. Direito ao trabalho. Direito à liberdade de expressão. Direito a férias. Direito à instrução. Direito à vida. Direito a isto, direito àquilo, direito aqueloutro...

E deveres? Talvez esteja aqui a chave da aflição dos nossos tempos: nós, todos nós, temos direitos, todos os direitos. E não nenhuns deveres. (Lourenço de Almeida).

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