quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Ciência | Não existe um gene gay, mas há novas pistas sobre a atração pelo mesmo sexo

“Comportamentos sexuais diversos são uma parte natural da variação humana”, conclui equipa internacional. Encontraram variações, que não podem ser consideradas determinantes, mas deixam ideias para trabalhos futuros. Coincidem com as de outras características como a abertura à experiência e ao risco.

“Há pessoas que se sentem atraídas por homens, outras sentem-se atraídas por mulheres, outras por ambos os sexos. Porque é que somos diferentes?” A questão serviu de base a uma investigação publicada esta semana na revista Science, que deita por terra a hipótese de que existiria um ou mais genes determinantes. Com base no ADN de 477 522 pessoas, os investigadores identificaram cinco variações genéticas que podem ser associadas a comportamentos homossexuais mas não permitem prever que uma pessoa se sinta atraída pelo mesmo sexo. “As conclusões sugerem que o comportamento homossexual é influenciado por uma conjugação complexa de influências genéticas e ambientais, semelhante ao que vemos na maioria das restantes características humanas. Não há um único gene gay”, resumiu, em comunicado, a revista científica.

Num site criado para divulgar os resultados, a equipa internacional de investigadores responsável por aquele que é o maior estudo genético sobre comportamento sexual feito até à data revela preocupação com a leitura que venha a ser feita dos resultados, conhecidos esta quinta-feira ao final do dia.

“As nossas conclusões não devem de forma alguma ser interpretadas de modo a inferir que as experiências de indivíduos LGBTQ são erradas ou um distúrbio. Na realidade, este estudo reforça as evidências de que um comportamento sexual diverso é uma parte natural da variação humana geral”, escrevem, numa primeira introdução ao trabalho, onde explicam também que, dada a sensibilidade do tema, trabalharam com equipas de divulgação de ciência e com a comunidade LGBTQ para que os resultados fossem divulgados da forma mais clara possível e não contribuísse para discriminação. “Os nossos resultados não dão argumentos para a discriminação com base da identidade sexual ou atração nem fazem nenhuma declaração conclusiva acerca de até que ponto natureza ou ambiente influenciam a preferência sexual”.

O que concluem então? Antes, é preciso perceber a metodologia. O trabalho resulta de um estudo de associação ampla de genoma, ferramenta conhecida pela sigla em inglês GWA e que consiste num estudo observacional do ADN de pessoas com uma determinada condição ou característica para detetar marcadores específicos nos genes que possam ter uma caráter preditivo da questão em estudo. O primeiro estudo deste género foi feito em 2005 à procura de assinaturas de uma doença associada ao envelhecimento, a degeneração macular da idade e seguiram-se doenças como diabetes tipo 2 ou doença de Crohn. 

Desta vez, os investigadores quiseram focar-se no comportamento sexual dentro do mesmo sexo e a base da investigação foram amostras de ADN do biobanco genético do Reino Unido, que contém dados de cerca de 500 mil residentes no país para fins científicos. Foram também usadas amostras de pessoas que no passado fizeram testes genéticos através da empresa 23andMe.Inc, uma das plataformas mais conhecidas de testes de ancestralidade e suscetibilidade genética a doenças. Para aferir traços comuns no genoma foram consideradas pessoas que tenham tido pelo menos um parceiro do mesmo sexo. Neste sentido, os autores admitem que entre as limitações do trabalho está o facto de estarem em causa comportamentos declarados pelas pessoas, que nas plataformas usadas como base não são obrigadas a expressar a sua orientação sexual, o que restringe o universo estudado. Por outro lado, o estudo incidiu apenas sobre pessoas com ascendência europeia e teve por base o sexo atribuído à nascença.

Marcadores genéticos ligados à biologia da calvície e do olfacto Na explicação dos resultados, a equipa adianta que os cinco marcadores genéticos encontrados terão efeitos modestos na predisposição para uma pessoa se sentir atraída pelo mesmo sexo, não havendo assim um determinante genético único que explique a atração pelo mesmo sexo, numa referência ao longo debate em torno dos genes da homossexualidade. Ainda assim, resultam do trabalho algumas pistas do papel que podem ter estas variantes genéticas em termos de biologia, reconhecem os investigadores.

“Muitas vezes é difícil dizer como um marcador genético se liga à biologia real de uma determinada característica. Essa pode ser uma das tarefas mais desafiadoras da genética humana”, lê-se no site do projeto. “Encontrámos duas ligações interessantes. Um dos marcadores que identificámos também está associado à calvície, o que sugere que a regulação das hormonas sexuais (a queda de cabelo está associada à produção de testosterona) pode estar envolvida na biologia do comportamento sexual do mesmo sexo”. 

A outra está relacionada com o olfato, dizem os investigadores. “Isto é interessante porque, embora os odores sejam interessantes para a atração sexual, ainda não entendemos como podem estar relacionados com o comportamento sexual e portanto esta descoberta dá aos cientistas um ponto de partida para trabalho de seguimento”. A equipa, que junta investigadores norte-americanos e de diferentes instituições europeias, de Cambridge, no Reino Unido, ao Instituto Karolinska, na Suécia, explica ainda que foi encontrada uma arquitetura complexa que sugere, por exemplo, que pode ser uma simplificação excessiva assumir que quanto mais uma pessoa se sente atraída pelo menos sexo, menos se sente atraída pelo sexo oposto. 

Quanto às diferenças entre sexos, os autores concluem que 40% das influências genéticas encontradas são partilhadas por ambos os sexos, com 60% específicas para cada um. Sublinham que isto é algo de relevo porque geralmente as diferenças entre homens e mulheres em características comuns são geralmente maiores. Por fim, os autores dizem que as variações genéticas que encontraram coincidem com diferentes características estudadas até hoje, incluindo uma maior abertura à experiência e comportamentos de risco, mas também comportamentos relacionados com saúde como o tabagismo e o consumo de canábis e de com o risco para algumas condições psiquiátricas como esquizofrenia, doença bipolar e depressão major. 

Apesar de considerarem a ligação interessante no sentido em que poderá ajudar a comunidade científica a explorar novas hipóteses, defendem que é preciso cautela nas interpretações e que os fatores sociais deverão fazer parte da educação. “Existem razões pelas quais o comportamento homossexual e estas outras características poderem partilhar marcadores genéticos, como características que levam a outras. Por exemplo um membro da comunidade LGBTQ pode sofrer preconceito e discriminação com base na sua orientação e comportamento sexual, o que aumentaria o seu risco de depressão. Neste caso, o que pode parecer uma associação genética seria na realidade uma associação motivada pelo ambiente”.

* MARTA F. REIS29/08/2019 19:36
Fonte: Jornal i

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