Contributos para um novo paradigma na saúde (I)
A
cultura dos sistemas de saúde, predominante nos nossos tempos, tem respondido
de forma permanente e em primeira linha à doença (num grande esforço
financeiro, de recursos e de formação), deixando a saúde num lugar secundário e
de muito menor investimento. Este não é o caminho certo.
José Carlos Rodrigues Gomes * |
Problemas
como o envelhecimento da população, o aumento exponencial das doenças crónicas
e os quase 30 % de Europeus que se confrontam, neste momento, com um distúrbio
mental e do comportamento. Ou ainda, a crescente urbanização da população e os
desafios de uma organização económica competitiva e esta crise socioeconómica
que afeta o espaço europeu, e muito em particular, Portugal.
Estas
realidades têm um impacto significativo nas organizações de saúde, onde os
enfermeiros têm um papel central e insubstituível. Podemos dispor de todas as
últimas tecnologias e terapêuticas disponíveis - mesmo as que não trazem valor
acrescido á população -, os extintores á altura certa para garantir a
acreditação da instituição, mas sem os enfermeiros, sem estas pessoas que têm
corpo e que têm alma, devidamente motivados e envolvidos, devidamente
reconhecidos, nunca teremos os serviços de saúde que precisamos e que
ambicionamos.
O
futuro trará, necessariamente, o foco na prestação de cuidados de saúde nos
domicílios e nas comunidades prevenindo internamentos desnecessários e
demasiado onerosos para o erário público. Este desafio exige enfermeiros em
número adequado e com os conhecimentos, as competências, a confiança, a
liberdade, e o reconhecimento necessários para trabalharem sozinhos e assumirem
uma função proactiva na adaptação da prestação de cuidados de saúde às
necessidades das pessoas, das famílias e das comunidades. Trata-se, tão só, de
garantir a qualidade dos cuidados de saúde prestados à pessoa e às comunidades.
A
necessidade de recentrar o cidadão no sistema, incluir no sistema de saúde uma
vertente salutogénica que promova a capacitação do cidadão e das comunidades e
que não desperdice inúmeros recursos para a resposta a vontades que não
ultrapassam o enquadramento corporativo, são um dos maiores desafios que
enfrentamos enquanto portugueses. O desenvolvimento de novos indicadores de
saúde, centrados nos ganhos em saúde e não no ato; centrados no cidadão;
baseados nos ganhos para a comunidade e não para a instituição ou interesse
corporativo; direcionado para a promoção da saúde e não apenas para uma
resposta reativa á doença, é igualmente um desiderato a que não podemos ser
alheios.
Nesta
resposta interessa que a comunidade possa usufruir das imensas competências dos
enfermeiros, frequentemente menosprezadas pelo poder político e pelas
administrações das instituições de saúde, vistas, nalguns casos - de forma
preconceituosa e redutora - como uma despesa e não como um investimento. Portugal,
enquanto país e economia que quer e precisa de crescer, não se pode dar ao luxo
de desperdiçar um corpo de conhecimentos na sua estrutura de enfermagem de
elevadíssima qualidade, com muitas e variadas competências – de cuidados
gerais, especializadas e acrescidas - que são, indubitavelmente, um importante
contributo para a melhoria do nível de saúde das populações, se houver ousadia
para as utilizar.
Desde
a gestão política e estratégica ao cuidado prestado no domicílio em qualquer
aldeia mais isolada, o país tem o direito, e o dever, de colocar ao dispor da
população as competências dos enfermeiros e de garantir o contributo que estes
sabem dar para o sistema de saúde. Desta forma, estará a trabalhar com as
pessoas, e não para as pessoas, na construção da saúde de todos e de cada um,
num reforço e no respeito do maior sucesso português do pós 25 de abril: o
Serviço Nacional de Saúde.
*Enfermeiro;
Doutor em saúde pública
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