sábado, 26 de agosto de 2017

Macroscópio – Meu querido mês de Agosto que estás quase a acabar

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Não vão ao engano. O “meu querido mês de Agosto” ainda não foi o mês de férias do Macroscópio, mas não tarda muito que lugares com a praia que abre esta newsletter aguardem este autor – por enquanto deixo-vos com estas imagens que vou deixando no meu Instagram (foto acima, conta @jmf1957) e com mais uma selecção de textos típica de uma sexta-feira. Isto é, uma miscelânea de temáticas que apenas procura deixar-vos algumas sugestões de boas leituras, hoje por hoje relativamente distantes da actualidade mas apenas q.b. (até porque Donald Trump nunca nos dá descanso).
 
Começo por três textos do Observador, três especiais que podem ter passado despercebidos mas que escolhi destacar entre os vários trabalhos de fundo e grandes reportagens desta semana. São eles:
  • A vítima de Pedrógão que não pode dar o nome ao filho, de Cátia Bruno, uma daquelas reportagens que nos mostra como podemos ser sempre surpreendidos pelo lado mais negro da burocracia estatal. A repórter voltou a Pedrógão Grande, dois meses depois da tragédia, procurando conhecer o destino dos que, não tendo morrido, tinham ficado gravemente feridos. E descobriu, entre outras histórias, a de Patrícia Santos, cujo companheiro continua internado em Espanha, mas que entretanto teve o filho que ambos esperavam. O que lhe aconteceu foi kafkiano: “Na hora de registar Pedro, Patrícia deparou-se com a informação de que o bebé não podia ter o nome do pai. Ainda na cama da maternidade, com o bebé ao lado e Carlos a quilómetros de distância a receber o primeiro enxerto de pele, foi informada de que, como não era casada e o pai da criança não estava presente, Pedro só poderia ter os apelidos da mãe”. Mais, como ela testemunhou: "Disseram-me que podia pôr-lhe outro apelido meu e depois alterar, mas para quê? Eu não quero que ele tenha dois apelidos meus, quero que ele tenha o apelido do pai dele”. Quer, mas não pode. Tem de ir agora a tribunal. Com o seu companheiro ainda no hospital. Lê-se e não se acredita.
  • Os jesuítas e São Fiel: a história de um colégio traído (e agora ardido), de Carlos Maria Bobone, parte também de uma outra tragédia relativa aos incêndios – a destruição do antigo Colégio de São Fiel, nas faldas da Serra da Gardunha – para recordar o papel que os jesuítas tiveram (e têm) no nosso sistema educativo, e como sempre que foram perseguidos foi o país que ficou a perder. É que “A inesperada vocação professoral dos Inácios marcou toda a História do Ocidente. Basta o nosso exemplo: só nos anos 30 do século passado é que voltou a haver igual número de alunos nas escolas ao que havia antes da expulsão Pombalina, foi no Colégio jesuítico de Santo Antão que funcionou por mais de um século a Aula da Esfera — viveiro matemático dos cálculos que tanto serviram e resultaram dos nossos descobrimentos — e foi nos seus colégios modernos, de Campolide ao S. João de Brito, que se educou uma boa parte dos protagonistas dos últimos séculos”. De resto, “O contributo do Colégio de São Fiel para a História da Ciência em Portugal é inestimável e não apenas pela qualidade dos professores. O zelo na educação científica era tal que Carlos Zimmermann introduzia, no princípio do século XX, o uso do microscópio nas suas aulas e, caso ainda mais singular, aquando do eclipse solar de 1905, os Jesuítas levaram alunos seus (de 13 e 16 anos!) a Burgos para, no meio de comissões de Astrónomos Internacionais, observarem os eclipses.”
  • Génio, machista ou petista. Quem é Chico Buarque em 2017?, de Luís Freitas Branco, é uma introdução à polémica em torno do último disco do cantor brasileiro e da letra supostamente machista de uma das suas canções, algo que reza assim: “Quando teu coração suplicar/ Ou quando teu capricho exigir/ Largo mulher e filhos/ E de joelhos/ Vou te seguir”. Como se explica depois, “Estes versos do single “Tua Cantiga”, primeira amostra do próximo álbum Caravanas (que tem edição marcada para dia 25), colocaram o escritor de “Construção” numa posição incomum, alvo de críticas de machismo e de letrista ultrapassado. “Acho que foi a primeira vez na vida que vi mulheres fazendo restrições a Chico Buarque”, escreveu o jornalista Luciano Trigo no G1, “Chico parece preso a uma visão da mulher – e da relação homem-mulher – dos anos 70 do século passado. Para as mulheres lacradoras com menos de 30 anos, essa ladainha de promessas e súplicas não diz mais nada: elas não querem um homem que largue mulher e filhos”. O politicamente correcto é isto, mas não estro hoje por aí apesar dos vários texros que o Observador publicou sobre o tema. Digo-vos apenas que quem já ouviu o novo disco do Chico, gostou: É malandro? Chico Buarque continua é genial, escreve o mesmo Luís Freitas Branco na sua crítica de música. Não me custa a crer.
 

Como avisei logo de entrada, o inquilino da Casa Branca não nos dá grande descanso, e os Estados Unidos também não. Por isso mesmo deixo-vos aqui mais quatro textos, dois sobre as circunstâncias da saída de Steve Bannon da Administração Trump e mais outros dois sobre o clima político híper-polarizado dos Estados Unidos:
  • Steve Bannon, Unrepentant, de Robert Kuttner na revista (de esquerda) The American Prospect é a transcrição da conversa entre este editor e editorialista e o ex-conselheiro do Presidente, uma conversa cuja publicação terá precipitado a demissão de Bannon. Vale a pena ler para conhecer melhor o pensamento daquele que muitos consideram ter sido o verdadeiro arquitecto da eleição de Trump, sendo que a passagem fatal para a sua continuação na Casa Branca terá sido a seguinte: “Contrary to Trump’s threat of fire and fury, Bannon said: “There’s no military solution [to North Korea’s nuclear threats], forget it. Until somebody solves the part of the equation that shows me that ten million people in Seoul don’t die in the first 30 minutes from conventional weapons, I don’t know what you’re talking about, there’s no military solution here, they got us.”
  • The thanks of a grateful world go with Steve Bannon, de David P. Goldman no Asian Times, é o texto de alguém que admira Bannon, aplaude a forma como tratou de forma realista a escalada de tensão com a Coreia do Norte e até acha que o estratega político servirá melhor o país fora da Casa Branca. Um texto revelador: “His departure is a loss for the Trump Administration, but not necessarily for the country. As he told associates over the weekend, he had influence at the White House, but as executive chairman of Breitbart News, he has power. A hostile press portrays Bannon as a bomb-thrower. His Parthian shot last week, on the contrary, qualifies him as the most level-headed realist in the Administration, and the only one with the guts to stand up to the president.”
  • A Deal Breaker for Trump’s Supporters? Nope. Not This Time, Either. é uma bela reportagem do New York Times que parece mostrar que, depois da surpresa Trump, a grande imprensa compreendeu que não pode ignorar os que pensam de outra forma, a América que não alinha com o pensamento dominante nos órgãos de informação. Por isso mesmo foram ver o que pensão os eleitores de Trump do que todos descrevem como os desastres da sua Presidência, e constataram que estes não olham para a o que se está a passar da mesma forma. A repórter do Times falou, por exemplo, com Parson Hicks (na foto abaixo), uma republicana negra da classe média, de 35 anos, o tipo de eleitor (e de mulher, e de afro-americana) que deveria ter ficado horrorizada com os incidentes de Charlottesville, mas que não ficou – pelo contrário, ficou horrorizada com o que define como sendo “distorções da imprensa” e não só: “Moral outrage at Mr. Trump’s response to Charlottesville continues to glow white hot, but it has a largely partisan tinge. From Ms. Hicks’s perspective, the president simply pointed out a fact: Leftists bore some responsibility for the violence, too. Of course, Nazis and white supremacists are bad, she said. But she does not believe Mr. Trump has any affinity for them. He said so himself. But she is exasperated that a significant part of the country seems to think otherwise. The week’s frenzied headlines read to her like bulletins from another planet. “I feel like I am in a bizarro universe where no one but me is thinking logically,” she said. “We have gone so off the rails of what this conversation is about.”
  • The Rise of the Violent Left, Peter Beinart na The Atlantic, é uma análise que, de alguma forma, corrobora este sentimento. O jornalista escreve sobre um grupo de activistas conhecidos por “antifa”, de antifascistas, que já chegaram ao ponto de impedir a realização de concentrações de republicanos mainstream, para defender que a forma como estão a combater os autoritários da direita acaba por lhes dar ainda mais gás: “Antifa believes it is pursuing the opposite of authoritarianism. Many of its activists oppose the very notion of a centralized state. But in the name of protecting the vulnerable, antifascists have granted themselves the authority to decide which Americans may publicly assemble and which may not. That authority rests on no democratic foundation. Unlike the politicians they revile, the men and women of antifa cannot be voted out of office. Generally, they don’t even disclose their names.”
 
Caminhando já para o fim, três textos quase intemporais mas que ou me tocaram, ou propõem abordagens que me pareceram interessantes:
  • Why Friedrich Nietzsche Is the Darling of the Far Left and the Far Right, Guy Elgat, a primeira de duas peças da revista judaica The Tablet que me chamaram a atenção. Julgo que neste caso o título diz quase tudo. Este extracto faz-nos pensar: “The secret of Nietzsche’s appeal to people from opposite ends of the political spectrum is thus revealed: To the radical right, it is his rejection of equality and the democratic ideas that are based on it that is scintillating and rings true (besides his often and—as I have argued—misunderstood flirtations with the concept of race); to the left, it is his anti-essentialism with its emphasis on the plastic nature of identity that promises liberation from societal oppression. But, as it is typical in politics, the catch is that each side, to maintain its political ideology, has to reject the other’s Nietzscheanism: The radical right cannot easily accept the idea that identity, including racial identity, is dynamic and malleable, and the left, in order to promote its progressive agenda in the democratic public forum, cannot easily give up on the idea of the moral equality of all.”
  • I’d like to become a bird’, de Hannah Pressman também na The Tablet, é um testemunho pessoal que me chamou a atenção sobretudo por nos trazer recordações das comunidades judaicas que viviam no chama Levante (neste caso na ilha de Rhodes, hoje parte da Grécia, na época integrada na Itália) onde se falava e escrevia em Ladino, uma forma de português antigo, ou de castelhano antigo, restos de uma época em que as duas línguas ainda não se tinham separado de forma tão clara. Neste caso é uma história que recorda essa forma de falar e escrever dos judeus sefarditas mas também nos conta como tantos deles se deixaram aprisionar na teia que um dia os cercaria, prenderia, colocaria em vagões e levaria para as câmaras de gás de Auschwitz. Gosto de ler este quase-português: “Si cheria escrevir todo querida Mari cheria chi encera un journal, Rivca wrote. “If I wanted to write down everything, dear Marie, I would need a whole journal.” Rivca’s letters record the moment just before the arc of history bent toward shadow and destruction for the Jews of Rhodes. Even with the anti-Jewish laws and the war intensifying on mainland Europe, life on Rhodes was proceeding somewhat normally.”
  • The Triumph of Inequality, de novo de David P. Goldman, é uma reflexão muito interessante sobre a forma como as tecnologias criam novas formas de desigualdade, mesmo onde menos se espera (se bem que o texto também seja muito acutilante na análise que faz dos Estados Unidos): “Inequality is spreading into the furthest corners of the world economy. In remote villages where everyone farmed the same kind of subsistence plot or sat in the same kind of market stall, mobile broadband allows the cleverest person in the village to access the global market through platforms like Alibaba. The grim equality of rural life will disappear; the talented few will gain access to markets and capital and get rich by hiring their neighbors.”
 

Sem spoilers, termino por hoje regressando a Game of Thrones, de que se aguarda ansiosamente o último episódio desta temporada (sobretudo depois da forma como terminou o episódio desta semana...), um Game of Thrones que talvez motive ainda um Macroscópio antes das mericidas férias desta newsletter, mas que neste texto é abordado de uma forma absolutamente original: olhando para os mapas imaginários de continentes que não existem, algo que também nos remete para a forma como olhámos para os mapas da acção de Lord of the Rings (e, imagino, para os mapas que tão úteis são em férias de descoberta...). Em Here at the End of All Things fala-se de “On losing oneself in the geography of fantasy worlds, from Middle Earth to Westeros”. Pequeno aperetivo de um texto que por certo vos entreterá:
If fantasy maps address the armchair traveller in all of us, then the lands not found on them address something that we all sense but that can get lost in tourism: there are trips that you take and cease being you. Frodo’s departure from Middle Earth is both a physical trip and a death. Pushing off from a fantasy continent towards the left-hand edge of the map means acknowledging there are more metaphysical voyages on which maps won’t guide you. In the end, the impossibly snaky rivers, the misbehaving mountains, and the unpronounceable names are not the most important part of the fantasy map. That honor belongs to the place where, as Arya says, “all the maps stop.”
 
É tarde nesta sexta-feira que nunca mais acaba, a semana foi longa, Agosto está mesmo quase no fim, pelo que este Macroscópio é que, por hoje, fica mesmo por aqui. Com um desejo de um bom fim-de-semana a todos.
 
 
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