segunda-feira, 10 de abril de 2017

Macroscópio – O significado do ataque de Domingo de Ramos. E a nossa indiferença.

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Domingo de manhã fomos surpreendidos pela notícia de dois atentados – isso: mais dois atentados – contra a comunidade cristã egípcia. No Domingo de Ramos, que antecede a Páscoa. Durante celebrações religiosas. Morreram 47 pessoas – mas demos menos atenção do que a Estocolmo. Muito menos do que a Londres. E mesmo nestes casos será que demos a atenção devida? Ou todo este horror já se tornou uma rotina?
 
Isso mesmo defendeu hoje, no Observador, Helena Matos num texto que se chama precisamente Rotina. O seu ponto de partida foi a invisibilidade total do assassinato de uma judia francesa, Lucie Sarah Halimi. Mais: “Enquanto escrevo vão chegando notícias de atentados contra cristãos no Egipto. O atentado da Suécia já saiu dos títulos. Entretanto na Noruega desmontam-se engenhos explosivos. Já não há velas, nem flores, nem lágrimas. Entrou na rotina.” Pior: “O desinteresse com que as redacções europeias começaram por olhar para as agressões aos judeus em França transferiu-se em seguida para a Suécia: os ataques aos judeus em Malmo foram um dos primeiros sinais de que no paraíso oficial da multiculturalidade algo estava correr muito mal. Depois veio a fase da negação. Agora temos uma fé: acredita-se que os factos não ocorrem se não os referirmos. Mas por mais que isso nos custe a admitir os judeus partem porque os fundamentalistas já estão aqui. E estão a mudar o nosso modo de vida.”
 
Esta investigadora centrou-se, neste seu artigo, sobretudo no que se passa com as cada vez mais numerosas agressões aos judeus franceses, mas sobretudo o que a preocupa é a indiferença da rotina. Mas não é a única a queixar-se da invisibilidade de certos em muitas comunicação social. John L. Allen Jr., num texto que escreveu para a Spectator (de onde é também a ilustração desta newsletter) a propósito do que se passou no Egipto – Today’s attack in Egypt is the latest strike in the war on Christians in the Middle East – é também muito directo: “Imagine if correspondents in late 1944 had reported the Battle of the Bulge [Batalha das Ardenas], but without explaining that it was a turning point in the second world war. Or what if finance reporters had told the story of the AIG meltdown in 2008 without adding that it raised questions about derivatives and sub-prime mortgages that could augur a vast financial implosion? Most people would say that journalists had failed to provide the proper context to understand the news. Yet that’s routinely what media outlets do when it comes to outbreaks of anti-Christian persecution around the world, which is why the global war on Christians remains the greatest story never told of the early 21st century.
 
Consultando o site da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre percebe-se que John L. Allen Jr. tem, no mínimo, um argumento poderoso. Por exemplo: quantos sabem, por terem visto na televisão, por exemplo, que, como se escreve numa notícia naquele site, “Estes atentados contra os cristãos coptas são bem demonstrativos de como tem aumentado a violência extremista contra esta comunidade, especialmente desde 2013, quando os militares derrubaram o presidente eleito. Desde então, os partidários de Mohammed Morsi, líder da Irmandade Muçulmana, culparam os cristãos, acusando-os de apoiarem o golpe de estado. Em Dezembro do ano passado, 25 pessoas morreram quando uma bomba explodiu na catedral copta no Cairo durante uma celebração religiosa, e em Fevereiro militantes extremistas anunciaram que se iriam realizar mais ataques contra os coptas, que representam apenas cerca de 10% da população do Egipto.”?
 
Por coincidência, ou talvez não, o padre jesuíta Miguel Almeida, que tem colaborado com o Observador, enviou-nos hoje uma crónica onde relata a experiência que está a viver no Líbano, onde actualmente se encontra: A minha estrada de Damasco. Nele relata não apenas o sofrimento de que foi testemunha – “Lastimosamente, nota-se que as pessoas se acostumaram a viver numa zona de conflitos brutais e intermináveis. Habituaram-se ao sofrimento. Sim, muito sofrimento. No nosso canto ocidental da Europa, não imaginamos como a morte violenta e injusta faz parte da vida quotidiana nesta parte do mundo.” – como a intensidade da sua experiência: “As famílias sírias que, mesmo à beira da estrada de Damasco, me convidavam a tomar chá nas tendas do campo de refugiados, descalços e sentados no chão, e que me recebiam com uma dignidade ímpar: não são elas uma voz a gritar-me aos ouvidos? Não é esta precisamente a mesma voz que Saulo ouviu? As crianças destas famílias que me receberam na escola gerida pelo Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), tentando dizer no seu melhor inglês “welcome”: não são elas uma visão explosiva de Cristo que me convida a cair por terra como Saulo de Tarso?


Voltando aos atentados no Egipto, e ao seu significado, devo referir a análise de Damian Thompson, de novo na Spectator, para quem Egypt’s Palm Sunday massacre is an attack on Christianity: “The murderers of Christians in the Middle East, Africa, the Indian subcontinent and Europe are divided by sectarian squabbles over Islamic hegemony. They disagree, too, about the degree of persecution to which local Christians should be subjected. But the impulse to wipe them from the face of the earth is growing stronger, and Muslim fanatics are delighted that the extinction of Christianity from its ancient heartlands is tantalisingly close to happening.”
 
Já várias vezes referimos no Mascroscópio que um dos palcos mais dramáticos destas perseguições é precisamente a Síria – recordo, por exemplo, a entrevista à irmã Guadalupe – Guerra na Síria. Entrevista à freira que escapou várias vezes da morte “por minutos” – e que é sempre interessante revisitar, mas um dos pontos centrais em todo o drama sírio é que nenhuma das facções que protagonizam a guerra civil parece, neste momento, estar à altura de criar um nação tolerante e aberta, da mesma forma que nenhuma parece ter sequer força suficiente para ganhar a guerra. Desse ponto de vista, e para compreender melhor o que se passa no terreno, recomendo um texto escrito ainda antes dos ataques com armas químicas (é de 20 de Fevereiro deste ano) mas que faz uma boa análise dos avanços e recuos das diferentes forças políticas e militares. Refiro-me a Syria’s Balance of Terror, de Omar Ashour no Project Syndicate. Como ele conta, The weaknesses, splits, and fatigue of all local forces (both remnants of the regime and the opposition factions) may give regional powers like Russia, Turkey, and Iran more leverage in pushing for a sustainable ceasefire in Syria. But I am skeptical. In a war with endlessly shifting priorities, conflicting aims, few credible commitments, and plenty of foreign meddling, any ceasefire today is just as likely to be broken by violence tomorrow.”
 
Esta volúvel situação faz com que, mesmo tendo olhado para dezenas de análises sobre a acção militar ordenada pelo Presidente Trump sinta que poucos se arriscam a, primeiro, criticá-la abertamente (afinal Trump fez o que Obama não tinha feito quando Assad cruzou a “linha vermelha” da utilização de armas químicas), com excepção dos que criticam sempre os Estados Unidos, como nota João Carlos Espada em O regresso do Ocidente?; são também poucos os que conseguem ver nela uma linha de acção coerente para a Síria, até porque os sinais enviados pela Casa Branca foram contraditórios ao longo das últimas semanas; Finalmente grande parte das análises refugia-se numa desconfiança radical relativamente ao Presidente dos Estados Unidos para assim evitar o aplauso que uma acção com a da semana passada teria suscitado noutras circunstâncias. Um bom exemplo desse tipo de abordagem é a de Roland Nelles, editorialista da alemã Spiegel, que em Trump's Foreign Policy Game escreve que “It could turn out that Donald Trump's decision to bomb Syria was the right one. But thus far, he has no clear policy and there are several risks to his approach. One of them is the president himself.”
 
Antes de terminar, duas referências a dois textos mais substantivos, ambos anteriores aos atentados do Domingo de Ramos, mas ambos contendo interessantes reflexões sobre a forma como devemos lidar com o Islão radical. O primeiro é de Daniel Johnson, tem como ponto de partida o atentado de Westminster, e saiu na Standpoint: Not Tweets And Anger But Redoubled Vigilance. Eis um dos argumentos que desenvolve: “Here in Britain, we must not allow the separation of mosque and state to become blurred by the replacement of the secular law by Sharia. Mrs May, echoing her predecessors, told Parliament that Islamism is a “warped perversion” of Islam. Yet across much of the Muslim world, including many communities in the West, there is broad support for “Islamism” — political Islam — if not for violent jihad. It is vital that the battle of ideas is taken seriously in our universities, think tanks and media, so that distortions of history and current affairs are refuted immediately. We need academics to defend our civilisation.”


O segundo é uma entrevista co Ayaan Hirsi Ali, Islam’s Most Eloquent Apostate, publicada no Wall Street Journal (paywall). Nela se defende que “The West’s obsession with ‘terror’ has been a mistake, she argues. Dawa, the ideology behind it, is a broader threat”. Realizada por Tunku Varadarajan, começa por recordar como é difícil e perigosa a vida desta somali que fugiu para a Holanda, aí deu nas vistas por ter renunciado ao Islão e ter denunciado aquilo a que chama “Dawa”, antes de ter de fugir de novo, agora para os Estados Unidos: The woman sitting opposite me, dressed in a charcoal pantsuit and a duck-egg-blue turtleneck, can’t go anywhere, at any time of day, without a bodyguard. She is soft-spoken and irrepressibly sane, but also—in the eyes of those who would rather cut her throat than listen to what she says—the most dangerous foe of Islamist extremism in the Western world. We are in a secure room at a sprawling university, but the queasiness in my chest takes a while to go away.”
 
E por hoje é tudo. Talvez não a melhor forma de entrar naquela que, para os cristãos, é a Semana Santa (o que significa que tem um significado especial para a maioria dos portugueses, algo que Isabel Stilwell . no Jornal de Negócios, recorda bem a propósito num texto indispensável sobre os excessos do nosso “laicismo” oficial – E se for a Missa de Bach, já pode?), mas a forma necessário.
 
Tenham bom descanso e boas leituras.
 
 
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