segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Macroscópio – O destino da Alemanha que faz que anda, ou talvez nem por isso.

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Foi uma decisão tomada por curta margem, apenas 83 votos, mas os suficientes para aprovar a continuação das negociações entre os sociais-democratas alemães, o SPD, e a CDU/CSU de Angela Merkel. O partido de Martin Schulz preferiu ficar dentro do governo em mais uma “grande coligação” do que passar à oposição, mas a sensação na Alemanha é que esta será uma coligação de líderes enfraquecidos, um governo que se arrisca a nascer cansado.
 
Hoje a leitura da imprensa alemã chegou a ser muito dura, como se pode verificar neste apanhado feito pelo Politico e que destaca o título do diário berlinense Die Tageszeitung: ‘Merkel remains SPD chief’. Um título acompanhado de uma ilustração cruel, a que reproduzimos acima. Mas se esta era a leitura mais à esquerda, nos sectores mais liberais também não se viu qualquer chama no congresso do SPD. Na newsletter em Alemão do diário económico Handelsblatt, Social Democrats Knocking on the Wrong Door, escrevia-se cruamente que “The clique of SPD officials doesn’t want to be bothered with people’s fears of social exclusion or dreams of social advancement. They don’t want to reform Germany; they want to narcotize it”. Tudo isto sob a direcção de um líder que é tudo menos inspirador: “SPD leader Martin Schulz wasn’t able to keep up. He seemed paralyzed, speaking in clichés – and the SPD as a whole noticed it for the first time. Schulz delivered words, but no meaning.”
 
relato da correspondente do Le Monde afinou pelo mesmo diapasão: “Dans ce qui était sans doute le discours le plus important de sa carrière politique, il n’a su apporter ni la perspective d’avenir ni l’étoffe historique qui auraient pu emporter le cœur des militants. Ces derniers n’ont livré que des applaudissements polis, voire franchement réservés”. Não surpreende por isso que já hoje a Spiegel desse conta das novas dificuldade que Martin Schulz terá de enfrentar quando parte para as negociações com um mandato tão fraco, escrevendo (texto em alemão) que o seu poder está a desmoronar-se.
 
Como chegámos aqui? Para quem não se recorda a CDU está a negociar com o SPD depois de não ter conseguido formar uma coligação tri-partida com os verdes e os liberaise num quadro em que ambos os partidos saíram enfraquecidos de uma eleição (ocorrida no já longínquo mês de Setembro) em que tiveram os seus piores resultados em muitas décadas. Mesmo assim, em Dezembro, avançou-se para um laborioso processo de aproximação de posições, processo cujos bastidores a Spiegel deste sábado descrevia com muito detalhe em Distrust and Anger Inside Germany's Rocky Coalition Talks. O ambiente esteve sempre muito carregado, sendo que além das dificuldades do SPD a revista também sublinha que “Angela Merkel's own weakness is more apparent than ever”.

 
Já a The Economist elencava, ainda antes do congresso do SPD, os argumentos a favor e contra o “sim” a uma coligação com a CDS – The cases for and against a new grand coalition in Germany – deixando no fim uma referência ao que podia (continuará a poder?) ser um congresso histórico: “It happens that the venue of the conference, in a southern suburb of the old West German capital, is within walking distance of Bad Godesberg. It was here, in 1959, that the SPD abandoned its old Marxist theories and embraced reform capitalism. This turning point paved the way to the election of Willy Brandt (...) as the federal republic’s first SPD chancellor a decade later. To listen to some in the party, Sunday’s meeting could be almost as fateful; another turning point in the party’s history at which its identity and purpose hang in the balance.”
 
Willy Brandt é de resto evocado em vários textos e análises, citado sempre como contrastando com o cinzentismo da actual liderança do SPD. Acontece porém que o problema não está apenas do lado dos sociais-democratas, como já referi – está também do lado de Markel. O ocaso da chanceler é, de resto, tema comum a muitas análises, como a do editor do Handelsblatt, Andreas Kluth, que em Angela Merkel’s endgame and the best option for Germanyrecorda que Merkel pode estar a viver dias de eternização no poder que ela própria disse no passado que não queria viver: “In the late 1990s, before she became German chancellor, Angela Merkel mused in an interview how important it was for people in power to find the right time to exit. “I do not want to be a half-dead wreck when I leave politics,” she said. She had in mind Helmut Kohl (...) Now it is Ms. Merkel whose departure is drawing nigh.” Kluth não tem de resto dúvidas: “No matter whether talks with the SPD to form another “grand coalition” fail or succeed, Chancellor Angela Merkel is nearing the end of her power and knows it.”

Matthew Karnitschnig, do Politico, foi menos directo em The end of Angela Merkel, and German politics as we know it, mas colocou o dedo na ferida ao olhar não apenas para a Alemanha mas também para o resto da Europa: “For all the hopes vested in Emmanuel Macron, he’s only half the equation. Without Merkel on the other side of the table, his lofty plans for European reform will go nowhere. And if Merkel’s Christian Democrats move to the right, following the example set by Austria’s Sebastian Kurz as some anticipate, all bets on Europe are off.”
 
Sendo assim, e apesar de nessa mesma Europa muitos terem respirado de alívio ou mesmo batido palmas ao “sim” do SPD à continuação das negociações para uma nova grande coligação – caso do nosso primeiro-ministro, que até escreveu um artigo num jornal regional alemão –, a verdade é que são muitas as dúvidas que esta solução levanta. Dúvidas ou mesmo oposição declarada. Na Spectator, por exemplo, em Is Angela Merkel finally closing in on a fourth term?, lamentava-se mesmo que as tradições políticas alemãs não favorecessem soluções minoritárias de Governo: “Germany’s horrific past has made Germans risk averse, even at the cost of stasis. That’s why Merkel has been able to hang on, and on, and on, against all political logic (Germany has had only eight leaders since the war). ‘Eine Neue Zeit Braucht Eine Neue Politik’ (New Times Need New Politics) was the slogan for the SPD’s Sunday summit. Germans thought they’d voted for something new in September, but it looks increasingly likely that they’ll end up with more of the same.”
 
A ideia de um governo minoritário foi também defendida por Helmut K. Anheier, presidente e professor de Sociologia na Hertie School of Governance de Berlim, num artigo do Project Syndicate intitulado While Germany Slept, onde sublinhou que “Many Germans may prefer the modesty and incrementalism that have characterized Angela Merkel’s past chancellorships. But a minority government forced to muster coalitions of the willing to address the critical issues confronting Germany and Europe could escape the constraints of such expectations, enabling much-needed reform.”
 
Klaus Geiger, editor de Internacional do Die Welt, foi ainda mais longe e defendeu no El Pais, em Europa espera a Merkel, que “La canciller alemana no es la más indicada para los desafíos actuales después de su gestión de los último años”. É uma posição que justifica assim: “Para que cicatricen las heridas abiertas en la última década, Merkel no es una buena elección. Haría falta un nuevo o una nueva canciller que pudiese resolver libremente los conflictos heredados de ella. Mientras Alemania apueste por una gran coalición personal e ideológicamente desgastada, encabezada por Merkel, eso será imposible. Es necesario —y así sucederá— que otros asuman el liderazgo de la Unión Europea.”

 
Mas talvez o texto que, na minha perspectiva, coloca melhor os problemas que uma solução deste tipo pode criar é o de Daniel Hannan no The Telegraph, Coalition politics has turned European democracy into a beige dictatorship, um texto abertamente contra uma coligação de derrotados: “It is not healthy, in any country, for most of the parties to be in office most of the time. In Germany, the two big parties have shared power for eight of the past 12 years, propping each other up like two exhausted boxers after eight rounds. (...) Supporters of that arrangement call it “consensual” and “moderate” and “secure”. Again, though, these are all synonyms for “more of the same”.” De facto é bom não esquecer que “Last year, Germany’s Christian Democrats suffered their worst result since 1949. The Social Democrats suffered their worst result since 1933. How will it look if the two losers get together to form a government based on all the things that had characterised the old racket – more immigration, deeper European integration, little economic reform, and the dismissal of all opposition as unconscionable populism?
 
Curiosamente, ou talvez não, estes e muitos outros problemas já tinham sido debatidos há quase dois meses no programa que animo com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto, Conversas à Quinta. Em Uma crise política na Alemanha. Sinal de normalidade ou de inquietação? analisam-se as perspectivas de umas negociações que então só se iniciavam, mas estive a ouvi-lo de novo e verifiquei que mantem toda a sua actualidade e pertinência.
 
Como menos foguetes do que alguns deitaram ao saberem da vitória do “sim” no congresso do SPD deste domingo, despeço-me com votos de boas leituras e, claro, um descanso o mais retemperador possível.
 
 
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