sexta-feira, 17 de março de 2023

A crescente e alarmante mortalidade de aves por colisão com linhas elétricas

 Um jornal espanhol divulgou recentemente um estudo realizado pela organização não governamental de ambiente BirdLife segundo o qual, morrem todos os anos em Espanha cerca de 60 milhões de aves devido a atividades humanas, em especial por colisão com linhas elétricas, captura ilegal, eletrocussão e acidentes. Os dados usados neste estudo foram reunidos ao longo de uma década, e obtidos junto dos Centros de Recuperação de Vida Selvagem (CRVS) de toda a Espanha. O número não inclui aves mortas por causas naturais ou caçadas legalmente – cerca de 15 milhões por ano.
Ainda segundo o mesmo estudo, os números agravam todos os anos, e a trajetória de declínio levará a uma rápida extinção de várias espécies. Vale a pena detalhar alguns dados, pela sua oportunidade, pelo evidente paralelismo que se pode presumir com a situação portuguesa,  e pela gravidade do assunto que impõe uma procura de soluções. A colisão contra linhas elétricas surge como a principal causa de ingresso nos CRVS, correspondendo a 31% do total, a que se acrescenta 8% das eletrocussões. Entretanto, a captura ilegal de aves (que inclui o furto de ninhos e a manutenção ilegal de espécimes selvagens em cativeiro), representa mais de 17%. Os acidentes causam 8% da mortalidade, enquanto as colisões com turbinas eólicas não atingem os 4%, um número semelhante às que sucumbem devido ao veneno e ao abatimento ilegal (3%).
Uma das questões em destaque no artigo é a que todos colocamos: por que colidem tantas aves com estes cabos elétricos? Na realidade, basta que o obstáculo não seja muito visível. Os cabos não são sempre visíveis, em especial em dias de nevoeiro, num voo rápido. Segundo os autores, afetam aves grandes e pequenas. Uma prática usada para minimizar os acidentes tem sido a colocação de dispositivos em cabos, como espirais coloridas ou bandas refletoras, sendo que a orientação geral é – quando possível – evitar novas linhas em rotas de passagem de aves, especialmente perto de zonas húmidas, e enterrar as linhas elétricas. Quanto à incidência de turbinas eólicas, os autores do estudo afirmam que não causam grande mortalidade, mas transportam cada vez mais cabos elétricos.
Em conclusão, o estudo assegura que a mortalidade de aves vai aumentar, porque todos os anos há mais linhas, o que causará mais quedas e eletrocussões. Os autores incitam a administração a prestar atenção a um problema cuja mitigação é fundamental para o equilíbrio dos ecossistemas, designadamente com medidas como a perseguição à caça ilegal. A colaboração dos cidadãos também é importante, alertando e notificando as autoridades, e protegendo as aves.  A Agência Europeia de Ambiente publicou recentemente uma avaliação do estado de conservação das aves e tendências a curto prazo nas populações de aves na Europa, sendo evidente a brutal trajetória de declínio na maior parte dos grupos. O relatório assume que menos de metade de todas as espécies de aves têm um bom estatuto populacional na União Europeia. Temos que repensar o que construímos num tempo em que a pressão humana sobre os sistemas vivos era distinta, em que a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas não eram uma preocupação, e preparar o futuro, fazendo o possível pela conservação da biodiversidade em qualquer contexto urbano ou rural, mesmo nas situações de proximidade e coexistência com as comunidades humanas.
 
Helena Freitas
(Professora da Universidade de Coimbra)

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