segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Macroscópio – Oposição a Trump: isto não está fácil

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Esta segunda-feira, já ao final do dia, o speaker do Parlamento britânico – alguém que deveria ter um papel discreto e apenas falar em nome da Casa dos Comuns, nunca em seu nome pessoal – entendeu fazer uma declaração política sobre Donald Trump. E ao mesmo tempo anunciar que, quando visitar o Reino Unido, não deverá ser convidado a discursar no mais antigo parlamento do mundo. Foi de imediato aplaudido por uns e criticado por outros. É necessário reconhecer que os críticos, como os que se expressaram na Spectator, têm pelo menos um argumento muito forte: “This is a quite remarkable slap at the head of a state of an allied nation; remember that the President of China—a one-party, human-rights abusing state—addressed the Royal Gallery less than two years ago.” De facto, será que para John Bercow o “racismo e sexismo” de que acusa Trump são crimes maiores do que os praticados todos os dias pela ditadura chinesa? Se não são, então porquê a dualidade de critérios?
 
Nestes dias de grande exaltação em torno do novo Presidente dos Estados Unidos há uma discussão que começa a ganhar corpo: a de saber qual a melhor forma de se opor à sua agenda. Por isso, em vez de alinhar no Macroscópio de hoje mais textos sobre as suas políticas (só seleccionei um, como verão mais adiante), decidi centrar-me na crítica a um certo tipo de oposição que, sendo muito virulenta, se arrisca a ser também muito inconsequente.
 
Começo por um texto que julgo indispensável e que encontrei no Guardian: Trump is no fascist. He is a champion for the forgotten millions, de John Daniel Davidson. Este autor não tem dúvidas sobre os riscos da Presidência Trump, mas faz questão de destrinçar o trigo do joio no que toca às responsabilidades pela ascensão do populismo: “To be sure, populism of this kind can be dangerous and unpredictable, But it doesn’t arise from nowhere. Only a corrupt political establishment could have provoked a political revolt of this scale. Instead of blaming Trump’s rise on racism or xenophobia, blame it on those who never saw this coming and still don’t understand why so many Americans would rather have Donald Trump in the White House than suffer the rule of their elites.”
 
Acontece porém que, como argumenta John Daniel Davidson, “the crowds of demonstrators share something in common with our political and media elites: they still don’t understand how Trump got elected, or why millions of Americans continue to support him. Even now, recent polls show that more Americans support Trump’s executive order on immigration than oppose it, but you wouldn’t know it based on the media coverage.” Mais adiante defende que continua a existir como que um profundo corte entre elites políticas e mediáticas e aquilo que os eleitores de Trump sentam e pensam, eleitores que descreve com a ajuda do que se passa numa pequena cidade desindustrializada e empobrecida da “contura da ferrugem”, Akron. Em concreto, “If the media and political establishment see Trump’s first couple of weeks in office as a whirlwind of chaos and incompetence, his supporters see an outsider taking on a sclerotic system that needs to be dismantled. That’s precisely what many Americans thought they were doing eight years ago, when they put a freshman senator from Illinois in the White House.”
 
No Expresso Diário, Henrique Raposo argumenta no mesmo sentido  em A ignorância eurocêntrica sobre Trump (texto completo aqui, paywall): “Trump não é fascista ou autocrático no sentido europeu; é apenas um populista da velha tradição sulista do seu próprio país. Como tenho escrito aqui no Expresso Diário, Trump e a grande rebelião do Tea Party representam uma invasão do Partido Republicano pelo antigo e original Partido Democrata. Trump não é conservador, republicano ou federalista, é um “confederado” sulista à imagem de Andrew Jackson, o fundador do Partido Democrata.”
 
Já agora, e para percebermos melhor quem foi esse Andrew Jackson, vale a pena ler A moral da História, de António Pedro Barreiro, um jovem estudante de ciência política que nos recorda no Observador que “Existe um momento no passado da América que nos pode oferecer uma chave-de-leitura sobre a Administração Trump, e na altura o sistema constitucional americano sobreviveu a essa insurgência populista.”
 
Assistimos de resto neste preciso momento a um momento de clarificação nos Estados Unidos, com a Administração Trump a lutar nos tribunais para manter a efectividade da sua ordem executiva, um sinal de que, pelo menos para já, os freios e contrapesos que limitam o poder presidencial na democracia americana estão a funcionar, como de resto notou João Carlos Espada, também no Observador, em A democracia está a funcionar: nos EUA, no Reino Unido e… em Portugal.
 
De resto a capacidade de os Presidentes dos Estados Unidos governarem através de “ordens executivas” é bastante limitada, algo que facilmente constatamos lendo um descodificador do Le Monde, onde se procura responder à questão de Comment M. Trump essaie-t-il d’imposer sa marque par décrets par rapport à ses prédecesseurs? Ora aí notamos que se por um lado emitiu muito mais decretos presidenciais do que Clinton ou GW Bush, fê-lo para já menos vezes do que Obama. Quanto ao primeiro decreto desse mesmo Obama o seu destino não podia ter sido mais inconsequente: “Deux jours après son arrivée à la Maison Blanche, le 22 janvier 2009, Barack Obama avait signé un décret ordonnant la fermeture de la prison de Guantanamo. La mise en pratique n’a pas suivi : huit ans plus tard la base de Guantanamo n’est toujours pas fermée.”
 
Mas regressemos ao debate sobre como fazer oposição a Donald Trump, tema de que também se ocupava hoje o comentador político do Financial Times, Janan Ganesh, em Only a steel-tipped liberalism can defeat the populists. Nele se defendia, por exemplo, que se deve saber separar águas, que por exemplo “Every political commentary has to stipulate that Trumpism is not the same as Britain’s impending exit from the EU, which is not the same as Marine Le Pen’s National Front in France, which is not the same as the rest of the continental far-right. But they elicit the same flavour of response from intellectuals and protesters.” Bem sabemos que não é isso que tem acontecido, com tudo a ser amalgamado no mesmo bolo, o que torna difícil ser efectivo nas críticas.
 
Para vermos como é importante separar o trigo do joio e focarmo-nos mais nos argumentos e não apenas nas “indignações”, escolhi dois textos de dois colunistas que olham para a Europa de forma radicalmente diferente – um é europeísta, porventura federalista, o outro é um eurocéptico anti-euro – e que, mesmo assim, convergiram num ponto: a equipa de Trump tem, na sua opinião, razão nas críticas que faz à política económica da Alemanha. O europeísta é o conhecido Wolfgang Münchau do Financial Times, que referindo-se ao secretário do Comércio da Administração Trump titulou que Navarro has a point when it comes to Germany; e o eurocéptico é Ambrose Evans-Pritchard do Telegraph, que considerou que Trump is right: Germany is running an illegal currency racket. Este último é até bastante mais acutilante na crítica a Berlim: “Germany has a strategic choice to make. It must either face up to the full implications of monetary union -  a fiscal merger, shared debt, a (genuine) banking union, and an internal economic revolution to slash the surplus - or carry out an orderly withdrawal from the euro and revalue so that others can breathe again. What it cannot do is persist with the current racket.”
 
Continuando ainda neste esforço para situar correctamente as críticas às políticas da nova Casa Branca vou regressar à história, e à memória, para recomendar dois textos que ajudam a perceber melhor o que foi, ao longo dos tempos, a política de imigração dos Estados Unidos. O primeiro, publicado na The Atlantic, recorda que First, They Excluded the Irish. Em concreto, “The United States has a long history of denying public support to immigrants. Some policies were put into place not too long ago—Bill Clinton’s 1996 welfare-reform legislation severely restricted immigrants’ access to benefits, as the Post points out. The country also has a long history of denying entry to immigrants who come from poverty, as the historian Hidetaka Hirota writes in his new book, Expelling the Poor. The language of the Trump administration’s alleged new proposal is not a departure from past policies, but a continuation”.
 
Muito interessante também é a leitura de mais um especial de José Carlos Fernandes no Observador, Ainda há americanos na América?, uma longa recapitulação de como aquele país se foi fazendo por camadas e por entre conflitos, tudo com a preocupação de explicar o que é um “americano" e um "imigrante" nos Estados Unidos.
 
A fechar dois textos bem diferentes mas que procuram dar outra elevação ao debate político e às criticas a Trump. Um deles saiu na The Atlantic, escrito por três professores da Universidade de Standford – Abbas Milani, Larry Diamond e Michael Mcfaul – e faz uma crítica muito ordenada e inteligente à ordem executiva que barra a entrada de viajantes provenientes de sete países de maioria muçulmana. Trata-se de A 'City on a Hill' as a Fortress in a Moat e nele se nota que “America is one of several countries witnessing a new wave of rightwing, nativist populism, which claims to have the solutions for fighting Islamist extremism. But the notion that one form of prejudice can defeat another is an illusion. In reality, prejudice and brutality beget more of the same, feeding a vicious cycle.” Mais adiante acrescenta-se que, “In addition to not helping the global fight with terrorism, Trump’s decree also damaged American economic and scientific interests. Dozens of companies, including many high-tech firms, had their employees detained. Won’t some of them be tempted to move to friendlier places, including America’s neighbor to the north?”
 
Já How to stay sane in Trumpworld está escrito num registo mais pessoal, sendo uma bela crónica de Harry Mount na Spectator, onde se propões fornecer “tips for keeping your head when all about are losing theirs”. Eis uma passagem incisiva: “Trump’s campaign was built on manufactured rage — on anger mismanagement, you might call it: being rude about immigrants, threatening to lock up Hillary, demonising the press and mocking individual journalists. It’s a brutally effective technique: hate my enemies — love me. And it worked during the campaign. So they’re doing it again now, with continued attacks on the press, and with the divisive executive order.
 
E assim termina mais um Macroscópio dedicado ao mundo no tempo de Trump, um mundo que temos de compreender para não sermos apenas arrastados pela corrente. Despeço-me por hoje, com os habituais votos de bom descanso e boas leituras. 

 
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