sexta-feira, 11 de março de 2016

Macroscópio – Mais do que estado de graça. Ou o dia inaugural de Marcelo.

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


É caso para dizer que Marcelo Rebelo de Sousa iniciou o seu mandato presidencial mais do que em estado de graça. Seguindo as reacções ao seu primeiro discurso e, depois, às escolhas que fez para marcar o seu dia inaugural, pode-se dizer que está literalmente nas nuvens. Há uma quase total unanimidade na comunicação social, e talvez por isso este Macroscópio resulte um pouco menos variado do que é habitual.

Senão reparem nesta selecção de textos de análise e opinião, que julgo representativa:
  • Helena Garrido, no Jornal de Negócios, talvez tenha sido, em Marcelo, da união que faz a força, a mais entusiasta: “O Presidente conduziu-nos "entre as brumas da memória", levou-nos a quem somos, de onde vimos, a quantas crises vencemos. Nos mais pequenos pormenores. Na prática do que disse na Assembleia, "preferindo os pequenos gestos que aproximam". A sua chegada a pé, o seu discurso, o espreitar pela varanda do Palácio de Belém, a união das religiões na Mesquita, a condecoração ao seu antecessor, Aníbal Cavaco Silva, a ida à Câmara de Lisboa com a presença das crianças. Todo o seu primeiro dia foi simbolicamente um hino ao passado, ao presente e ao futuro.”
  • Graça Franco, na Rádio Renascença, também apreciou o discurso de tomada de posse, como escreve em A posse do Presidente "em exercício". Sendo que viu nele um apelo claro aos consensos que têm faltado na política portuguesa: “Nem na Justiça, nem na Educação, nem na Economia, essa grande maioria necessária à mudança fala neste momento a uma só voz. Esse novo tempo de mudança apenas existia no imaginário de Sampaio da Nóvoa e no subtil desejo de alguns dos seus mais fortes apoiantes. Marcelo sabe muito pragmaticamente que a capacidade de entendimento alargado só pode fazer-se ao centro. Podem convocar-se “as esquerdas” e “as direitas”, mas sem centro o esforço de entendimento será basicamente inútil.”
  • Paulo Tunhas seguiu no Observador, em A estranha vida dos anacronismos, por um caminho ligeiramente diferente, pois preferiu sublinhar o anacronismo da dissidência (ou da simples falta de educação): “Ontem, na tomada de posse de Marcelo, os deputados do PC e do Bloco (…), permaneceram sentados e não aplaudiram (parece que houve uma excepção ou outra) o discurso do novo Presidente. Alguns comentadores notaram a indelicadeza do gesto, uma indelicadeza tão mais inexplicável quanto a jornada foi toda ela marcada por aquele ecumenismo desenvolto em que Marcelo Rebelo de Sousa, para o bem e para o mal, nunca falha. Mas, se fosse só isso da indelicadeza, não teria importância nenhuma. O que o gesto significou foi uma coisa inteiramente diferente e infinitamente mais grave: a exterioridade declarada por relação ao regime. Um regime no qual, anacronicamente, ocupam agora uma posição central.”
  • André Macedo, no Diário de Notícias, considera que assistimos a uma espécie de Triunfo do tom. E explica que isso sucedeu porque “Embora fosse o dia mais importante da sua vida política, não foi um momento do eu, nem do ego, não foi um show do professor Marcelo, não foi uma aula, nem um exame, nem sequer uma manchete fácil. Foi o momento do nós e da comunidade que somos e podemos ser. E o que somos, disse o Presidente, tem de ser complementar. A esquerda e a direita, Portugal e a Europa, Portugal e África, Portugal e o Brasil, Portugal e o Atlântico, Portugal e Espanha, a economia de mercado e a economia com objetivos sociais, sem esquecer as diferentes religiões. Não é nada de novo, mas será nesta capacidade para juntar as diferentes visões do mundo - nesta mundividência, nesta moderação - que se encontra uma parte do caminho a percorrer.”
  • O Público, em editorial, preferiu destacar aquilo a que chamou A importância dos pequenos gestos. Para isso contou mais o programa do dia inaugural do que o discurso de posse, que mesmo assim classificou como “notável” e “onde diz tudo o que é essencial”. Quanto ao resto, “O próprio clima em que decorreu toda a cerimónia, natural, distendida, calorosa, e os dias que a precederam, com António Costa, num gesto de grandeza democrática, a proporcionar a Cavaco Silva uma saída de cena com toda a dignidade, exigiriam de comunistas e bloquistas a compreensão de que é impossível continuarem fechados numa espécie de cápsula do tempo, obstinados em ignorar os sinais do presente e as urgências do futuro.”
  • Já Henrique Monteiro, no Expresso Diário, em D. Marcelo, o cicatrizante de largo espetro (pay wall) faz uma leitura muito franca do Presidente que o primeiro dia mostrou: “Marcelo é simples, é direto, é popular sem esforço. É um Mário Soares destes tempos, a esquerda da direita, quando Soares era, na altura, a direita da esquerda. Marcelo celebra, festeja e sente-se bem. Não tem vergonha de se sentir nas nuvens – este era o local onde queria estar, onde sente que tem condições para estar e – o que é mais importante – onde o povo quer que ele esteja. Em maior número agora do que quando foi eleito, à primeira volta. Marcelo é um alívio, para quem imagina a presidência tomada pelo ‘tempo novo’ de Sampaio da Nóvoa (que aliás, ontem, foi de uma correção assinalável e de aplaudir). Marcelo é Marcelo, está tudo dito.”
  • No mesmo Expresso Diário, António José Teixeira, emPode alguém ser quem não é? (paywall), faz uma leitura que, sendo complementar, não é exactamente coincidente: “Marcelo é um anti- Cavaco, como Cavaco foi um anti-Soares, o que não quer dizer que seja um novo Soares. Mas aproxima-o de um perfil próximo de Soares, apesar das origens e percursos opostos.” Mas não só: “Marcelo é um grande comunicador. Diminuirá a distância entre representantes e representados e criará laços de maior confiança. A menos que as expectativas se defraudem por ausência de resposta aos anseios e problemas do eleitorado. As ilusões nem sempre deixam ver que não é o Presidente que governa ou que legisla.”

Houve registos diferentes destes no tom e no foco? Houve. No tom o destaque vai para o comentário de João Semedo no Público (um entre oito com direito a classificarem o professor), que escreveu que “Fica por saber se a afirmação “a Constituição não é intocável” traduz alguma intenção de favorecer a sua revisão. Como fica por perceber como fará Marcelo a pacificação dos conflitos e a cicatrização das feridas se nos lembrarmos que, num e noutro caso, são o fruto da governação dos partidos que o apoiaram. Se o comentador Marcelo fosse chamado a classificar o discurso do Presidente Marcelo, não lhe dava sequer suficiente. E eu concordaria com ele, de zero a vinte, dou-lhe nove.”

Mas não foi esta a única voz mais dissidente. No mesmo Público João Miguel Tavares também não gostou lá muito do que ouviu, como explica em O presidente de tooooodos os portugueses. Considerou que o discurso “foi uma chatice”, porque “foi um discurso de não-escolhas, quando fazer política é o contrário disso – é escolher, e escolher dolorosamente”. Contudo, acrescente “se Marcelo tiver conseguido, ao fim de cinco anos de mandato, encurtar as distâncias entre o “nós” (o povo) e o “eles” (os políticos), e envolver a sociedade portuguesa na política, então a sua eleição já terá valido a pena. Consiga ele isso e eu perdoo-lhe tudo.”

Já no que respeita ao foco, David Dinis seguiu por um caminho bem diferente na TSF, em Presidente, ouviu o Ferro? É que se o discurso de todos falaram, o do Presidente, foi o tal de “toooodos os portugueses”, já o discurso do presidente da Assembleia da República seguiu por outros caminhos. E que disse ele? “Que Marcelo tem a "responsabilidade histórica" de ser o homem certo no tempo certo"; Que "o PR tem de pairar sobre tudo, intangível às paixões partidárias"; Que os poderes "informais" não são menos importantes dos que os outros - "nomeadamente o poder da palavra e o poder de influência"; Que o Presidente tem que ser o "promotor das convergências" - leia-se, de levar o PSD à partilha de responsabilidade; E, mais importante que tudo, que cabe a todos (também a Marcelo) não permitir "que a UE se torne num fator de instabilidade política".”  Uma agenda que é, digamos, a da maioria que sustenta o governo, a mesma que se logo a seguir se dividiria nos aplausos.

Antes de terminar, deixo-vos apenas uma meia dúzia de textos do Observador que, não sendo de opinião ou análise, ajudam a ler o que se passou no dia inaugural e o que pode vir a seguir:
E por aqui me fico por hoje. Bom descanso, boas leituras, e até amanhã.

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2015 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário