terça-feira, 3 de maio de 2016

Macroscópio – Aqueles dias raros em que os eternos perdedores triunfam

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Leicester. Quem sabe onde fica esta cidade inglesa? Quem já tinha ouvido falar do seu clube de futebol? Poucos, porque a história pouco rezava deste clube que nunca entrou na “liga dos grandes” do Reino Unido, mesmo sabendo nós que a Premier League é um campeonato muito mais aberto do que o português. Mas não para um clube pequeno, de orçamento diminuto quando comparado com os gigantes de Manchester ou Londres. No entanto…

Foi uma história que animou os serões de segunda-feira, mesmo sendo certo que nesse final de tarde o Leicester não entrava em campo. Mas entravam os seus adversários, os únicos que lhe podiam roubar o título, mas que cederam um empate numa casa bem conhecida dos portugueses, a do Chelsea. O sonho impossível concretizava-se, pelo que o Macroscópio de hoje é sobre este feito – um Macroscópio que, confesso, não me recordo da última vez que foi dedicado ao desporto. Mas hoje tinha de ser.

Aqui há umas semanas, faltavam ainda seis jornadas para o fim, o treinador do Leicester escreveu uma “carta aberta” de que recomendo a leitura (mesmo sendo sofrível a tradução que encontrei). Nela ele recorda como começou a época com o único objectivo de não descer, pois antes “muitos dos meus jogadores estavam em ligas menores. Vardy trabalhava em uma fábrica. Kanté jogava na terceira divisão francesa. Mahrez estava na quarta divisão da França.” Mesmo assim venceram, pelo mesmo nessa altura, ainda a vitória não era certa, e já Claudio Ranieri escrevia: “Não importa o que aconteça no fim desta temporada, eu penso que nossa história é importante para todos os fãs de futebol por todo o mundo. Isso dá esperança para todos os jovens jogadores que já escutaram que não são bons o suficiente.”

Agora muitos dos grandes já olham para os jogadores do Leicester e começam a pensar tê-los nas próximas temporadas, sendo que entre esses jogadores há que diz alguma coisa a Portugal, ao Sporting e, sobretudo, ao Estoril: Kasper Schmeichel, o filho de um tal Peter que defendeu a baliza do Sporting há uns 15 anos. Ora sucede que o Kasper, então um rapazito com apenas 14 anos, foi jogar para o Estoril Praia, onde integrou a equipa de iniciados ao lado de Hugo Tavares da Silva. Hugo quê?, talvez possam perguntar os mais distraídos. Pois o Hugo do Observador, que hoje contava o que foi jogar ao lado de um dos que ontem se sagraram campeões de Inglaterra. É uma experiência que contou em Kasper Schmeichel. Foi assim que ganhei um campeonato com ele (o guarda-redes do Leicester), um especial único escrito na primeira pessoa, feito das memória de um outro rapazito que, hoje, se senta na nossa redação. Memórias dele e de outros jogadores de uma equipa do Estoril que se sagraria campeã. Saborosas: “Lembro-me que no início da época, numa praia de Cascais, num daqueles treinos de quinta-feira para deixar os gémeos a gritar, conversei com o Kasper sobre jogadores que apreciávamos (portugueses e ingleses). Lembro-me especialmente de dois cromos trocados: ele falou-me em Nuno Gomes, eu falei em Michael Owen. Esse ódio a Luís Figo ainda não havia sido revelado. Até que algum colega percebeu o ponto sensível…” Já o leitor, se quiser perceber porque é que Kasper não gostava de Figo, leia o Hugo. Está lá tudo.

Mas deixemos de lado estas memórias e passemos a tentar perceber como foi possível. É uma tarefa para que encontro ajudo logo no Observador, onde o Diogo Pombo e, claro, o Hugo Tavares da Silva ainda escreveram mais dois especiais: “Diliding, dilidong”. É o som do Leicester campeão, onde se recorda a época da equipa e como Ranieri foi gerindo a equipa e levando os seus jogadores a superarem-se, uma história que se conta em poucas palavras do seu treinador: “O Leicester joga, corre, luta e trabalha muito, como Ranieri quer e gosta: “Não me interessa o nome do adversário. Só quero que vocês lutem. Se forem melhores que nós, ok, parabéns. Mas têm que nos mostrar que são melhores”. Muito poucos o fazem.; e Os heróis de Leicester (um a um), uma fotogaleria em formato gigante onde se faz um breve retrato dos jogadores de que se fez um campeão. Como Jamie Vardy (29 anos), O operário: “Há uns anos trabalhava numa fábrica, nas horas vagas do futebol das distritais. Hoje é o avançado formatado para o contra-ataque, rápido como poucos e letal como muitos. Tem 23 golos no campeonato e mais dois na seleção inglesa, em que já se estreou. O conto de fadas é muito dele.”

Quem quiser saber mais sobre estes jogadores pode fazê-lo no Público, onde Marco Vaza analisou Os onze magníficos do Leicester, onde se mostra como nesta equipa “muitos foram "abandonados" por clubes "grandes" onde se formaram, outros cumpriram boa parte da carreira sem que ninguém desse alguma coisa por eles.” Agora cobiçam-nos, e têm muito mais dinheiro - muitíssimo mais.

Deixo agora a imprensa portuguesa para vos deixar uma mão-cheia de sugestões de jornais espanhóis e ingleses. Começo aqui pelos nosso vizinhos, mais exactamente pelo El Pais, onde encontrei duas leituras muito interessantes:
  • El Leicester es el campeón de los imposibles faz um apanho de 20 anos de façanhas, ou de reviravoltas impossíveis, milagres nos últimos minutos, enfim uma forma de jogar e lutar que sempre fez sofrer muito os seus adeptos. Ilustrado com pequenos vídeos, é uma peça curiosa e divertida.
  • El Leicester o la rebelión de la ‘working class’ é uma análise de como técnico italiano (que os espanhóis conhecem bem pois treinou vários anos o Valência) deu a volta à equipa, mas também como nela se descobriram talentos como o de Riyad Mahrez, um magrebino que por isso foi eleito pelos seus companheiros de profissão como o “jogador do ano”: “Mahrez marcó (17 goles), asistió (11 pases de gol) y luchó (recuperó 206 pelotas). Ya se lo había advertido su técnico. “Ranieri siempre insiste e insiste. Repasa las estadísticas. Si no corres, no juegas. Por eso hago más de 11 kilómetros en cada partido”, reveló Mahrez.”

Da imprensa britânica a minha primeira sugestão vai para o Guardian e para Leicester City’s title triumph: the inside story of an extraordinary season, um texto onde se procura responder às seguintes questões: “What convinced Leicester to appoint Claudio Ranieri? Why are injured players pitchside at training on exercise bikes? And what have been the keys to a remarkable Premier League success?” A conclusão vai um pouco a contravapor do que tem sido a evolução do futebol moderno:
It is not rocket science and, as we know from watching Leicester this season, nor does it need to be. In a game that is often overcomplicated and increasingly obsessed with statistics, the percentages show that Ranieri’s team are in the bottom three for possession and that only West Bromwich Albion have a lower pass completion rate, yet the only table that matters – in the absence of one that quantifies teamwork – shows Leicester City with an unassailable lead at the top of the Premier League. We should all enjoy that sight.

Já o redactor principal da secção de Desporto do Telegraph coloca uma questão quase intrigante: Leicester City may have won the Premier League title, but where do  they go from here? Então não é altura de celebrar e sonhar, pensaríamos nós? Não, responde ele, porque apesar de tudo o Leicester não é um império como o Manchester United, o Arsenal ou o Chelsea. E é bom ter os pés firmes na terra: “This is a side of many stars, some of the overnight variety, which is the biggest threat to their reign as Premier League champions. Jamie Vardy, Riyad Mahrez and N’Golo Kante, all PFA player of the year nominees are examples of inspired scouting, which Leicester will now need more of. But what if lazy predators further up the fame chain take the easy option and pay whatever it takes to extract Leicester’s ready-made warriors and add them to their own stagnant sides?”

Pois é, o dinheiro de outros deverá falar mais alto. E o dono do Leicester não parece ter bolsos suficientemente fundos. É por isso que vale a pena ler a história do Wall Street Journal, que foi precisamente olhar para quem é o magnate tailandês que comprou o clube, o trouxe primeiro para a Premier League e, agora, teve como prémio o título de campeão. Em Thai Billionaire’s Investment in Leicester City Pays Off conta-se a história de Vichai Srivaddhanaprabha, que tem um império de lojas duty free e que comprou quando este ainda estava nas divisões inferiores. Pequeno excerto: ““When we bought the team, we had so many plans. If you ask whether we believed the team would become the premier league champion when we bought it, the truth is at that point we didn’t dare to think so because of so many factors,” Mr. Vichai’s son, Aiyawatt Srivaddhanaprabha, told Thailand’s Channel 3 television news network Tuesday. “But today the team won, and we are very happy.” The question now is whether Mr. Vichai—the first of English soccer’s Asian owners to win a championship—will spend more money to retain Leicester’s key players and attract fresh talent”.

E por aqui me fico por hoje, com história bonita, como são todas as histórias de que, sendo ou parecendo fraco, se transforma e vence. O que pode ser inspirador noutros domínios. Tenham bom descanso, reencontramo-nos amanhã. E se ainda não interromperam a leitura do Macroscópio para ir ler o texto de Hugo Tavares da Silva, ainda vão a tempo. Merece.

 
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