sexta-feira, 13 de maio de 2022

SANTO INÁCIO DE LÁCONI

  • Plinio Maria Solimeo

Dos oito sa
ntos capuchinhos que floresceram nos séculos XVI e XIX, Santo Inácio de Láconi — cuja festividade é celebrada no dia 11 de maio — é o único do século XVIII. Falecido aos 80 anos, passou 60 deles entre os capuchinhos da Sardenha como irmão leigo.

Praticamente desconhecido no Brasil, a Positio sobre suas virtudes, publicada em 1868, contém 207 páginas — 121 narrando seus milagres realizados em vida, e 86 com os havidos depois da morte. Apesar disso, ele só foi canonizado em 1951, pelo Papa Pio XII.

Família pobre, numerosa e virtuosa

Francisco Inácio Vicente Peis, o segundo de nove irmãos, nasceu na cidade de Láconi, no coração da Sardenha, no dia 17 de novembro de 1701. Seus pais eram muito pobres, mas ricos em virtude, e deram à sua numerosa prole esmerada formação religiosa. Aprendido o Catecismo, o menino foi enviado à igreja paroquial onde, em 1707, com somente sete anos de idade, recebeu o Santo Crisma, a Sagrada Comunhão e se tornou coroinha.

Por ter de trabalhar desde pequeno, Inácio não aprendeu a ler nem escrever. Por isso falava mal o dialeto da Sardenha. Mas ajudava a Missa todos os dias.

Desde muito cedo o menino sentiu a vocação religiosa. Crescendo, o pai o dissuadia, dando como pretexto sua fraca constituição física e a necessidade de braços para sustentar a grande família.

Quando atingiu a adolescência, Inácio adoeceu gravemente, devido aos jejuns e mortificações. Fez então uma promessa a São Francisco, de entrar em sua Ordem caso se curasse, o que ocorreu. Mas o pai se recusou mais uma vez dar seu consentimento.

O filho já era dotado na adolescência de dons especiais de profecia e de cura. Apesar de suas severas penitências, sua existência decorria pacificamente, tendo ele mantido seu espírito sempre sereno e alegre, em estreita comunhão com Jesus Cristo. Entre os milagres que operou nessa época, cita-se o de uma multiplicação de pães.

Vista de Láconi (Gravura de Blanchard para L’Illustration, 1853).

Na Ordem dos Capuchinhos

No final do ano de 1721, quando Inácio tinha 20 anos, o pai lhe ordenou ir a cavalo a um campo para vigiar o gado. Ele obedeceu imediatamente. Entretanto, quando chegou a um terreno pantanoso, o cavalo se assustou com algo e saiu em disparada, beirando um precipício. Diante do perigo, recorreu a Deus e saiu ileso. Lembrou-se então do voto de se fazer franciscano, que não cumprira. Chegando em casa, descreveu o perigo pelo qual passara, e insistiu em entrar para o convento. Dessa vez o pai concordou.

Assim, em novembro de 1721, Inácio pedia admissão no convento capuchinho do Bom Caminho, em Cagliari. Inicialmente não foi aceito, pois ainda estava muito fraco. Apelou então para o Pe. Gabriel Aymerich, Marquês de Láconi, amigo da família, que intercedeu por ele, sendo o rapaz finalmente aceito. Vestiu então o hábito de capuchinho com o nome de Frei Inácio de Láconi.

Cabe notar que durante o século XVIII a Ordem dos Capuchinhos teve um brilho incomum, com a canonização ou beatificação de muitos de seus membros. Em 1712, quando Frei Inácio ainda era criança, São Félix de Cantalício foi canonizado. Sete anos depois deu-se a beatificação de Serafim de Montegranaro. Em março de 1729 foi a vez de Frei Fidélis de Sigmaringa, protomártir dos capuchinhos, canonizado em 1746. Em 1737 houve a beatificação de José de Leonissa, canonizado com Frei Fidélis em 1746. Em 1768 foi beatificado Frei Bernardo de Corleone, e em 1769 foram reconhecidas as virtudes heroicas do futuro santo e Doutor da Igreja, Lourenço de Brindisi.

Não é de admirar que, com tantos exemplos ilustres, Frei Inácio se sentisse muito incentivado na senda da virtude.

Durante o noviciado, segundo seus contemporâneos, ele “foi notável acima dos demais no recolhimento, no silêncio, na obediência, na frequência dos sacramentos, e no espírito de oração”. Pode-se dizer que a presença de Maria Santíssima — que lhe aparecia frequentemente — e o exemplo de seu divino Filho o acompanharam ao longo da vida, em todos os caminhos, em todos as circunstâncias, levando-o a enfrentar as vicissitudes da vida com serenidade e jovialidade.

Frei Inácio fez sua profissão no ano seguinte, sendo transferido para o Convento de Iglesias, onde exerceu o ofício de despenseiro e encarregado de pedir esmolas para o convento.

Viveu durante 15 anos entre vários conventos da Sardenha, voltando depois para o do Bom Caminho, em Cagliari, onde permaneceu até sua morte.

“Esmola, pelo amor de São Francisco”

Santuário de Santo Inácio, em Láconi

Desse modo, em 1741, aos 40 anos, recomeçou o humilde irmão leigo seu ofício de esmoler, pedindo esmolas para o convento nas ruas da cidade. Cagliari foi durante 40 anos o campo do seu apostolado, realizado com eficácia e muito amor entre os pobres e pecadores.

Esse ínclito filho de São Francisco tinha o verdadeiro espírito do fundador. Era exemplo vivo de pobreza e de absoluta disponibilidade para com os pobres, desamparados, doentes físicos e espirituais; ou seja, para com os pecadores, muitos dos quais conseguiu recolocar no bom caminho. Todos o reverenciavam pelo esplendor de suas virtudes e por seus muitos milagres, a tal ponto que passou a ser chamado o “Padre Santo”.

Sem respeito humano, ele pedia esmola até nos bairros pobres, ao longo do porto, nas tavernas e lojas, pois sabia que até um pobre pode dar pelo menos um copo d’água. Nesse ofício, o santo nunca deixava passar uma ocasião de dar um bom conselho, uma palavra de conforto, um incentivo à prática da virtude. Demonstrava ternura singular pelas mulheres no trabalho de parto, encorajando-as com palavras cheias de fé quando notava que estavam timoratas. Por isso tudo se tornou conhecido e amado em toda cidade.

Era para os habitantes de Cagliari um emocionante espetáculo ver aquele frade humilde e silencioso com um alforje nas costas, apoiado numa bengala, desfiando seu rosário nas subidas e descidas das ruas e escadarias da cidade, sempre pronto a dar assistência a um, um bom conselho a outro, muitas vezes levando-o a uma verdadeira conversão.

Um de seus muitos milagres em vida deu-se quando, indo com um companheiro buscar pão para o convento, encontraram os fornos praticamente destruídos. O Irmão Inácio “começou então a recolher algumas das pedras, colocando-as em seu alforje. Recomendou ao seu companheiro que fizesse o mesmo. De volta ao convento, percebeu um grande calor nas costas e, quando os dois entraram no refeitório, encontraram seus alforjes cheios de pães quentes e fumegantes”.

Em outra ocasião, indo mendigar no cais de Cagliari, viu um comerciante que tirava azeite de um barril. Pediu-lhe um pouco, “em esmola para São Francisco”. Convidado a apresentar uma vasilha, o frade ofereceu o alforje de pano simples, rezando para que contivesse o azeite. A seguir, alargou a boca do alforje, para que coubesse mais azeite. O comerciante encheu o inusitado recipiente com o precioso líquido, que o religioso levou para o convento sem “pingar uma só gota de óleo”. Diante disso, o dono do azeite mandou para o convento todo o barril, que ficou por muito tempo conhecido como “o barril de Frei Inácio”.

Um conhecido pastor protestante, contemporâneo do santo, fez dele o seguinte elogio: “Vemos todos os dias pedindo esmola, deambulando pela cidade, um santo vivo, que é o irmão leigo capuchinho que, com vários milagres, conquistou a veneração de todos os seus compatriotas”.

“Que o mundo inteiro seja católico”

Testemunhas no processo de beatificação afirmam que o irmão Inácio “costumava dizer ‘antes morrer, do que perder a fé’ […]. Agradecia a Deus por ter nascido de pais católicos e aprendido deles as máximas da santa fé […] e por ter sido chamado à fé no santo batismo e à religião nesta Ordem de São Francisco […]. Repetia frequentemente atos de fé, esperança e caridade, e com grande fervor incutia a sua recitação entre os seus irmãos em religião; […] fazia com que os enfermos que visitava recitassem esses mesmos atos […] instruía as crianças no catecismo, exortando-as a orar a Deus pela exaltação da Igreja e pela expansão do cristianismo […]. Com frequência, expressava com palavras seu forte desejo de que o mundo inteiro fosse católico e convertido ao culto do verdadeiro Deus Criador e Redentor; e, pelo contrário, lamentava que tantos infiéis, hereges e cismáticos não estivessem no seio da Igreja, orando muito ao Senhor por sua conversão”.

Tendo perdido a visão em 1779, passou os últimos cinco anos de vida em intensa oração.

Restos mortais do Santo no santuário

Morte e glorificação

Dispensado de mendigar, quis o Irmão Inácio continuar participando da vida comum dos frades seguindo a Regra. Ele o fez até sua santa morte, ocorrida em Cagliari no dia 11 de maio de 1781, aos 80 anos de idade.

À notícia de sua morte uma multidão impressionante acorreu durante dois dias ao convento, desfilando diante de seu humilde caixão para implorar sua proteção.

Embora no seu processo de beatificação, aberto em 1844, constassem tantos milagres em vida e depois da morte, e de ele ter sido declarado Venerável por Pio IX em 1860, o Irmão Inácio de Láconi só foi beatificado pelo Papa Pio XII em 1940, e por ele canonizado em outubro de 1951.

ABIM

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Fontes:

– http://www.fraticappucciniinsardegna.it/santignazio.html

– http://www.santiebeati.org/dettaglio/32500

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