Cientistas do Instituto de Medicina Molecular confirmam que baixos níveis de oxigénio ou energia nas células imunitárias podem gerar doenças
Fatores de stress, como baixos níveis de oxigénio e de energia, induzem as células T do sistema imunitário (um tipo de glóbulos brancos) a entrar num modo de funcionamento que contribui para desencadear as chamadas doenças autoimunes, como a artrite, a diabetes ou a esclerose múltipla.
A descoberta, que foi feita no Instituto de Medicina Molecular (IMM), da Universidade de Lisboa, pela equipa que ali é liderada pelo investigador holandês Marc Veldhoen, foi agora publicada na revista científica Cell Reports e abre a porta ao desenvolvimento de novas terapias para aquelas doenças.
"As células T, um tipo de glóbulos brancos que são importantes para combater as infeções, podem ser sintonizadas para diferentes modos de ativação, permitindo uma resposta adequada a cada uma das infeções", explica Marc Veldhoen, que já estuda esta questão em ratinhos "há muitos anos". Foram, aliás, os trabalhos da sua equipa, primeiro em Cambridge, no Reino Unido, e desde há um ano no IMM, que contribuíram para que se descobrissem novos modos de ativação daquelas células imunitárias, como este, designado Th17.
"Percebemos que um tipo particular de ativação daquelas células, o Th17, é muito mais robusto do que outros estados das células, o que nos conduziu à hipótese de que estas Th17 seriam mais resistentes às condições adversas", lembra o investigador. Como viram depois, a hipótese estava certa.
Em 2012, a equipa que este investigador liderava na altura em Cambridge, já colaborando com cientistas portugueses, conseguiu então estabelecer a ligação direta entre as condições de stress celular e o aumento do risco de doenças autoimunes.
O trabalho agora publicado, realizado já no IMM, para onde Marc Veldhoen se mudou no ano passado - o brexit, o facto de a mulher e colega de profissão ser portuguesa e a possibilidade de vir para o IMM foram decisivos -, desvenda o processo pelo qual isso acontece. Quando as condições são adversas, com menos disponibilidade de oxigénio e de energia, são as Th17 que mais proliferam entre todas as outras. E uma coisa leva à outra.
Toda esta investigação tem sido feita em ratinhos, num modelo que imita naquele animal as doenças autoimunes, e foi assim que os cientistas conseguiram demonstrar que, inibindo o stress celular, a produção das células Th17 também diminui, bem como os sintomas das doenças autoimunes.
Cumprida esta etapa, a equipa gostaria de fazer o mesmo tipo de trabalho utilizando células humanas. "Embora os humanos tenham células muito idênticas [às dos ratinhos], pode haver diferenças na forma como respondem" nas mesmas condições, explica o investigador. Por isso, sublinha, "seria bom estudar se o stress celular favorece o mesmo tipo de ativação Th17 [dos glóbulos brancos] e perceber se diferenças na suscetibilidade ao stress celular ou outros fatores ambientais poderão dar-nos novas informações sobre o desenvolvimento de algumas doenças auto- imunes", adianta. Isso, no entanto, também vai depender de haver financiamentos para fazer esse trabalho, sublinha.
A possibilidade de desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas a partir daqui existe e até já há ensaios clínicos em curso. Como explica Marc Veldhoen, há estudos nesta área, tanto "na academia como em laboratórios farmacêuticos", e a interferência com a atividade destas células do sistema imunitário mostrou resultados positivos "em algumas destas doenças autoimunes, como a psoríase e a artrite".
Quanto aos resultados agora publicados, eles também "podem oferecer novos alvos terapêuticos para reduzir, por exemplo, o stress celular localmente, nas áreas com a inflamação", sugere o cientista. No entanto, estimar um prazo para que isso se traduza na prática médica não é tarefa fácil.
"É sempre difícil responder a isso", afirma Marc Veldhoen. "Há terapias baseadas nas células T nas últimas fases de ensaio clínico e com sucesso em algumas destas doenças. Quanto ao nosso trabalho, ainda está numa fase pré-clínica e vai depender de fundos e de trabalho futuro para verificar se estes resultados iniciais podem ser usados em terapias. Ainda vai levar uma década", conclui.
Fonte: DN
Foto: PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS
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