Aveirenses Notáveis No próximo dia 29 de novembro completam-se dois anos sobre a morte de Daniel Rodrigues, o primeiro jornalista profissional de Aveiro e um dos primeiros diáconos permanentes desta Diocese. Textos de Cardoso Ferreira.
Em 1931, na pequena aldeia de Ariz, bem próximo da nascente do rio Vouga, nas serranias da Lapa que Aquilino Ribeiro imortalizou como “Terras do Demo”, nasceu Daniel Rodrigues, que morreu no dia 29 de novembro de 2010, na cidade de Aveiro, junto à foz desse mesmo rio Vouga, nas margens da ria de Aveiro que, como mais ninguém, ele imortalizou nas páginas do “seu” “O Comércio do Porto”.
Terminou a quarta classe com 13 anos de idade, porque a escola esteve três anos sem professor, e só não fechou porque seu pai, que era presidente da junta de freguesia, “lutou imenso para evitar isso”, confidenciou Daniel Rodrigues numa entrevista que lhe fiz, em dezembro de 2006. Poucos anos volvidos, ainda em Ariz, assumiu um primeiro trabalho voluntário, dos tantos que o caracterizaram. “Fundei uma escola para adultos, em que dei aulas à noite a muitos que não puderam andar na escola”, relatou.
Foi ainda na sua aldeia natal, nos tempos da juventude, que Daniel Rodrigues começou a colaborar com a imprensa como correspondente do jornal “Século”. Aos 23 anos de idade, deixa Ariz para cumprir o serviço militar em Lisboa. Daí, seguiu para o Alentejo, tendo conseguido entrar no Seminário de Beja. No entanto, “chegou uma altura em que eu próprio reconheci que a minha missão não seria o seminário, e acabei por sair”, confidenciou, optando por seguir uma carreira na área da justiça. Primeiro, estagiou no Tribunal de S. João da Madeira. Depois, concorreu para o Tribunal de Aveiro.
Jornalismo a tempo inteiro
No Tribunal de Aveiro, Daniel Rodrigues tinha a possibilidade de estar a par de “todas as notícias que diziam respeito a prisões, polícia e justiça. “A primeira notícia que mandei foi para o ‘Diário de Coimbra’, sobre um célebre assalto ocorrido em Aveiro”. A partir daí, o diário conimbricense convidou-o a escrever uma página por dia, pagando-lhe cem escudos por mês.
Nesses primeiros tempos, referiu na citada entrevista, o jornalista escrevia os textos à mão. “Mais tarde, passei a escrevê-los à máquina na casa do Padre Messias. Ia de bicicleta levar os textos à estação, para eles seguirem de comboio para Coimbra”.
Na década de 1960, a região de Aveiro teve um grande incremento económico e social, pelo que os ditos jornais nacionais passaram a interessar-se por Aveiro, como aconteceu com o “Diário Popular” (de Lisboa), que também solicitou a colaboração de Daniel Rodrigues. Pouco depois, foi a vez de “O Comércio do Porto” (do Porto) contratar o seu serviço, passando a colaborar com esses dois jornais.
Quando, em finais da década de 1960, o jornal “O Comércio do Porto” pretendeu abrir a sua primeira delegação fora da cidade do Porto, a cidade de Aveiro foi a escolhida, sendo Daniel Rodrigues convidado para chefiar essa delegação, a primeira de um grande jornal em Aveiro. Foi a partir daí que Daniel Rodrigues passou a ser o primeiro jornalista profissional e sindicalizado em Aveiro.
Na abertura da delegação, Daniel Rodrigues contou com o apoio de João Sarabando e de Mário Sacramento, dois nomes importantes do meio intelectual aveirense, e também da oposição de então, pelo que pode fazer uma boa cobertura dos Congressos da Oposição Democrática, que em 1957, 1969 e 1973 trouxeram a Aveiro a elite da oposição ao Estado Novo.
Reportagens em prol da comunidade
Como jornalista, Daniel Rodrigues foi um lutador por causas, sempre em prol da comunidade, como exemplificou na citada entrevista: “A ‘cruzada’ pela elevação a vila da Gafanha da Nazaré contou com a ajuda importante do Fernando Martins, mas pode-se dizer que essa elevação se deve à luta travada pela delegação de Aveiro de ‘O Comércio do Porto’. Também as elevações de Avanca a vila e de Espinho a cidade se devem, em parte, à ação desenvolvida pela delegação de Aveiro de ‘O Comércio do Porto’”.
Ainda antes do 25 de Abril de 1974, ficaram célebres as reportagens intituladas “Do Buçaco ao Douro”, em que Daniel Rodrigues percorreu todo o distrito de Aveiro, com destaque para as terras de Arouca e da Serra da Freita, bem como as reportagens em defesa da linha ferroviária do Vouga, que deram origem ao livro “Vouga Arriba… ou o drama de um povo”. O impacto destas últimas foi de tal modo elevado, que originaram a reativação daquela linha, ainda que por poucos anos, no troço Águeda-Viseu.
No “Verão Quente” de 1974 / 1975, Daniel Rodrigues foi um dos jornalistas que mais se bateu pela manutenção da liberdade de expressão e contra as diretrizes comunistas nos jornais.
Anos volvidos, Daniel Rodrigues e a delegação de Aveiro de “O Comércio do Porto” encetaram mais uma “luta”, dessa vez em prol da construção de uma via rápida que ligasse Aveiro a Vilar Formoso, o que veio a acontecer com o IP5 (que depois deu origem à atual A25).
Trabalhos nos cinco continentes
Daniel Rodrigues fez reportagens nos cinco continentes. Os trabalhos feitos na América do Sul foram os que mais o marcaram, como sublinhou: “No Chile fiz reportagem sob vigilância policial, no tempo do Pinochet. Lá, através da Igreja, consegui falar com viúvas, mães e filhas de gente que desapareceu sob a ditadura. A vida dessa gente impressionou-me e levou-me a fazer reportagens mais de índole social, o que me ajudou a despertar a minha vocação para o diaconado”. No Brasil, fez reportagens nas favelas, enquanto na Venezuela reportou a vida nos imensos bairros de lata que circundam Caracas. Andou ainda na Colômbia e na Argentina.
Mais tarde, voltou àquele subcontinente para acompanhar a primeira viagem do Papa João Paulo II a Cuba, viagem que o marcou profundamente pelos “momentos espetaculares demonstrados pelo Papa João Paulo II”.
A sua primeira viagem em serviço ao estrangeiro foi, contudo, ao Barheim, no Médio Oriente. Ainda na Ásia, esteve no Japão e na Tailândia. Em África, esteve em trabalho em Angola, Moçambique, África do Sul, Guiné, Cabo Verde e Marrocos.
Na Europa, marcaram-no as reportagens que efetuou na antiga Jugoslávia, ainda antes da queda dos regimes comunistas, e no Vaticano, onde esteve por duas vezes. Numa dessas idas ao Vaticano, na conferência no final do Sínodo dos Bispos, Daniel Rodrigues estranhou a ausência do Papa e, por isso, escreveu ao Vaticano a mostrar “estranheza” por tal facto. “Passado uns dias, recebi uma carta, assinada pelo Cardeal Sodano, em que concordava comigo e a pedir mais sugestões, carta que trazia uma bênção especial do Papa para mim e para a minha família”.
Homem de família…
Para Daniel Rodrigues a família era o seu refúgio e a sua razão de ser, como ele deu a entender nas muitas conversas que manteve connosco enquanto saboreava uma “bica” na “Veneza”, por baixo da delegação de “O Comércio de Aveiro”, ou, já mais tarde, no “Merendeiro”, mais próximo da redação do “Correio do Vouga”.
Daniel Rodrigues valorizava imenso o trabalho dos filhos (e também dos amigos) e, por esse motivo, aprendi um pouco mais sobre paleontologia e dinossauros, porque me aguçou a curiosidade em conhecer o trabalho do seu filho Luís Azevedo, um estudioso desses espantosos animais pré-históricos. Ainda hoje recordo o orgulho que sentiu quando o Luís Azevedo Rodrigues fez o doutoramento em Espanha, orgulho recíproco, como se pode ver na dedicatória que o filho escreveu na sua tese: “Pai – possui o dom mais importante: pensa com o coração. E de quem recebi o gosto de escrever”.
…e um dos primeiros diáconos permanentes
Para além das reportagens feitas no terreno, “sujando os sapatos na lama” e “olhos nos olhos” com os entrevistados, como gostava de realçar, Daniel Rodrigues foi também um cronista em defesa dos direitos humanos e um católico empenhado no seu tempo e na sua comunidade, tendo sido diretor-adjunto do jornal “Correio do Vouga”.
Daniel Rodrigues integrou o primeiro grupo de homens ordenados diáconos permanentes na Diocese de Aveiro, numa cerimónia realizada no dia 22 de maio de 1988, na Catedral de Aveiro. Como diácono, Daniel Rodrigues colaborou na paróquia da Glória (Aveiro) e foi coordenador do Secretariado da Pastoral dos Ciganos e Minorias Étnicas da Diocese de Aveiro e vogal do Conselho Fiscal da Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos também colaborou na pastoral penitenciária.
Novembro 7, 2012
Comentários: Daniel Rodrigues foi o meu mestre na forma como se deve jornalismo de rua, e não tanto de gabinete como hoje se pratica, aparecendo a noticia sem que o jornalista tenha sido visto no local do acontecimento.
Recordo.o com profunda saudade, dos momentos passados juntos na Delegação do 'O Comércio do Porto' em Aveiro que no tempo funcionava no edifício onde se encontra a Pastelaria Veneza.
Ainda tenho na memória o conhecido Capitão Joaquim Duarte, Altino Pires, Brissos da Fonseca, Cardoso Ferreira e o amigo João Maia.
Como o tempo passa (!) e vida nos separa para sempre, restando-nos apenas as saudades. Como o meu coração chora por dentro!
J. Carlos
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