sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Opinião | Se um é sapo e o outro escorpião, o fundo do rio é igual para os dois


Paulo Baldaia
A informação que nos chegou, através do jornalPúblico, de que o governo estava "chocado" com a intervenção do Presidente da República choca com a realidade. Entre a tragédia de Pedrogão Grande e a tragédia de 15 de Outubro, Marcelo enviou imensos sinais a António Costa mas o primeiro-ministro fez como a direita, não viu nem ouviu.

A 30 de Julho foi publicada no Diário de Notíciasuma longa entrevista em que o chefe de Estado foi particularmente assertivo em relação aos casos de Tancos e de Pedrogão. Pelo caminho foi deixando imensos avisos e, quatro meses depois, em coerência, exigiu o mesmo a um chefe do governo que teimava em reafirmar publicamente a sua confiança na ministra. Esta entrevista em que, quase só, Marques Mendes viu um distanciamento subtil do presidente em relação ao governo acaba por ser um verdadeiro preâmbulo da comunicação ao país em que Marcelo fez cheque a Costa. Também a propósito da geringonça a quem, na comunicação ao país, o presidente pediu uma clarificação, depois de ao DN ter afirmado que "os partidos que fazem parte da área do governo têm de decidir em cada momento se querem ou não durar até ao fim da legislatura".

Por ter dito ao Presidente o que estava a pensar fazer, o governo pensou ter o assunto resolvido. Não lhe ocorreu que entre o que se disse no segredo dos palácios e o que foi dito publicamente pelo primeiro-ministro e pela ministra da Administração Interna vai uma grande distância que não podia ficar a carregar nas costas do Presidente. Já todos sabemos o que aconteceu ao sapo que deu boleia ao escorpião na travessia do rio, sendo que cada uma das claques pode ver o escorpião no outro lado. Não muda nada, esta é uma história em que ninguém ganha, parecendo evidente que o governo tem muito mais a perder.

Imaginemos, por um minuto, que o governo tem mesmo razões de queixa do Presidente da República. Estamos a falar de Marcelo, senhor de uma taxa de popularidade raramente vista num político português, com uma comunicação que agradou a uma larga maioria dos portugueses e que foi altamente elogiada pela opinião publicada. Que raio de ideia é esta de comprar uma guerra surda com o chefe de Estado? Se em off se afirmam chocados com Marcelo é em em on que Marcelo lhes responde: "Chocado ficou o país com a tragédia vivida".

Teria sido melhor ideia afirmarem publicamente que aquilo que o presidente exigiu na comunicação ao país era o que o Presidente sabia que o governo ia fazer. Sem acinte, desdramatizando a importância dessa comunicação na relação entre os palácios, apenas como informação, para que cada português pudesse tirar as suas conclusões.

Longe vai o tempo em que Costa e Marcelo sorriam debaixo do mesmo chapéu. Pode até acontecer que a esquerda esteja mesmo a olhar para Marcelo e a ver um escorpião, não lhe querendo dar boleia nas boas novas da economia que chegam à carteira dos portugueses. Assim como assim, Passos está de partida e à aliança das diferentes esquerdas dá sempre jeito ter um inimigo comum que funcione como cola para a geringonça. Bloco e PCP nunca acharam muita graça a Marcelo, só o PS andou embevecido com o colo presidencial.

Fonte: DN


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