sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

"Fiz um testamento em que proíbo o meu filho de ir ao meu funeral"

Foi desta forma que Florbela Queiroz se referiu a filho, que há quatro anos a expulsou da sua própria casa, onde, diz, era vítima de violência doméstica. Em entrevista exclusiva ao Fama Ao Minuto, a atriz falou sobre um dos momentos mais difíceis da sua vida e recordou os pontos altos dos seus 60 anos de carreira.
"Fiz um testamento em que proíbo o meu filho de ir ao meu funeral"
© Facebook
Aos 74 anos, Florbela Queiroz está em cena por todo o país com a revista 'Grande Caldeirada'. Dona de uma energia inesgotável e de uma juventude que faz questão de transparecer na forma descontraída como se veste, a atriz não pensa, para já, em abandonar os palcos. 
Tornou-se atriz muito jovem e sem grande vontade de ser artista, mas rapidamente Florbela ganhou o gosto pela representação. Com 60 anos de carreira, considera que os prémios ganhos e o reconhecimento do público ainda fazem dela uma primeira figura do teatro. 
Nem mesmo o momento complicado que viveu há cerca de quatro anos lhe tirou a felicidade de viver. Para a atriz, o filho - que a forçou a abandonar a sua própria casa, onde, garante, era vítima de violência doméstica - morreu e está proibido de se aproximar dela. 
Em entrevista exclusiva ao Fama Ao Minuto, Florbela garante estar resolvida com o passado e concentrada em viver apenas as coisas que a fazem feliz: a casa que conseguiu recuperar, o palco onde ainda se sente uma estrela e o consultório de tarot onde ajuda os outros.
Como é que começa a sua carreira, ser atriz era um sonho de sempre?
Não, eu era bailarina clássica. Comecei a estudar ballet aos três anos na Margarida de Abreu, que era uma grande professora. Quando cheguei perto dos 13 anos ela disse que eu já não podia fazer mais aulas, agora só no conservatório, onde ela também dava aulas. Fui inscrever-me no conservatório nacional para ballet. Inscrevi-me e depois ficavam duas horas livres, como não dava tempo de ir a casa e voltar, resolvi ocupar essas duas horas com outras coisas que interessassem. Uma bailarina deve saber coisas de teatro, então matriculei-me no curso de teatro.
A dona Amélia Rey Colaço ia estrear as ‘Bruxas de Salém’, nessa altura só se iam buscar os atores ao conservatório, não havia castings aqui ou ali. Mas não estava nada interessada em ser atriz, até porque o meu pai e a minha mãe, como eu estava a estudar, não queriam nada que eu fosse atriz, nem a mim me passava pela cabeça. Fazia ballet porque gostava muito, mas ia estudar outras coisas.
Pronto, ela chegou lá ao conservatório e escolheu-me a mim, eu era a pessoa indicada fisicamente para o papel das ‘Bruxas de Salém’. Ainda tive esperança de que o meu pai dissesse que não, mas a dona Amélia falou com ele e eu fui para o teatro. Estreei-me com 14 anos, portanto fez 60 anos no dia 23 de novembro que eu me estreei no Teatro Nacional, a partir daí comecei a fazer teatro, o melhor teatro possível, no Nacional e com os maiores.
Depois passei para a companhia do mestre Ribeirinho, também com os maiores. Mais tarde, fui fazer alta comédia também com os maiores e quando tinha 20 anos convidaram-me para ir fazer uma revista. Não era bem uma revista, era uma opereta. Eu disse que não, não sabia cantar e não queria, mas lá me convenceram e eu fui. Correu tão bem que o Raul Solnado, o Carlos Coelho e o Humberto Madeira, que tinham uma parceria no Maria Vitória, me convidaram para fazer a primeira revista. Portanto, eu estreei-me aos 14, estive dos 14 aos 17 sempre a fazer teatro declamado, com os melhores atores portugueses e ao mesmo tempo televisão.
Aí é que foi, a televisão tinha começado há dois anos e não havia ninguém que não visse televisão, eu fazia uma série diariamente como agora fazem as novelas. A série era em direto, porque não havia gravado ainda, com o João Lourenço que hoje é um dos maiores encenadores que nós temos e com grandes atores. Fazíamos aquilo em direto até que a RTP teve de arranjar dois guarda-costas para cada um de nós porque nos roubavam a roupa e, como naquela altura não se falavam em guarda-costas, eram mesmo dois polícias para cada um. Iam-nos levar a casa e tudo.
Essa foi a época em que fez mais sucesso?
Foi a altura em que eu subi e a partir dai fui sempre primeira figura até hoje. Nunca fui para baixo, nunca vim para cima. Claro que há peças que tenho feito melhor e outras que tenho feito pior, mas também já fiz televisão, fiz cinema...
Houve algum momento em que se tenha sentido esquecida enquanto atriz?
Em televisão os atores estão quase todos esquecidos. Se liga o primeiro canal é um elenco, liga para o terceiro canal e é o mesmo elenco a fazer outra novela e, às vezes, nem mudam de penteado. Depois, liga para o quarto e são os mesmos também. Portanto, só há aquele núcleo de atores que trabalha na televisão, os outros estão todos arrumados a um canto. Eu fiz montes de novelas, fiz séries, fiz grandes êxitos e ganhei os prémios todos que havia par ganhar. Ganhei o prémio de melhor atriz de cinema, ganhei duas vezes o prémio de melhor atriz de televisão, o de melhor atriz de comédia, ganhei um prémio de alta comédia com ‘O Pecado Mora ao Lado’ e ainda um disco de ouro, nunca percebi porquê, mas ganhei.
Ainda tem força para continuar em palco?
Eu não me sinto nada mal, sinto-me exatamente como me sentia. Faço as mesmas coisas que fazia, não há nada que tenha deixado de fazer. Eu canto, eu danço, eu represento, eu pulo eu salto, eu ando. Faço exatamente as mesmas coisas.
Continua a existir espaço em Portugal para as atrizes mais velhas?
Continua, não há é empresários. E não há espaço para as pessoas que têm talento. Agora é preciso ter silicone em vários sítios e já se é atriz. Felizmente eu estou a trabalhar com dois rapazes que são professores, que sabem muito disto, que já têm muita experiência, são novos, muito novos, mas sabem o que querem. Foram buscar a Vera Mónica, já trabalharam com a Mariama, agora foram buscar-me a mim e já tenho outra revista para fazer a seguir.
A Florbela tem 74 anos, até quando espera ter forças para continuar em palco?
Eu tenho uma casa com dez divisões, vivo sozinha, tenho um cão, tenho um jardim bestial com piscina e tudo, se eu tenho de tratar disto tudo e ando na maior, não sei... Se calhar é quando me der a dor nas pernas ou quando me der algum baque no coração que eu paro, mas não tenho planos traçados para parar. Tal como não tenho planos traçados para continuar. Para mim o passado não traz futuro e portanto eu vou andando, além disso eu tenho dois cursos fantásticos em que sou muito boa. Tenho dois consultórios maravilhosos, eu sou taróloga e sou reikiana, sou mestra de reiki, quando não faço uma coisa estou a fazer outra. Não tenho medo da minha vida. Não tenho.
Usar esse dom nunca a prejudicou enquanto atriz?
Nunca me prejudicou. Até porque já estiveram jornalistas no consultório que me pediram para tirar umas fotografias lá. Eu disse que não me importava, entrei no consultório e lancei cartas e a partir desse momento eles disseram que eu fiquei com outra cara, com outro ar e já só falava daquilo, acabou a conversa de teatro. Eu sei muito bem dividir as duas coisas. O tarot é para ajudar, não é para adivinhar. Não sou bruxa, não faço coisas esquisitas para dizer às pessoas: ‘Queres aquele homem então eu faço dá cá não sei quanto’. Eu ajudo mediante uma leitura de tarot que é uma ciência que existe antes de Cristo. Os grandes faraós regiam-se pelos astros e pelas cartas. O que eu faço é como deve ser, sou formada em todo o mundo. A primeira formação que fiz foi em Portugal, depois andei pelo mundo todo a fazer cursos de tarot e depois formei-me em reiki, meditação e relaxamento. Portanto, eu não tenho medo da vida.
Tal como já referiu, a Florbela foi durante muito tempo uma primeira figura do teatro. Alguma vez sentiu que o deixou de ser ou acha que isso é um posto que nunca se perde?
Não se perde, sou a cabeça de cartaz desta companhia e da anterior que fiz no Maria Vitória. Portanto, continuo a ser! Não se perde. Quando se é a sério não se perde. Agora, quando se é e depois se é descartado perde-se.
Nunca foi descartada?
Eu não, nunca fui descartada. Recebi a medalha de ouro da cidade de Lisboa no ano passado. Mas também devo dizer-lhe que não há grande preocupação em mim, eu tanto faço um papel muito grande como sou capaz de ir fazer papéis pequeninos. O que acontece é que as pessoas me põem ali e não há nada a fazer, mas eu não exijo nada. Não exijo nada e há uma coisa curiosa. Anda hoje, fomos ali ao café e quando chegámos a malta nova, que estava no café, veio toda pedir para tirar fotografias comigo, eu achei isso giro. Eu atravessei uma quantidade de gerações e agora estou a atravessar uma geração dos 18, 19, 20 anos. As raparigas e os rapazes pedem para tirar fotografias comigo e depois também os senhores velhotes de 80 que dizem assim: ‘Quando era novinha era tão linda’ e ‘Eu conheço-a há tantos anos’, é natural.
É difícil para uma atriz que vive da sua imagem envelhecer?
Não, se souber envelhecer, não. Como vê eu sei envelhecer, toda a vida me vesti assim e não vou mudar porque tenho 74 anos. Não tenho vergonha, sou assim e serei sempre assim. Calças rasgadas, blusões e camisolões. As pessoas perguntam: ‘Não queres fazer uma plástica?’. Agora, o Dr. Ângelo Rebelo convidou-me para me dar um brilhozinho na cara e eu fui, mas a única coisa que eu deixei que ele me fizesse foi no queixo. Eu parti o queixo e então fiquei aqui com uma cova, fui endireitar o queixo e tinha esta pálpebra mais para baixo e outra mais para cima e ele endireitou-me a pálpebra também. Ele queria fazer-me uma plástica e eu não deixei, as rugas são minhas e custaram-me muito a ganhar.
Há uns tempos admitiu que fez um pequeno retoque que não correu assim tão bem.
Isso não foi num cirurgião, foi num cabeleireiro. Uma senhora que tinha uma coisa de estética e disse: ‘Florbela você tem o lábio de cima tão estreitinho, não quer que eu lhe dê aí uma injeção?’. Eu perguntei se era muito caro, ela disse que não e então eu disse-lhe para dar. Aquilo era botox ou lá o que era, fiquei com o lábio grande. Mudou-me a cara toda, felizmente já está melhor, mas tem levado anos a sair esta porcaria. Não aconselho a ninguém fazer essas porcarias, deforma a cara toda.
Esse erro foi prejudicial para si e para a sua carreira?
Não, por causa de ter um lábio maior? Não! Eu represento mesmo com o lábio assim, não me fez diferença. Na minha carreira não existiu nada prejudicial, o prejudicial foram os lobbies e infelizmente antes do 25 de Abril toda agente dizia: ‘Isto é só para os fascistas, os outros não contam’. Eu nunca fui fascista nem coisa nenhuma, eu sou pela liberdade, sou pelo direito de igualdade de todas as pessoas, não sou, nem nunca fui, homofóbica.
Só que, agora, eu reparo que depois do 25 de Abril há muitos mais lobbies do que havia naquela altura. Agora eles juntam-se todos e não saem, são só aqueles, porque vão jantar a casa de um ou a casa de outro ou dão-se muito bem com o senhor da televisão. Até são bons atores alguns, mas aparece cada um que faz favor.
Tem pena de não fazer televisão?
Não. Gosto muito de fazer televisão, mas não tenho pena. Não tenho pena de nada, não há nada de que me arrependa. Não tenho pena de coisa nenhuma, eu sou uma pessoa feliz, não me importo com coisíssima nenhuma que não seja ser feliz, fazer o meu trabalho, seja aqui ou seja em casa a adorar os meus animais, a tratá-los melhor do que a mim, a tratar muito bem a minha casa e mais nada. O resto para mim não conta.
Há relativamente pouco tempo a Florbela viveu um momento muito difícil.
Sim, mas desse momento eu não quero falar. Foi um momento que fez com que a pessoa que eu mais amava nesta vida morresse. Morreu, para mim é a mesma coisa. Não o tenho. Sei que existe, mas eu não tenho. Morreu, apaguei. Eu tenho uma grande facilidade, uma coisa que eu não sei se é boa ou má, mas quando sou magoada, muito magoada, parece que tenho uma borracha no cérebro e apago. De vez em quando lembro-me, porque não sou de ferro, choro porque não sou de ferro, mas pronto é a mesma coisa que se for a uma campa pôr flores. Choro quando vou ver os meu pais, que também não vou porque eu não gosto de cemitérios, nem de enterros, nem de hospitais. Não vou a lado nenhum, mas quando me lembro do meu pai, da minha mãe, ou da minha avó, choro. São pessoas que já partiram, que sei que estão bem e não me preocupa. Aquele, felizmente, anda para aí e está muito bem. Eu acho muito bem que ele esteja bem, mas não me preocupa, não existe para mim.
Para si esta situação é irreversível?
É irreversível, contemplante irreversível. Aliás, eu fiz um testamento em que o proíbo de me ir visitar ao hospital, de ir ao meu funeral e de saber o que é que eu resolvo fazer da minha vida quando partir, se quero ser cremada, se quero ser enterrada. Está proibido!
Nessa altura a Florbela foi obrigada a pedir ajuda, teve vergonha de o fazer?
Não. Porque é que eu haveria de ter vergonha? Vergonha é roubar. Eu é que fui roubada e muito roubada, espetacularmente roubada, portanto… Mesmo assim, não é por isso que eu quero mal às pessoas ou deixo de querer. Eu não quero mal a ninguém, para mim é indiferente, a consciência das pessoas é delas.
Nesse momento voltou a sentir o grande apoio do público, foram muitas as pessoas que se disponibilizaram para ajudar?
Toda a gente ajudou, até através do Facebook. Fizeram tudo! Eu fui morar para casa de uma empregada minha, fiquei sem casa e de um mês para o outro tinha uma casa igual à que tinha anteriormente só que ainda mais moderna e completamente arranjada. Essa casa já tem 50 anos, foi arranjada há dois e está uma casa espetacular onde eu me dou muito bem.
Consegue ser completamente feliz, mesmo depois de passar por todas estas coisas?
Sim, sim. Eu vivo muito bem comigo, eu sou muito feliz comigo e com o meu cão. Gosto muito do meu cão. Não tenho problema nenhum e depois tenho pessoas que gostam muito de mim e me tratam bem. Eu só preciso que me tratem bem, mais nada.
Alguma vez achou que seria possível fazer 60 anos de carreira em palco?
Não sei, como já referi eu acho que o passado não traz futuro. Nunca pensei em nada dessas coisas, se ia fazer muitos, se ia fazer poucos, se ia morrer nova, se ia morre velha. Nunca pensei muito, não é coisa que me preocupe. Agora, acho giro. Os 50 anos fiz na televisão, na SIC, estava a fazer um programa e fizeram-me uma grande festa com o Ruy de Carvalho, com o Nicolau, com o Nicholson, com a Anita e com uma quantidade colegas que apareceram. Agora, os 60 é neste palco.
A morte é algo que a assusta?
Não, eu quando nasci já sabia que tinha de morrer, ninguém cá fica. Assusta-me é sofrer de dores, sofrer já sofri um bom bocado, mas dores e aquelas coisas que a gente sabe que vai morrer daquilo mas tem de aguentar meses. Por isso eu sou pela eutanásia, acho que quando uma pessoa tem uma doença que sabe que vai morrer dela, que não tem salvação, acho que deviam dar o direito à eutanásia. As pessoas não estão cá para sofrer, estão cá para viver. Se houver a mais pequena solução então aí é outra coisa, mas se não houver a menor solução e uma pessoa estiver numa cama a sofrer ou ligada a máquinas, então sou pela eutanásia.
Mudou muita coisa no teatro ao longo dos seus 60 anos de carreira?
Mudou, mudou. A qualidade das pessoas mudou.
Agora é melhor ou pior?
Pior. É raro encontrarmos, como por exemplo temos nesta companhia, malta nova com valor, malta nova responsável, é raro. Os grandes estão a partir e não sei como é que os outros se vão aguentar aqui sem ninguém que lhes ensine, porque eles também não querem aprender. Felizmente eu tive muita sorte, nesta companhia só tive pessoas que querem aprender, que gostam e que são disto, nasceram para isto.
A avaliar pela sua energia não restam grandes dúvidas, mas acha que ainda vamos poder vê-lá em palco durante muitos anos?
Sei lá, sei lá. Posso sair daqui e esbardalhar-me nas escadas e partir a tola e adeus oh Florbela, lá vai a velha para o diabo.
Mas tem vontade de continuar?
Enquanto cá estiver continuo, não tenho vontade nem deixo de ter. A seguir a esta já estamos a estrear outra, portanto, se não morrer ainda este ano ou para o ano que vem, se calhar, ainda faço a terceira. Esses problemas não se me põem na cabeça, só não quero é ter dores, porque se não for a eutanásia há outras formas, agora dores é que não. Sofrer para saber que vou partir não contem comigo. Enquanto não sofrer deixa andar, há palco e há em casa uns consultórios muito bonitos onde se ajuda muita gente.
Fonte: Noticiasaominuto

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