sábado, 21 de dezembro de 2019

Moçambique | “Nova” Concordata concede privilégios à Igreja Católica em Moçambique mas o Natal continua abolido

Ao abrigo de uma “nova” Concordata rubricada em 2011 o Estado moçambicano, que mantém o Dia da Família em substituição da celebração do nascimento de Cristo, conferiu tratamento especial à Igreja Católica que vai desde isenções fiscais até ao adiamento do serviço militar obrigatório. Ao contrário das outras cerca de 900 confissões religiosas registadas em Moçambique que têm a sua actividade regulada pelo Ministério da Justiça a Igreja relaciona-se com o nosso país através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, “É um Estado” esclareceu ao @Verdade o ministro José Pacheco.

A Igreja Católica chegou a Moçambique com os descobridores portugueses, como a religião de Estado e assim se manteve durantes quase 400 anos seguintes impondo aos moçambicanos, de acordo com o professor Benedito Marime, “o afinar dos costumes do modo de ser e de se estar em comunidade familiar e política social de base, começou a diminuir a poligamia, foi sendo banido o direito de herdar as viúvas, apareceram os casamentos cristãos e entre cristãos, baixou o alcoolismo indígena este, infelizmente, logo substituído alcoolismo de importação bem alimentado pelo vinho para o preto e outras mistelas e mixórdias de igual valor, por sua vez geradores dos habituais conflitos como a violência doméstica, licenciosidade sexual, brigas gratuitas, etc”.

Retratando as relações entre a Igreja e o Poder no nosso país, durante uma conferência organizada em Agosto passado pelo Instituto de Estudo Sociais e Económicos (IESE), o académico moçambicano assinalou que embora, tal como noutros países africanos, a Igreja em Moçambique estivesse oficialmente comprometida com o Governo Colonial em Julho de 1970 o Papa Paulo VI recebeu em audiência os representantes dos três movimentos que lutavam contra a presença portuguesa em África: Amílcar Cabral do PAIGC, Marcelino dos Santos da Frelimo e Agostinho Neto do MPLA.

Contudo, “Proclamada a Independência Nacional, a ideologia marxista-leninista do novo Estado moçambicano criou imensas dificuldades no relacionamento deste com as Confissões Religiosas. Foi um processo longo, muito doloroso e traumatizante, e ainda não se sabe os excessos de então correspondiam exactamente a orientação dos órgãos centrais do partido único e do Estado ou se eram obra de provocadores e de agitadores”, assinalou Marime.

Dia da Família em vez do Natal

Durante este período o partido Frelimo de certa forma aboliu a comemoração do nascimento de Jesus Cristo. “No quadro da batalha pela formação do Homem Novo, o Partido Frelimo e o Estado dedicam especial atenção à educação dos jovens e dos continuadores, ensinando-os a amar e a respeitar a Família (...) Como os povos da maioria dos países do Mundo, o Povo moçambicano celebrará o Dia da Família a 25 de Dezembro de cada ano”.

“O Dia 25 de Dezembro é data em que todos os moçambicanos sem distinção de raça, sexo, origem social, profissão, ideologia ou religião, comemoram com alegria a festa da Família”, instituiu a Assembleia Popular a 11 de Dezembro de 1982.

Benedito Marime recordou durante a conferencia do IESE que: “A Guerra dos 16 anos veio reaproximar, quer as igrejas entre si, quer a direcção do partido e do Estado as confissões religiosas. Então começou a devolução do imobiliário abusivamente apossado pelo Estado à margem da Lei das Nacionalizações, permitiu-se a reabertura das Igrejas encerradas, a construção de outras e a entrada de novos missionários e foi neste quadro que ocorreu a Visita Apostólica do Papa João Paulo II”.

Entretanto o Governo de Armando Guebuza decidiu restituir às comunidades religiosas alguns locais de culto nacionalizados após a independência, a Igreja Católica indicou que cerca de 60 por cento das suas propriedades já lhe foram devolvidas.

O @Verdade apurou que com a abertura de Moçambique a economia de mercado e alcançada a Paz as relações entre a Igreja e o Estado foram ainda mais consolidadas com a assinatura a 9 de Fevereiro de 2011 do primeiro acordo bilateral entre a República de Moçambique e da Santa Sé, a Concordata, que mais do regulamentar o status jurídico e reconhecer diplomas universitários católicos e o casamento religioso concede privilégios especiais à Igreja de Cristo tais como o adiamento do serviço militar para os seminaristas, os postulantes e as postulantes, os noviços e as noviças.

Benefícios fiscais contratados à luz da Concordata não abrangem outras confissões religiosas em Moçambique

Outro privilégio está relacionado com a prestação de serviços por pessoas de nacionalidade estrangeira, a Concordata estabelece: “No exercício das funções do múnus pastoral, os Superiores Maiores dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica, como também os seus respectivos Delegados, mediante acordo com o Bispo Diocesano respectivo, têm o direito de convidar para colaborar na actividade pastoral e sócio-caritativa em Moçambique sacerdotes, membros dos Institutos de vida consagrada e Sociedades de vida apostólica e leigos que não tenham nacionalidade moçambicana” e que “As autoridades moçambicanas competentes facilitarão a entrada, permanência e saída de Moçambique e emitirão, nos termos da legislação em vigor, um documento de residência”.

Além disso o @Verdade descortinou que a nível fiscal, ao contrário das restantes instituições religiosas não gozam de isenção na importação de bens e mercadorias, ao abrigo da Concordada “a Igreja católica, nos termos da legislação aplicável, beneficia de isenção de direitos e demais imposições aduaneiras na importação de bens destinados a ofertas a instituições criadas ao abrigo da legislação moçambicana e de relevantes fins sociais, desde que tais bens sejam inteiramente adequados à natureza da instituição beneficiária e venham por esta a ser utilizados em actividades de interesse público".

A Igreja de Cristo é também privilegiada no nosso país com a isenção de qualquer imposto sobre: a) Os lugares de culto, prédios ou parte deles, destinados a fins religiosos; b) As instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos; c) Os seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou religiosa, ou ao ensino da religião católica; d) As dependências ou anexos dos prédios descritos nas alíneas a),b) e c) usadas pelas instituições de assistência social; e) Os jardins e os logradouros dos prédios descritos nas alíneas a),b),c) e d) sem fins lucrativos; f) Os bens móveis de carácter religioso, integrados nos imóveis referidos nas alíneas anteriores ou que deles sejam acessórios; g) As residências de propriedade das instituições eclesiásticas e religiosas ligadas a actividades das mesmas; h) As aquisições onerosas de bens imóveis para fins religiosos”.

O ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, José Pacheco, disse ao @Verdade que a Igreja Católica é tutelada pelo seu pelouro pois “É um Estado”.

A Autoridade Tributária de Moçambique esclareceu ao @Verdade os benefícios fiscais com o facto de “embora micro estado, dada a sua diminuta dimensão territorial, a cidade do Vaticano, enquanto Estado e, como qualquer outro Estado, na acepção moderna do conceito, é composto de Soberania, território, por um lado. Por outro, foi instituída a Santa Sé, que é o auto comando da Igreja e exerce sua soberania sobre o Vaticano. A Santa Sé é, pois, a personificação jurídica, representando o Estado e autorizado a compor Tratados entre dois sujeitos de Direito Internacional (Concordata). Explica-se, pois, desta forma, que o Acordo tenha sido celebrado entre o Estado moçambicano e a Santa Sé, personificando aí, o Estado de Vaticano”.

De acordo com a Autoridade Tributária de Moçambique os benefícios fiscais contratados à luz da Concordata, “vigoram tão somente na esfera jurídica das partes contratantes, não sendo por isso transmissíveis a terceiros; ou seja, a outras confissões religiosas em Moçambique”.

Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique

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