quarta-feira, 24 de maio de 2017

Trump e o proselitismo do bem

Um rol de equívocos marcou a passagem de Trump por Riade, Telavive, Jerusalém e Belém na promoção de uma Santa Aliança sunita contra o Irão e o "terrorismo islamita".
João Carlos Barradas
João Carlos Barradas
Às condenações genéricas do Islão durante a campanha eleitoral sucedeu o apelo à erradicação do terrorismo numa "batalha entre o Bem e o Mal" e a condenação do Irão que atiça "os fogos de conflitos sectários e do terror".

Trump há um ano declarava convictamente "o Islão odeia-nos" e dificilmente terá seduzido os líderes dos demais 54 países que se fizeram representar em Riade na Cimeira Árabe, Islâmico, Americana apesar da mudança de retórica.

Na sua incoerência e truculência, Trump tem dado continuidade à política de Obama no Médio Oriente salvo ao limitar a entrada de refugiados e ao tentar banir por um período mínimo de 90 dias a entrada nos Estados Unidos de cidadãos do Irão, Iraque, Líbia, Sudão, Somália, Síria e Iémen.

Os pios e fúteis votos da administração Obama em prol do respeito pelos direitos humanos desapareceram, também, das declarações oficiais, mas os acordos de que se vangloriou Trump na Arábia Saudita decorrem de entendimentos estabelecidos com a administração democrata.

Aquisições de armamento por parte de Riade no montante de 110 mil milhões de dólares (dependentes de aprovação pelo Congresso) foram maioritariamente negociadas antes de Janeiro, bem como o investimento saudita de 20 mil milhões usd   num fundo de investimento em infra-estruturas nos Estados Unidos do Blackstone Group.

O novo centro americano-saudita de prevenção de financiamento ao terrorismo incorporando as monarquias do Golfo decorre da troca informal de informação no Grupo de Egmont, estabelecido em 1995 e que engloba praticamente todos os Estados relevantes (com excepção do Irão ou Coreia do Norte), não sendo, contudo, de excluir que Washington consiga impor neste caso um controlo mais apertado sobre  transacções financeiras regionais.

O silêncio de Trump quanto à conivência ideológica de dignitários e instituições religiosas com o jihadismo sunita é consequência da política de alianças patrocinada por Washington que passa, designadamente, pelo apoio à guerra que a Arábia Saudita conduz desde 2015 contra houthis no Iémen ou na repressão da maioria xiita pelos Al Khalifa do Bahrain.  
     
Trump não deu, entretanto, sinais de medidas concretas para retirar os Estados Unidos do acordo nuclear firmado em 2015 com o Irão ou conceder a Riade o estatuto de aliado militar privilegiado fora da esfera NATO de que gozam na região Israel, Egipto, Jordânia, Bahrain e Tunísia, além de Estados como Paquistão, Marrocos, Tunísia e Afeganistão.     

Desistindo da Líbia, aspirando a um entendimento com Assad, a Rússia e a Turquia na Síria, Trump surge tão incongruente e impotente quanto Obama, enquanto para o Iraque e o Afeganistão a estratégia resume-se a reforço da capacidade militar.

Na esteira de Obama o uso de drones e forças especiais é o meio privilegiado no combate aos jihadistas que se substitui a iniciativas políticas relevantes.

O vazio é notório ante israelitas e palestinianos.

O Hamas, no poder em Gaza desde 2007, tal como o Hizballah xiita libanês, é classificado como entidade terrorista, Israel prossegue a expansão de colonatos após ter concluído na recta final do mandato de Obama um acordo de ajuda militar de 38 mil milhões usd e Mahmoud Abbas espera que não se concretize a prometida e sempre adiada transferência da embaixada norte-americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.     

Pelos atormentados mundos de árabes, berberes, judeus, turcos, curdos, persas e de muitos crentes do Islão pouco há a esperar de Trump e melhor será encomendar-se aos céus para se pôr a salvo de atitudes extemporâneas e irreflectidas da Casa Branca.

Jornalista
Fonte: Jornal de Negócios

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