quarta-feira, 3 de julho de 2019

Opinião | O Panteon da nossa sociedade liberal fracassou e os conservadores estão brigando por causa disso



John Horvat II
Um grande debate está pegando fogo entre os conservadores sobre o futuro de seu movimento. O que está em jogo é a clássica tradição liberal, que criou a nossa sociedade pluralística. Esse modelo de sociedade prega a ideia de que publicamente a moral tem de ser neutra. Ela estabelece um indiferentismo religioso que evita os grandes temas que dariam significado e finalidade à nossa vida. Esse sistema é feito de um consenso laico e estéril, que propaga que cada indivíduo goza de uma absoluta autonomia dentro de si.
Em teoria, um sistema assim deveria facilitar o relacionamento entre todos e permitir-lhes competir livremente no mercado de ideias e religiões. Mas, na prática, os conservadores sociais cristãos estão justamente se queixando de que o sistema liberal levou à erosão de tudo o que é moral, certo e sagrado.
No debate que está se dando agora, a Cristandade não está sequer sendo tratada como um dos tantos deuses do Panteón liberal. Tudo o que é cristão (como cruzes em lugares públicos), tem de ser removido. Os conservadores alegam que algo enérgico deve ser feito se se deseja que os ideais cristãos sobrevivam.
Eles têm razão. Há algo errado nesse sistema que promoveu nos últimos séculos uma maciça prosperidade material, mas também um grande desabamento espiritual. As regras não estão funcionando mais. Não adianta tentar voltar atrás no tempo ou nas fórmulas antigas que antes pareciam dar certo. A atual fase do projeto liberal chegou a tal ponto de podridão que a crise não pode mais ser resolvida dentro de um quadro em pedaços.
A natureza dos Panteons
Talvez se possa encontrar a raiz do problema na própria natureza de um Panteón, pois é isso que a ordem liberal se tornou. Panteons eram templos dedicados a todos os deuses como uma maneira de aplacar todo o mundo, mas raramente satisfazer alguém. Esse Panteón é uma ficção da imaginação liberal, que evita o absurdo de dizer que não existe Deus, aceitando qualquer coisa que um indivíduo diga que é deus. Dessa maneira, ele defende a tese de que não existe uma lei moral para todos, mas somente aquela que o indivíduo quer que seja lei moral.
Essa situação se assemelha ao que fizeram os antigos que construíram Panteons para aplacar os deuses daqueles tempos. Qualquer pessoa que se deu ao trabalho de estudar os deuses míticos sabe que eles eram seres imperfeitos — personificando muitas das paixões e vícios humanos que causaram tanta destruição. No templo antigo qualquer deus poderia ter seu lugar, desde que ele não reivindicasse ser o único Deus Verdadeiro.
Assim os antigos viveram suas vidas marcadas pelos vícios mais repugnantes e crueldade com os outros. Em qualquer lugar onde existiram civilizações pagãs, havia ídolos que refletiam as negras misérias de nossa natureza humana e uma total ignorância da caridade e da justiça que mais tarde brilhariam sobre o mundo.
Jesus Cristo vence os deuses
A Encarnação de Jesus Cristo, o único Deus Verdadeiro feito homem, mudou tudo isso. Cristo não poderia ter sido colocado no Panteon como qualquer outro deus. Sua Divindade e perfeição moral infinita tinha uma infinita incompatibilidade com os deuses pagãos. De fato, Cristo não quis entrar no Panteon, e especialmente, os deuses não O queriam no meio deles.
Em qualquer lugar onde Cristo e Seus enviados se mostravam, os ídolos e seus oráculos ficavam mudos ou explodiam de fúria. Onde quer se propagou a Cristandade os deuses pagãos e seus sacerdotes incitavam ódio e violência contra o Príncipe da Paz. Os deuses eram tão intolerantes contra Cristo que os mártires romanos foram mortos simplesmente por se recusarem a negar a Sua divindade. Mais tarde os missionários pagaram com suas próprias vidas por levar a Boa-Nova dos Evangelhos a todos os povos.
Com o tempo, Nosso Senhor Jesus Cristo prevaleceu no Ocidente. Quando finalmente Ele entrou no templo consagrado como Igreja, todos os deuses pagãos estavam vencidos. Populações inteiras abandonaram a adoração de árvores, sacrifícios humanos e rituais estranhos que escravizavam tantas populações na ignorância e na superstição. Júpiters, Thors, Apolos desapareceram quase sem luta, e agora são lembrados apenas pelas ruínas ou antigas lendas.

A ação civilizadora da Igreja
Hospital de Beaume (França), para atender os pobres na Idade Média
Dessa maneira, a ação civilizadora e santificante da Igreja se fez sentir. A Civilização Cristã foi o fundamento do progresso do Ocidente. Enquanto nestes nossos dias politicamente corretos tantos condenam o Ocidente, eles não podem deixar de reconhecer a grande dívida que nós temos ao triunfo da Cristandade sobre o Panteon pagão.
Se hoje nós nos orgulhamos de nossos hospitais e da medicina, é porque a Igreja foi quem criou o primeiro sistema de saúde da história, fruto de sua prática da caridade cristã. Se aplaudimos a erudição dos estudiosos modernos, é porque a Igreja fundou o sistema universitário em sua busca da sabedoria eterna, o que deu origem à educação e ao conhecimento sistematizado. Nessa civilização centrada em torno do único Deus Verdadeiro, nós temos um conjunto de princípios ordenativos que nos trouxeram tantas instituições e conceitos que estão agora infelizmente se apagando — a primazia da lei, a liberdade na ordem, a dignidade humana, o governo representativo, a família tradicional e a subsidiariedade, isto é, a liberdade das instituições intermediárias. Mesmo hoje em dia, tantas instituições modernas só podem ser entendidas à luz de suas origens cristãs medievais.
A Modernidade e a construção do novo Panteon
A Modernidade surgiu da decadência da sociedade cristã e de uma arrogante rejeição de seus princípios fundamentais. Isso levou à construção de um novo Panteon.
Embora o Iluminismo rejeitasse a civilização cristã, a Cristandade, ainda reinava nos corações de muitos. A civilização ocidental ainda vivia do capital social acumulado e dos princípios ordenativos de seu passado cristão. Isso deu ensejo a uma grande prosperidade e progresso.
Pode-se dizer que Cristo era relutantemente permitido de reinar dentro do templo inicial do sentimento religioso. Por isso muito disseram que os EUA foram fundados como uma nação cristã. De fato, durante a maior parte de sua história, o consenso liberal americano declarou que o Deus da nação era cristão. Os Fundadores, incluindo aqueles que eram deístas, aceitaram que a moral cristã deveria guiar o país, pois mesmo John Adams dizia que somente “um povo moral e religioso” poderia salvaguardar a Constituição. Na medida em que os EUA estiveram unificados em torno desse vago consenso cristão, nós prosperamos. Infelizmente os modernistas solaparam esse consenso, dando boas-vindas aos ídolos seculares pela porta dos fundos. Foram eles que tornaram o templo em um novo Panteon.
Os deuses desse Panteon secular moderno — individualismo, o materialismo, a liberdade sexual incontrolada, a diversidade e a utopia tecnológica, entre tantos outros — agora dominam. De fato, eles abriram as portas ao retorno dos antigos deuses pagãos, na forma da magia e do oculto. Eles trouxeram de volta os vícios antinaturais, os sacrifícios humanos na forma de aborto e experiências alucinógenas.
Exatamente como os antigos deuses, os novos deuses personificam os vícios que escravizam povos inteiros. Como os antigos, eles não podem tolerar Cristo com toda a Sua perfeição moral e glória. Ou Cristo se adapta aos tempos modernos, para se parecer como os outros ídolos, ou Ele deve ser brutalmente expulso.
Esse é o ponto onde estamos agora. Essa é a causa do fracasso dos princípios liberais. Os ídolos estão a exigir que Cristo e sua Lei mudem. Mas Ele jamais mudará.
A falência dos deuses
Alguns podem dizer que a falência da ordem liberal é, portanto, um problema para os conservadores e que eles devem resolver isso entre eles mesmos. O resto da nação poderia continuar na sua alegre atitude liberal, ignorando os cristãos descontentes. Mas essa conclusão está muito longe da verdade.
A verdade é que os novos ídolos não satisfizeram ninguém. A sua cacofonia nos fragmenta e divide. Um grande vazio desceu sobre a Terra e deixou a muitos aflitos com o stress, a ansiedade e o desconforto de viver em um mundo sem Deus. Está frustra a tentativa de apaziguar os deuses neopagãos que estão torturando as pessoas e destruindo a sociedade. Estamos voltando a uma época de escuridão. À medida que nos aproximamos da Grande Crise, estamos órfãos em um mundo sem direção e sem guia.
Por todas essas razões é fácil ver que o debate real transcende o modelo liberal. Ele chama para temas que há muito tempo estão sendo evitados, a respeito das raízes da crise na qual estamos submersos.
ABIM
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Fonte: Artigo publicado originalmente no site da TFP americana (https://www.returntoorder.org/), traduzido por João Carlos Leal da Costa.

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