domingo, 16 de julho de 2017

Eu, Psicóloga: De acordo com Freud, assistir Game of Thrones é saudável para nós?

Além da sua trama intrigante e relato de personagens que cativam o público, Games of Thrones conta ainda com uma boa dose de pessoas brutalmente torturadas, cenas sexuais explícitas e violentas,  morte de personagens que amamos sem a menor cerimônia de forma brutal. 


Então a pergunta que não sai da minha mente é como um seriado que mostra cenas tão escuras, brutas e violentas se tornou algo tão popular em uma sociedade que evita falar e ver qualquer tipo de comportamento descrito acima?

Sendo bem direto ao assunto, acredito que Freud diria que Game of Thrones é realmente bom para a nossa psique, bem como para o funcionamento saudável da nossa sociedade. Como assim? Basta darmos uma pequena olhada em três pontos da sua teoria : o modelo estrutural da nossa psique, sua teoria sobre os sonhos e a forma como Freud descreve o conflito que existe entre os impulsos no indivíduo e a maneira que esse reprime para viver bem em sociedade  em seu livro O mal estar na civilização.

1- O modelo estrutural da nossa Psique

"Eu sou Daenerys Targaryen e tomarei o que é meu com fogo e sangue".

Em 1923, em seu texto O Ego e o Id, Sigmund Freud apresentou a sua teoria referente ao modelo estrutural da nossa Psique. Freud afirma que são três a estruturas do nosso aparelho mental. Cada uma delas cuidaria de algum aspecto da nossa personalidade e regeria nossa interação com outras pessoas. São considerados conscientes e inconscientes e agem de forma integrada e em conjunto determinando o nosso comportamento.

O Id é regido pelo “princípio do prazer”. Profundamente ligado a libido, está relacionado a ação de impulsos  considerado inato. Está localizado na zona inconsciente da mente, sem conhecer a “realidade” consciente e ética, agindo, portanto apenas a partir de estímulos instintivos, o que lhe atribui a característica de amoral. É responsável pelos nossos impulsos mais primitivos: as paixões, a libido, a agressividade. O id (“isso”, em alemão) está conosco desde que nascemos , mas seus desejos são frequentemente reprimidos.

O ego é a parte consciente da mente. É regido pelo “princípio da realidade”, sendo o principal influente na interação entre sujeito e ambiente externo. É um componente moral, que leva em consideração as normas éticas existentes e atua como mediador entre id e superego. Essa parte é aquela que mostramos aos outros. Fortalecido pela razão, o ego está “preso” entre os desejos do id (tentando encontrar um jeito adequado de realizá-los) e as regras ditadas pelo superego.

O Ego está tentando ativamente encontrar uma maneira de satisfazer o que realmente queremos do nosso Id, dentro das restrições do que a sociedade considera aceitável através do Superego. Um Ego de funcionamento saudável é aquele que é capaz de encontrar um meio feliz entre os dois. Segundo Freud, basicamente, somos todos pervertidos,  violentos e com uma tendência escura para o mal, e passamos a maior parte do tempo tentando nos esconder atrás de uma máscara bonita.

O Superego também chamado de “ideal do ego”, tem a função de conter os impulsos do id.  Considerado hipermoral, segue o “princípio do dever” e faz o julgamento das intenções do sujeito sempre agindo de acordo com heranças culturais relacionadas a valores e regras de conduta. O superego é, então, componente moral e social da personalidade. Suas regras sociais e morais não nascem com a gente: nós as aprendemos na sociedade para que possamos conviver nela corretamente.

Então, o que tudo isso tem a ver com Game of Thrones? Bem, ao assistirmos a série, estamos realmente encontrando uma maneira socialmente aceitável de satisfazer nosso Id. Vemos muitas lacerações, decapitações e sexo nesta série. Às vezes, de uma forma assustadora, nessa ordem exata. As coisas que geralmente são consideradas como tabu (pelo menos na cultura ocidental) tornam-se socialmente aceitáveis até certo ponto ​​quando lançadas no contexto da arte e da literatura. E não apenas aceitável, mas torcemos pela morte das personagens e que essa morte venha da forma mais cruel possível! Ou sou a única honesta aqui?

 O sexo e a violência nos seriados provocam muita controvérsia entre os críticos da mídia ( mais recentemente com a série Os 13 Porquês) , especificamente aqueles que dizem que violência e sexo na mídia são influenciadores no comportamento desviante. Freud, contudo, pensa o contrario e afirma que esses comportamentos vistos e que são apresentados nos seriados não são  exatamente influenciadores por dizer, mas sim , terapêutico. Como? Vamos caminhar mais um pouco através da sua teoria sobre análise de sonhos.

2- Os sonhos são a “estrada real” para o nosso inconsciente

Os Sonhos, para Freud, são uma maneira do psiquismo de “realização de desejos” –  os sonhos são tentativas por parte do inconsciente para resolver um conflito de algum tipo, seja algo recente ou algo do passado mais distante (mais tarde em “Além do Princípio do Prazer”, Freud discute alguns tipos de sonhos que não parecem ser de realização de desejo).  Como os conteúdos do inconsciente são muitas vezes perturbadores, existe um “censor” que não permite que esses conteúdos sejam manifestados conscientemente. No entanto, quando dormimos, a vigília do “censor” é reduzida, embora ainda permaneça atenta: assim, o inconsciente deve distorcer e deformar o sentido da sua informação para conseguir que ele passe pela censura. Os sonhos para Freud são “o caminho real para o inconsciente”.

Desse modo, para Freud na maioria das vezes o que sonhamos não é o que parece ser, mas sim algo distorcido e mais profundo que precisa então de interpretação para ser compreendido. Essa distorção decorre principalmente dos mecanismos de condensação (síntese de ideias/conteúdos com pontos em comum, fusão de ideias/afetos/desejos semelhantes com objetivo de desfocar o verdadeiro objeto) e de deslocamento (substituição de um objeto latente por um de seus fragmentos constituintes).  Assim todo sonho tem um conteúdo latente e um conteúdo manifesto. O conteúdo manifesto é aquele que nos lembramos, o enredo, a história do sonho, já o conteúdo latente é aquele que está por trás do manifesto, é o conteúdo verdadeiro e censurado e, portanto, o objetivo da interpretação do analista é o de encontrar e tornar consciente o conteúdo latente.

Além disso, Freud afirma que o sonho que temos no dia é usado como um mecanismo de defesa para aliviar algumas tensões do id que enfrentamos. Para ele, enfrentar algum conflito no campo da fantasia ou do sonho é tão real quanto experimentar a realidade. Por exemplo: se você fantasiar ou sonhar que está batendo em alguém que você não gosta, através dessa experiência você terá aquilo que chamamos de catarse e com isso será menos provável que você vá até a pessoa de fato e bata dela. A catarse traz alívio emocional, mesmo que de fato não aconteça.

Tudo isso junto, coloca as coisas em um contexto interessante, em termos de como a Psicologia funciona para nós ao vermos um filme ou um seriado que traduz e retrata algum conflito inconsciente que temos. Se aquilo que está sendo passado na tela, vai de encontro a algo reprimido e a algum conflito interno ficamos imersos no conteúdo, o que nos coloca em uma espécie de estado de sonho, em catarse, onde nossos desejos reprimidos são realizados.

Isso explica o porque de em cenas de morte de personagens nos encolhemos no sofá, ficarmos tristes e até choramos, sentimos raiva e defendemos nossos personagens preferidos com unhas e dentes. É assim que Games of Thrones nos ajuda a satisfazer nossos desejos mais pervertidos e violentos do Id, porque assim como nos sonhos, você está experimentando esses desejos de forma indireta. E então ao sentirmos essas coisas estamos fazendo uma espécie de catarse, liberando assim energia psíquica de forma saudável.

Nesse momento você pode estar ai se perguntando : “ Bom, eu nunca quis torturar alguém ou , não sinto prazer nisso, na verdade, eu me sinto chocado e desconfortável ao assistir a essas cenas de tortura e sexo! É óbvio que meu id não está recebendo qualquer satisfação.”

Bom, Freud com certeza iria te responder: “ Então, pergunte a você, porque você ainda assiste a esse seriado e gosta tanto? A verdade é que ao assistir e gostar do seriado você pode não se imaginar fazendo aquelas torturas e o sexo de forma consciente, mas seu inconsciente se fosse permitido ter acesso de forma clara, seria talvez, muitas cenas de Games of Thrones que veríamos. Ei, não me bata! Na verdade quando você nega dessa forma os seus desejos, é uma forma saudável que o seu ego está fazendo para protege-lo de despertar esses desejos inconscientes e sair para a prática. Assim como o seu ego censura os seus sonhos.

3- O mal estar na civilização

Segundo Freud, nossa agressividade é parte integrante da natureza humana, e a civilização (cultura), é a força que sufoca essa agressividade. Ou seja, o que causa a ansiedade e as neuroses, entre as pessoas, é justamente esse controle que a civilização impõe sobre nossos desejos e para resolvermos isso, devemos nos libertar da sociedade e de suas cadeias civis.

Quando Joffery toma o trono, ficamos revoltados com sua tirania, o que acabou resultando em grandes conflitos e na guerra dos tronos. A revolta que foi gerada em Westeros ilustra como nos sentimos diante de uma sociedade (Governo) que nos reprime e oprime. É nesse momento que a nossa natureza humana se identifica. Mesmo os "bons" que tentam agir de forma civilizada,  ficam cegos pela conquista do poder e da vingança e diante disso  as espadas entram em cena, sangue é derramado e a violência é liberada.

É justamente por isso que torcemos pelos nossos protagonistas. Eles liberaram e lutam pelos nossos desejos e vontades mais íntimas e inconscientes que só podem ser realizadas em nossos sonhos ou na tela da Televisão.

Concluindo, se Freud estivesse vivo, ele aplaudiria Game of Thrones de pé e seria um grande fã. Ele veria o seriado como uma maneira aceitável de celebrar e liberar nosso Id. Game of Thrones nos dá uma saída para toda a energia borbulhante que está guardada nas partes mais escondidas da nossa psique. O seriado então, de certa forma nos impede de partimos para a ação, além de nos distrair da nossa frustração com a nossa sociedade atual.

Quem diria que Game of Thrones poderia até prevenir ansiedade e neuroses? Definitivamente a série tem  o selo de aprovação de Freud como algo essencial para a nossa saúde mental.

Debora Oliveira
Psicóloga Clínica

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