terça-feira, 13 de março de 2018

“Na agricultura parece que é proibido falar-se de subsídios, mas não tem nenhum mal falar de subsídio ao combustível, ao pão”, Francisco Ferreira dos Santos

Foto de Adérito CaldeiraUma das razões do insucesso do agro-negócio em Moçambique é porque o Estado em vez de subsidiar a maioria do povo que são produtores agrícolas tem optado por subsidiar a minoria que vive nas zonas urbanas. “Na agricultura parece que é proibido falar-se de subsídios, mas não tem nenhum mal falar de subsídio ao combustível, não tem nenhum mal falar do subsídio ao pão” afirma Francisco Ferreira dos Santos, um dos líderes da mais antiga empresa que opera no sector da agricultura no nosso país, que deixa alguns recados ao Governo: “aqueles países que têm sucesso na agricultura fazem subsídios fortíssimos” e “esta desvalorização da moeda veio ajudar, e muito a produção agrária”.
Intervindo na Conferência do Observatório do Meio Rural (OMR), que decorre em Maputo até esta sexta-feira (09), o bisneto do fundador do Grupo João Ferreira dos Santos começou por revelar alguns dos motivos da “resiliência” da empresa criada em 1897 que passam por existir “com um propósito próprio que ia bastante além do lucro pelo lucro, o lucro sempre foi uma questão de sustentabilidade mas não propriamente a missão do Grupo”.
Manteve-se em Moçambique mesmo com a independência, sobreviveu a guerra civil o Grupo JFS está, desde a virada do milénio focalizado na província do Niassa e na produção do algodão a âncora do seu negócio. “A nossa empresa está este ano com 53 mil produtores associados, temos cerca um milhão de dólares no mato em insumos, vamos injectar mais de 7 a 8 milhões de dólares nas compras” declarou o gestor destacando que dirige a “única empresa no mundo que tem acreditação nas duas directivas globais que ditam a prática do algodão, o cotton initiative e o cotton made in Africa, e somos uma caso de estudo por isso”.
Sobre o negócio Francisco F. dos Santos explicou que o sector do algodão consegue dar resposta a três coisas que são essenciais, e que são os dramas da agricultura nacional: necessidade de formação, necessidade de insumos e acesso a mercados.
Contudo, “tivemos que intervir também em três outros pilares: o comércio rural (estamos a desenvolver uma rede de casas agrárias), estabelecer e facilitar serviços financeiros, e trabalhar na electrificação rural (sem energia não há desenvolvimento). Todos estes pilares, do nosso ponto de vista, são necessários para permitir o desenvolvimento da agricultura em si, não basta apenas trabalhar na agricultura se não trabalharmos nestes todos factores que acabam por ser determinantes”.
“Aqueles países que têm sucesso na agricultura fazem subsídios fortíssimos”
Foto do Instituto do Algodão de Moçambique
O Administrador do Grupo JFS que é agrónomo de formação acredita que para o sucesso do agro-negócio em Moçambique mais do a agronomia é fundamental a “sociologia e a antropologia”.

“Porque o nosso trabalho no meio rural é essencialmente de sociologia e antropologia, perceber porque as pessoas não aderem a algumas questões que parecem óbvias, e as vezes as respostas são tão simples que as vezes não conseguimos entender porque estamos aqui em Maputo, muito longe, apenas a ver estudos e não temos a capacidade para perceber quais são os factores que determinam a adesão das pessoas a tecnologia e as soluções que muitas vezes até estão disponíveis” declarou.
Com a experiência herdada dos mais de cem anos de operação da empresa que dirige Francisco F. dos Santos proclamou que “(...) na agricultura parece que é proibido falar-se de subsídios, mas não tem nenhum mal falar de subsídio ao combustível, não tem nenhum mal falar do subsídio ao pão. Nós em Moçambique aceitamos o conceito de subsidiar o consumo, mas parece que quando se fala em subsidiar a produção todos nós parece que temos vergonha de falar nisso. Mas isso meus amigos é o que todo o mundo faz. Aqueles países que têm sucesso na agricultura fazem subsídios fortíssimos”.
“Se nós conseguíssemos retomar a indústria têxtil os nossos 40 milhões de dólares de exportação virariam automaticamente 400 milhões”
O jovem Ferreira dos Santos defende “que uma das maneiras positivas de estimular o desenvolvimento rural é com injecção de dinheiro nas regiões, no mato, é o que os outros países fazem. Principalmente quando os preços caem os governos intervêm e estabilizam os preços para não ter um sub-sector tão volátil e tão oscilante, quando o preço está bom todas as pessoas produzem quando cai reduzem, por isso é que tivemos um ano em que Moçambique produziu 70 mil toneladas, depois no outro 187 mil toneladas e depois reduz novamente”.
Foto do Instituto do Algodão de Moçambique
“Não há nenhuma cadeia de valor, não há nenhum indústria que sobreviva se não tiver uma produção estabilizada, não é subsidiar por subsidiar mas subsidiar para garantir uma funcionalidade e um volume mínimo que nós precisamos para operar. No algodão conseguimos fazê-lo, querendo, sem custos administrativos o que já não acontece com o milho por exemplo. No nosso caso já temos um instituto, as empresas estão organizadas, os produtores estão organizados toda operação é controlada portanto nós conseguiríamos implementar um sistema desses sem custos” esclareceu.

Ainda sobre o potencial do algodão, que Francisco F. dos Santos diz não ser ouro branco nem petróleo, “é provavelmente o produto de Moçambique e do mundo com maior capacidade de agregação de valor. No mundo, tirando a indústria automóvel, é a indústria que mais gera emprego. Porque temos produção agrícola, processamento primário, fiação, tecelagem, tinturaria, depois a confecção e só depois é que vem os retalhistas, portanto é uma indústria que tem uma capacidade de gerar valor brutal, pelo menos em dez vezes”.
O Administrador do Grupo JFS acredita que “se nós conseguíssemos retomar a indústria têxtil os nossos 40 milhões de dólares de exportação virariam automaticamente 400 milhões, e por isso é que os países que produzem o algodão o protegem ao máximo, financiam o preço ao produtor”.
“Desvalorização da moeda veio ajudar, e muito a produção agrária”
Foto do Instituto do Algodão de Moçambique
O jovem Ferreira dos Santos questiona se existe outro veículo para dinamizar a economia rural do que injectar dinheiro na economia rural e deixou o repto ao Governo de Filipe Nyusi. “Se Moçambique decide agora que o algodão não é pago a 23 meticais mas a 25, pagamos mais 3 meticais sem custos administrativos, não é preciso criar mais uma máquina para gerir fundos e controlar, nós temos tudo isto montado. Porque não fazer, qual é o problema de pagar mais 3 meticais ao produtor de algodão se quem está a comprar pão na cidade se calhar compra a menos 1 metical? Porque é que não fazemos a mesma coisa no meio rural e deixar que a liquidez do mercado traga o desenvolvimento que nós precisamos”.

Para o empresário agrícola o momento até é oportuno pois “esta desvalorização da moeda veio ajudar, e muito a produção agrária. Nós em Moçambique desde 2004 tínhamos uma moeda artificialmente valorizada, entendemos a razão, queremos manter os 30 por cento da população urbana, queremos controlar a inflação para tornar os bens de consumo mais acessíveis, todos nós queremos estar em sociedade urbanas que funcionem e não façam greves, mas isto veio com um custo pesadíssimo, é que retira uma competitividade brutal ao meio rural”.
“Quando assistimos agora a esta desvalorização da moeda houve uma reação muito positiva, porque os produtos subiram todos e trouxe aumento da produção, portanto atenção a questão da moeda”, alerta Francisco F. dos Santos.

Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique

Nenhum comentário:

Postar um comentário