Há tradições que se mantêm, e uma delas é os órgãos de informação prepararem artigos mais longos, por vezes mais intemporais, por regra com mais profundidade, para oferecerem aos seus leitores no fim-de-semana. Não deixou de ser assim mesmo nestes dias em que muita da atenção se deslocou para o online – ou está mesmo totalmente centrada em projectos de informação digitais, como é o caso do Observador. E como essa tradição de mantém, mesmo quando alguns leitores estão mais distraídos, o Macroscópio de hoje vai recuperar algumas peças que me pareceram dignos de nota. Daqueles que não se perde tempo a ler – ganha-se.
Começo pelo Observador – noblesse oblige – e por um texto de João Carlos Fernandes, que é sempre uma delícia ler: A geografia que se esconde sob a língua. O título é algo misterioso, mas as surpresas são muitas num especial onde se fala da ganga dos blue jeans, dos requintes do damasco ou da caxemira, sempre mostrando que “a etimologia está cheia de equívocos geográficos e desvios inesperados”. Vejam este, por exemplo, o da laranja, um citrino vindo da China mas que em muitos países é designado por nomes que invocam Portugal: “A laranja doce foi trazida do Sudeste Asiático sobretudo pelos portugueses, a partir do século XVI e a sua origem chinesa está patente no nome que o fruto recebeu nalgumas regiões europeias: sinaasappel em holandês, appelsin em dinamarquês e norueguês, apelsin em sueco, appelsiini em finlandês, apelsinipuu em estónio, apelsinas em lituano, apelsins em letão, apelsin em russo e ucraniano, apluzina em silesiano. A intermediação portuguesa está patente no nome do fruto em vários dialectos italianos (partugal em emiliano-romagnol, partuàllu em siciliano, purtuallo em napolitano, përtugal em piemontês), romeno (portocala), búlgaro (portokál), ladino (portokal), albanês (portokalli), grego (portokali), turco (portakal), farsi (porthegal) e azeri (portagal). Ou seja, alguns dos povos da bacia mediterrânica e do Médio Oriente que já conheciam a laranja amarga baptizaram a laranja doce com o nome do povo que a trouxe do Oriente”. Curioso, não é? Há mais histórias neste trabalho do Observador.
A minha segunda sugestão continua a ser retirada do Observador e vai para um belo retrato de um jornalista que marcou Portugal, mesmo quando nos esquecemos que é como jornalista que continua a definir-se: Francisco Pinto Balsemão. Trata-se de um perfil escrito por alguém que com ele trabalhou, que o entrevistou, que o conheceu ainda antes de ser jornalista, Maria João Avilez. Em Balsemão, um príncipe do jornalismo. E da política ficamos o conhecer melhor o homem, o jornalista e o político. Que não pára: “Quanto ao mais, a vida segue. E o trabalho também, claro, que nunca abranda e que o charmain do grupo não quer sobretudo que abrande: uns dias apeia-se na SIC, outros, prefere pensar, trabalhar ou reunir no seu escritório da Lapa. Francisco Balsemão continua a jogar golfe, a tocar bateria (às vezes piano), a dançar, a “divertir-se”. Viaja incansavelmente, mima os netos, aprende coisas, descobre outras, retém todas. É isso, a vida continua. E sobretudo, ele também.”
Num registo completamente diferente, e para não exagerar as referências aos Especiais do Observador, uma última referência:Maus tratos no parto. Quem protege as mulheres?, de Cláudia Sebastião, um texto onde se contam histórias duras, que não deviam acontecer. Como esta: “A voz altera-se quando conta o que se passou: “Perguntou-me, a medo, se era normal fazerem-se vários toques depois do parto. Claro que não é normal! Ela não sabia e contou-me a chorar. Tinha sido usada por médicos estagiários. Isto não pode ser!”
Passo agora ao Expresso, onde o artigo que destaco esta semana é o de Miguel Sousa Tavares, cujo título é todo um programa: Como sobreviver sem depender do estado ou do partido, sem ser maçom nem gay e sem estar no facebook? A crónica aborda três temas, sendo que dois deles passaram pelo Macroscópio a semana passada – a demissão de António Lamas por João Soares e a controvérsia em torno do livro de Henrique Raposo sobre o Alentejo. O terceiro tema não foi aqui referido, e é o dos brinquedos para meninos e meninas dos McDonald’s (o Observador também o tratou com detalhe: É pró menino e prá menina. Mas a maioria das vezes eles querem coisas diferentes). Eis como MST introduz essa discussão na sua crónica: “Extraordinária reportagem no “DN”, onde a jornalista especializada (ou melhor, estagnada) no universo gay-lésbico Fernanda Câncio (quem havia de ser?) descobriu que as Happy Meals do McDonald’s faziam discriminação sexual, dando brinquedos diferentes aos rapazes e às raparigas e permitindo-se ainda manter um questionário diferente para ambos os sexos das crianças. Que horror, o McDonald’s permite-se oferecer Transformers aos rapazes e My Little Ponies às meninas, desrespeitando a livre orientação sexual de cada um, que não pode ser presumida nem orientada desta forma homofóbica! Mas isto é admissível? Não, não é, mas felizmente temos a Câncio, autêntica polícia dos novos costumes e guardiã da nova verdade. O seu texto no “DN” é um verdadeiro manual dos novos inquisidores das verdades estabelecidas como tal.”
Já que estamos a falar de opiniões, recomendo que sigam a troca de argumentos entre Rui Ramos, que escreve no Observador, e Vasco Pulido Valente, cronista no Público. Discutem clientelas e dependências:
- Rui Ramos, O sistema de dependência nacional: “O que define o PS, o PCP e o BE não é a preocupação com os “mais desfavorecidos”, mas o facto de serem partidos que fizeram dos dependentes do Estado as suas base de apoio. O orçamento reflecte isso.”
- Vasco Pulido Valente, Uma tradição nacional: “Hoje, atribuir clientelas de Estado ao Bloco e ao PC não parece uma grande contribuição para o debate político.”
- Rui Ramos, Em conversa com Vasco Pulido Valente: “É tentador para os políticos alegar que a maioria dos cidadãos só poderá obter rendimentos e serviços através do Estado, e que bastará votarem nos partidos certos para terem tudo garantido.”
- Vasco Pulido Valente, Em conversa com Rui Ramos: “As pequenas clientelas do concelho ou da administração são agora clientelas de massa em que sobrenadam meia dúzia de “influentes”.”
Para terminar, e porque não me podia limitar a Portugal, um breve salto além fronteiras para mais duas sugestões. A primeira é do El Pais – Cómo vivir con la culpa de haber criado a un hijo asesino de masas – e tem por base o livro autobiográfico escrito por Susan Klebold, mãe do autor da matança de Columbine. Há a meio do texto uma pergunta inquietante, “¿Conocemos (de verdad) a nuestros hijos?”, uma pergunta sem uma verdadeira resposta. Como ela escreve: “He conocido a varias madres de asesinos de masas, y ellas son tan dulces y agradables como cualquiera. Uno sería incapaz de saber, si nos viera juntas en una habitación, qué es lo que tenemos en común.”
A minha última sugestão de hoje vai para um texto de Nouriel Roubini, no Project Syndicate, 2008 Revisited? O economista que previu a grande recessão de 2008 garante que não, não estamos a viver dias semelhantes aos que antecederam a maior crise económica das últimas décadas. Mesmo assim…
The recent episode of global financial market turmoil is likely to be more serious than any period of volatility and risk-off behavior since 2009. This is because there are now at least seven sources of global tail risk, as opposed to the single factors – the eurozone crisis, the Federal Reserve “taper tantrum,” a possible Greek exit from the eurozone, and a hard economic landing in China – that have fueled volatility in recent years.
E por hoje é tudo. Amanhã é o último dia de Presidência do político que mais eleições venceu no Portugal democrático, Cavaco Silva. Talvez seja boa altura para reunir o que de melhor se escreveu sobre o fim de uma era nestes últimos dias. Pelo menos fica a deixa.
Bom descanso, boas leituras, e até amanhã.
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