quarta-feira, 27 de abril de 2016

TANTOS PENSIONISTAS A OCUPAREM O PARTIDO DO ESTADO

Francisco Louçã – Público, opinião

Otema aparece aqui e ali e é sempre um refrão: temos pensionistas a mais e colonizam o partido do Estado (e portanto, argumento OCDE e Comissão Europeia, toca de cortar-lhes nas pensões, as actuais, as futuras, tudo o que vier à rede é peixe), junto com outra malandragem como os desempregados, os polícias, os militares, os professores, as enfermeiras, as médicas, outros funcionários públicos e tutti quanti. Mas os pensionistas são o maior número e vai daí o cisma grisalho, a luta de gerações, a divisão etária, a sobrecarga dos reformados aos ombros dos trabalhadores, que sei eu? Reforma estrutural com essa gente, que o país não pode aguentar mais.
O número de facto seria estarrecedor – 3,6 milhões de pensionistas – mas ainda assim convinha que fosse verdade. Diz o Pordata, ou melhor, dizem vários autores que o Pordata diz tal número (aqui, ou logo gulosamente repetido aqui), só que é mentira.

De facto, não é esse o número do Pordata. O Pordata diz que há 3.627.161 pensões em pagamento (dados de 2014). É muita gente? Parece que sim, só que não são 3.627.161 pensionistas. Basta pensar um segundo e a razão é evidente: é que há muita gente que recebe mais do que uma pensão. Lembram-se do ex-presidente Cavaco Silva? Recebe três e o assunto foi bastante falado. Pois muitos dos pensionistas recebem mais do que uma pensão, cumprindo a lei (como Cavaco Silva cumpre a lei, assinale-se para evitar falsos debates). É o que acontece a quem tem pensão de velhice e, sendo viúva ou viúvo, também tem uma pensão de sobrevivência, mas aplica-se igualmente noutros casos em que há acumulação de pensões (mais uma vez, é o que acontece com Cavaco).

Por isso, em contas mais certas, o The 2015 Ageing Report da Comissão Europeia apresenta um número total de pensionistas que é realista porque informado: 2.552 mil. É só um milhão a menos do que as contas que são tão comuns na imprensa e entre vários autores pouco dados ao estudo. Um milhão a menos é muito engano junto.

Do mesmo modo, se nos disserem que há doze milhões de telemóveis em Portugal, não vamos concluir que há doze milhões de habitantes, pois não? No caso da segurança social, ainda por cima, as contas já foram feitas, o aviso foi dado, mas parece que não foi ouvido por quem tem conveniência argumentativa num número exagerado.

É certo, este número é um problema e são muitas pessoas. Muitas mesmo. Mas não vale a pena fantasiar. Para se pensar sobre o futuro da segurança social (ou do Estado) é preferível conhecer bem o problema e ignorar o preconceito ou o exagero. Já agora, é preferível usar a estatística verdadeira.

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