domingo, 26 de junho de 2016

A MUDANÇA EDUCATIVA EM TIMOR-LESTE – XXVI ENCONTRO DA AULP - 29 junho em Díli

No XXVI Encontro da AULP deve discutir-se a deontologia pedagógica e a mudança educativa em Timor-Leste 

O professor é um dos maiores trunfos da escola e está presente em todos os discursos sobre educação. Independentemente das razões, sejam elas boas ou más, em contexto educacional fala-se sempre do professor.
  
Estas constatações levam-nos à problemática da ética e da deontologia da função docente, e arrastam-nos para o questionamento sobre os conhecimentos e as competências destes profissionais da educação que são determinantes para o desenvolvimento e a dignificação da profissão.  

Em ambas as situações (ética e deontologia do professor; conhecimentos, competências e desenvolvimento profissional) estamos perante questões actuais da maior relevância porque para além do currículo da formação de professores ter múltiplas influências sociais, culturais, políticas e económicas, são notórias e preocupantes as divergências e contradições entre discursos e práticas.  

O Partido Socialista de Timor (PST), um partido político preocupado com as pessoas e com o seu desenvolvimento, gosta de discutir e analisar questões sobre educação. Assim, num momento em que se aproxima o XXVI Encontro da AULP – Associação das Universidades de Língua Portuguesa a realizar em Díli no final do corrente mês, na expectativa de estimular um pensamento crítico em torno da prática deontológica e da formação de professores em Timor-Leste para uma mudança educativa, decidi revisitar e adaptar um texto da minha autoria, escrito há sete anos, publicado no Jornal de Angola, e que também integra uma obra da minha autoria intitulada “Reflexões sobre Educação”. 

Irei partilhar alguns pensamentos mediante a inclusão de conteúdos e referências que possam ser suficientemente esclarecedores dessa finalidade, começando em primeiro lugar pela abordagem de aspectos específicos da ética e da deontologia dos professores. Em seguida, referir-me-ei a estudos internacionais que tratam a problemática inerente ao tipo de conhecimentos obrigatórios para quem deseja exercer a docência, bem como, às competências e ao desenvolvimento profissional desta classe profissional. Por último, em jeito de síntese, farei algumas recomendações aos professores em início de carreira.  

Para enriquecimento da exposição considerei fundamental uma breve revisão de literatura, tendo consultado obras de Reis Monteiro (professor da Universidade de Lisboa), Andy Hargreaves (professor em Administração Educacional no “Centre for Leadership Development do Ontário Institute for Studies in Education”), Carlos Garcia (professor da Universidade de Sevilha), Christopher Day (professor de Educação e Director-Coordenador do “Centre for Teachers and School Development na Universidade de Nottingham”), José Pacheco e Maria Flores (professores da Universidade do Minho) e Michael Fullan (professor da Faculdade de Educação da Universidade de Toronto). 

Como se depreendeu das minhas palavras introdutórias entendo que em qualquer profissão deve existir uma componente ética e deontológica. No campo da educação, como está em causa a pessoa humana, por força de razão, o professor tem que valorizar a dimensão axiológica (filosofia da ética e dos valores). Esta vertente relacionada com a
ética e a deontologia do professor foi objecto de um estudo muito interessante realizado por Monteiro (s.d.).  

Segundo este investigador em educação, o professor tem deveres profissionais «para com o educando», nomeadamente, «não abusar do poder e posição que lhe confere a sua função nem desviá-los dos seus fins (designadamente pela sua comercialização), ser incessantemente competente, respeitar a dignidade, liberdade e diferença (cultural, social e pessoal) de cada educando, sem discriminação alguma, tratando-o sempre como sujeito dos seus direitos e nunca como objecto a moldar à imagem e semelhança dos adultos e da sociedade, ou seja, o professor deve respeitar a privacidade de cada educando, e o seu direito ao silêncio, e guardar sigilo sobre informações confidenciais obtidas na sua relação com os educandos (numa base de confiança), excepto por razões profissionais ou imposição legal». 

Mas, também, permitir e estimular o exercício dos direitos do educando para «promover o desenvolvimento da sua autonomia e responsabilidade, respeitar o direito do educando ao erro (no seu aprender a ser, a conhecer e a fazer), confiar no educando e nas suas possibilidades de ser mais e melhor, ser imparcial, objectivo e aberto à diversidade e ao possível, não impor convicções e opiniões, antes reservar as suas posições mais pessoais, sempre que recomendável, e não ostentar emblemas de qualquer filiação ideológica ou crença, excepto quando for óbvio, notório ou público» (Monteiro, s.d.). 

Na mesma linha de raciocínio, defende o mesmo autor, o professor «deve ser justo, compreensivo e bondoso nos seus juízos e decisões, nomeadamente na avaliação do trabalho dos educandos e no julgamento e sanção das suas infracções disciplinares, não deve aceitar presentes individuais ou colectivos que possam ter como intenção tácita ou como efeito a obtenção de favorecimentos ou ser assim publicamente interpretados, e deve estar “sempre” do lado do educando, designadamente em situações de conflito de deveres e defender a escola pública como instituição democrática para satisfação do direito à educação». 

Os deveres profissionais do professor não se devem restringir aos educandos, devendo ser estendidos aos colegas. O autor já citado tem um pensamento, segundo o qual, qualquer professor deve respeitar as competências, opiniões e trabalho dos colegas e manifestar solidariedade com colegas vítimas de injustiça ou em caso de dificuldades. 

Por outro lado, em relação à profissão, como também preconiza Monteiro, o professor deve cultivar uma elevada concepção da profissão, dignificando a profissão durante e fora do seu exercício, e protegendo a profissão do seu exercício incompetente ou indigno para com a entidade profissional, mostrando competência, dedicação e cooperação crítica, sendo certo que esta postura desejável do professor deve fazer-se sentir também em relação aos pais e encarregados de educação, através da prestação de informações de vária índole, promovendo o diálogo e nunca ter um comportamento em relação às famílias de desautorização pública. 

No que diz respeito à formação de professores, e em concreto para reflectir sobre os tipos de conhecimento praticamente obrigatórios para que o professor cumpra as suas funções educativas com sucesso, decidi “inspirar-me” nas opiniões do autor espanhol (Garcia, 1999) e de dois portugueses (Pacheco e Flores, 1999) que, por sua vez, se basearam em outros autores, nomeadamente, nos estudos de Carlsen (1987), Shulman (1987), Ball (1989), Sockett (1989), Grossman (1990) e Reynolds (1991).  

Segundo estes investigadores, referências obrigatórias em contexto de educação, os tipos de conhecimento a destacar no âmbito da formação de professores devem incluir o «conhecimento psico-pedagógico», o «conhecimento do conteúdo», o «conhecimento didáctico do conteúdo» e o «conhecimento do contexto». 

O «conhecimento psico-pedagógico» relaciona-se com o processo de ensinoaprendizagem (técnicas didácticas, avaliação, etc.), com as teorias do desenvolvimento humano, com a história, sociologia e filosofia da educação, com normativos, etc.
  
O «conhecimento do conteúdo», como a própria expressão indica, é relativo aos conhecimentos, conceitos, definições, etc., mas também aos paradigmas de investigação em cada unidade curricular. O «conhecimento didáctico do conteúdo» faz a combinação entre o conhecimento da matéria a ensinar e o conhecimento pedagógico e didáctico de como a ensinar.  

Repare-se que este tipo de conhecimento (didáctico do conteúdo), principalmente para a investigação em educação assume importância crescente porque conduz-nos à análise e à reflexão em torno de questões como as crenças, atitudes, etc., muito valorizadas no nosso País, e que de certa forma pode ajudar a melhor compreender a tese de que os professores têm temas preferidos e outros de que não gostam de ensinar, uma problemática muito interessante que nos transportaria para o domínio do “currículo oculto” ou “currículo nulo” (aquilo que não se ensina) temáticas muito trabalhadas pelo pedagogo brasileiro Tadeu da Silva.  

Por último, e não menos importante, temos o «conhecimento do contexto» que nos remete para os aspectos ligados às características sociais e culturais da escola e do meio envolvente, nomeadamente conhecimentos sobre os alunos e respectivas famílias, uma preocupação que deve merecer a melhor atenção dos profissionais da educação timorenses devido ao facto de existirem muitas tradições seculares que devem ser mantidas e estudadas. 

Ora bem, os quatro tipos de conhecimento descritos são fundamentais para a competência profissional do professor, mas, até pela dinâmica de tudo o que nos rodeia, é bom não esquecer, há sempre que considerar outras dimensões importantes para que o nosso professor obtenha e desenvolva competências necessárias, à gestão de conflitos, à concepção, execução e avaliação do projecto educativo de escola, e ao diálogo com os chefes de suco / aldeias, pais e encarregados de educação, etc. 
 
Sobre a identificação de competências consideradas imprescindíveis ao exercício da actividade docente, Garcia (1999), baseado em estudos de Lynch (1989), autor que deve ser sempre citado no âmbito do debate sobre formação de professores, destaca algumas competências fundamentais para os professores que não resisto em compartilhar. Por um lado, defende a tese de que o professor «deve desenvolver a integridade intelectual na recolha, utilização e avaliação de uma variedade de evidências como base para o desenvolvimento de juízos». Por outra parte, destaca a importância do professor «desenvolver a competência visual, linguística, estética e imaginativa como base para o diálogo e o discurso em contexto de diversidade intercultural».

Os resultados dos estudos de Lynch são de importância extraordinária porque sugerem que o professor deve desenvolver a sua capacidade de análise política global e de competências práticas tais como a comunicação, resolução de problemas e solução de conflitos, como opina Garcia, para reforçar «o desenvolvimento de valores e atitudes clarificados e reflexivos e suas aplicações como critério para tomar decisões equilibradas e sensíveis». 

Nesta mesma linha de raciocínio do autor, um aspecto muito importante, corolário e exemplificativo do que já referi, passa pela necessidade do professor desenvolver a reflexividade crítica «em relação às imagens dos países considerados subdesenvolvidos e mostradas pelos meios de comunicação social, desenvolvendo competências de tomada de decisões colaborativas e participativas», e acrescento eu, em todas as questões análogas onde se justifica a análise e o pensamento crítico, com intervenção política e social. 

A discussão educacional que proponho nesta reflexão, estrategicamente, dá relevância à deontologia pedagógica e aos tipos de conhecimentos e competências a ter em conta na formação de professores, porquanto, para além de serem assuntos obviamente importantes para o bom exercício da função docente, na minha opinião, também é uma forma eficaz dos professores se “defenderem” das críticas das famílias e da sociedade em geral.  

É minha convicção, se atribuirmos relevância à deontologia pedagógica, as famílias e a sociedade em geral passarão a olhar para o professor como um profissional competente que valoriza a ética e a deontologia pedagógica, e que ao longo de toda a carreira tudo fazem para apostar na renovação e mudança dos seus conhecimentos, no desenvolvimento de competências, na inovação no âmbito do processo de ensinoaprendizagem, portanto, na prática da «reflexão na acção, pela e sobre a acção» (Fullan e Hargreaves, 2001). 
 
Todas estas considerações parecem-me pacíficas e aceitáveis, contudo, apesar de sabermos que em grande parte «o êxito do desenvolvimento da escola depende do êxito do desenvolvimento do professor» (Day, 2001), é bom que todos nós, em particular o Ministério da Educação timorense, tenha consciência de que só haverá uma mudança educativa num quadro de responsabilidade partilhada, onde se incluem professores, família, escola, sociedade em geral e governo. 

Na opinião do Partido Socialista de Timor, estas e outras questões afins, devem ser abordadas com seriedade e determinação pelos governantes do nosso País e pelos académicos timorenses que irão estar presentes no XXVI Encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), a ter lugar no Centro de Convenções, no próximo dia 29 de Junho, em Díli.  

Díli, 25 de Junho de 2016. 

M. Azancot de Menezes (Secretário-Geral do PST)

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