sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Macroscópio – A despedida de Pedro Passos Coelho e o futuro do PSD

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
Pedro Passos Coelho entendeu que, depois do resultado das autárquicas, não se devia candidatar a novo mandato como líder do PSD. E mesmo podendo voltar a ganhar o congresso, anunciou a saída de cena. Chegou pois a altura de discutir o futuro do maior partido da oposição, um debate que pode ser mais fulanizado ou mais programático, mas que deverá estar no centro da política nacional nos próximos meses. Apesar de ainda não haver candidatos oficiais, antes anúncios de desistências (Paulo Rangel, Luís Montenegro), há já bastante reflexão na imprensa. Sobre o legado de Passos e sobre o futuro do PSD. Vamos a isso, mesmo que de forma um pouco esquemática mas aberta.
 
Primeiro, o que já escreveram algumas figuras do PSD, com destaque para três artigos saídos logo na terça-feira no Público:
  • PSD: o partido em que eu acredito, de Paulo Rangel, é o mais interessante de todos. Dir-se-ia mesmo que era já um manifesto de um candidato à liderança, e mesmo tendo passagens que já foram contestadas, num parágrafo sintetizava de forma bastante interessante o que separa o PSD do PS: “O PSD é pela igualdade solidária, o PS é pelo igualitarismo social. O PSD acredita no Estado social que liberta, autonomiza e responsabiliza o cidadão, o PS cultiva o Estado social que o cativa, condiciona e infantiliza. O PSD aposta em que a exigência na educação pode tornar os cidadãos mais iguais, o PS presume que o facilitismo os trata por igual. O PSD acredita que a família e a comunidade devem guiar a educação, o PS insiste em que o Estado deve formatá-la. O PSD quer um SNS capaz e eficiente, o PS quer um SNS gigante e complacente. O PSD visa uma segurança social abrangente e sustentável; o PS recusa pensá-la.”
  • A doença que está a encolher o PSD, de José Pacheco Pereira (que parece que ainda é do PSD), e que criticava os pecados do passismo recorrendo a referências ideológicas algo estranhas mesmo num partido tão eclético. Para ele, no PSD de Passos “A ideia foi parar o elevador social que desde o 25 de Abril existia, mesmo que imperfeitamente na sociedade portuguesa, com o crescimento dos serviços públicos e do Estado social e a criação de uma “classe média” ligada ao Estado.” Pessoalmente não sabia que o PSD alguma vez tivesse defendido a ideia de que o desenvolvimento do país depende de termos uma classe média ligada ao Estado, e até seria capaz de jurar que isso nunca aconteceu, mas o historiador não sou eu.
  • Ser social-democrata em 2017, de Pedro Duarte, é um texto com uma ideia central – “Deixo uma proposta pública aos dirigentes do PSD: a convocação imediata de um Congresso para discutir ideias, projetos, estratégias e políticas. Sem disputa de liderança, nesta primeira fase.” – mas que me pareceu muito confuso, no mínimo, no que respeita a projectos e estratégias.
 
Acrescentar valor, de Pedro Santana Lopes no Correio da Manhã, é o quarto texto a reter de uma figura social-democrata, sendo que nele se deixa uma mensagem algo enigmática, mesmo considerando que está a considerar voltar a candidatar-se à liderança do PSD: “As bases sociais-democratas são tão bem intencionadas que muitas vezes nem se dão conta das jogadas que, em seu nome e com o seu voto, são feitas para as lapas se segurarem. Os partidos não se constroem com lapas e o PSD tem um número considerável dessa espécie. As lapas agarram-se quando lhes interessa e onde julgam que se podem segurar. Podem mudar de um lado para o outro, mas nunca deixam de ser o que são.”
 
Sobre a saída de Pedro Passos Coelho devo destacar alguns balanços, sendo que eles são, de uma forma geral, mais positivos do que negativos. De entre todos destaco um com um conteúdo mais pessoal e que revela também passagens de uma conversa realizada já depois das eleições. Refiro-me à crónica de Maria João Avillez no Observador Elogio não fúnebre, com o seguinte destaque: “Uma decisão destas toma-se sozinho”, disse-me Passos no domingo. O futuro? "Não sei, mas não sou de grandes necessidades". Convites? "É complicado convidar um ex-primeiro-ministro para trabalhar." Quando ao balanço, duas palavras: “As pessoas mais distraídas já não se lembrarão, e há outras que ainda hoje não se lembram mas um dia (a vida é assim, a política também), muitos recordarão aquele tipo decente que com uma equipa e uma boa metade dos portugueses salvou o país de catástrofes várias. Com sobriedade e boas maneiras, ainda para mais.”
 
Mas há mais, e que valem a pena. Eis um apanhado:
  • Passos Coelho, Ulisses e os porcos, de Rui Ramos no Observador: “Por convicção, percurso ou feitio, Passos representa na política portuguesa aqueles que não se querem adaptar ao continuado domínio do governo pelos ex-ministros de António Guterres e de José Sócrates. Por isso, Passos foi tão atacado como Sá Carneiro, que também nunca se conformou com os arranjos oligárquicos do seu tempo. Mas o resto do PSD? Ter-se-á já convencido de que não vale a pena resistir? A caverna de Costa é tão tentadora como a de Circe. Irão mais uma vez os companheiros de Ulisses transformar-se em porcos?
  • O adeus de Passos Coelho, de Helena Garrido também no Observador, uma reflexão sobre como ter sido surpreendido pelo bom funcionamento da geringonça foi fatal para o ainda líder do PSD. De resto, “A história fará justiça a Pedro Passos Coelho. Neste momento ninguém quer saber do futuro e muito menos do passado. Só o presente conta e tem de ser feliz.
  • A política depois de Passos Coelho, de João Marques de Almeida ainda no Observador, uma reflexão sobre como o ex-primeiro-ministro funcionou como contraponto aos nossos hábitos políticos e, ao mesmo tempo, como cimento da geringonça: “Pedro Passos Coelho assusta a oligarquia política nacional, que vai desde o PCP a sectores do PSD, porque tem uma visão para o nosso país diferente daquela que foi construída desde a década de 1980.”
  • Pedro Passos Coelho sai de cena, de Ricardo Arroja no Eco, um texto onde recorda o muito que divergiu de algumas opções de Passos, para mesmo assim fazer um balanço muito positivo da sua difícil liderança e acabar com um ponto que considero relevante: “Não me recordo de alguma vez o ter visto a ser grosseiro ou ostensivamente indelicado com os seus adversários (coisa que, infelizmente, não posso afirmar do actual primeiro ministro). É precisamente pelo facto de a política também se fazer da forma, e não apenas da substância, que não posso deixar de enaltecer a gentileza de trato e um certo cavalheirismo sempre que os vislumbro. Ora, a verdade é que os vislumbrei em Passos Coelho. No mundo da política, este é o maior tributo que lhe posso prestar.”
  • Pedro Passos Coelho há de ter o lugar que merece, de Joana Petiz no Diário de Notícias: “Pedro Passos Coelho tirou Portugal do fundo do abismo para o qual tinha sido atirado. Foi ele o responsável por nos carregar pelo caminho de pedras que nos trouxe de novo à superfície. Foi ele quem tomou as decisões mais difíceis, quem fez as escolhas mais impopulares, quem não vacilou por saber que não havia outra solução.”
  • O erro de calendário do PSD, uma análise de Ricardo Costa no Expresso Diário (paywall) sobre o que correu mal a Passos depois de ter deixado de ser primeiro-ministro: “Passos Coelho é um político corajoso, determinado e que pensa pela sua cabeça. Mas essas virtudes foram fatais quando se transformaram numa espécie de autossuficiência. Há estratégias que funcionam quando se está no poder mas não podem ser replicadas na oposição. E há estratégias que só funcionam quando se tem uma base sólida de popularidade e uma equipa profissional à volta. Quando as condições são adversas, um simples erro de calendário pode ser fatal.”
 
Sobre o futuro do PSD, eis algumas análises, alguns desejos e alguns vaticínios:
  • Direita – essa palavra maldita, uma reflexão muito ácida de João Miguel Tavares no Público, pois não gostou nada de ler os três textos de figuras do PSD no Público que já citei atrás: “Basta ler três dias de opiniões de militantes do PSD para percebermos que António Costa já ganhou o próximo congresso dos sociais-democratas. As palavras que Passos Coelho antes usava agora queimam: “direita”, nunca mais; “liberal”, só em doses homeopáticas.”
  • Por um PSD que não é de esquerda é o desejo de Mário Amorim Lopes num texto no Observador onde se recordam as origens históricas dos conceitos de direita e esquerda (na Revolução Francesa), para concluir que “Precisamos de uma direita moderna, liberal, democrática e burguesa, que represente os homens e as mulheres que não vivem do Estado nem para o Estado. Precisamos de uma direita que não seja de esquerda.”
  • Tempos interessantes para a direita, uma crónica de Maria João Marques também no Observador que não se desvia muito dessa mesma linha: “Faria bem ao PSD escolher personagens não cinzentas, novas, que conheçam mais o país que a bolha do partido. Gente que saiba fazer oposição de forma aguerrida e sinta prazer por ir à cara à esquerda.” 
  • Santana e o bom senso, uma reflexão de Henrique Monteiro no Expresso Diário (paywall) onde elogia, certamente para surpresa de muitos, a evolução de Santana Lopes, considerando que, “Perante a atual crise do PSD Santana terá sido simultaneamente o mais verdadeiro e o mais prático. Não interessa recolher apoios de centenas de barões, são os militantes que votam (...); é óbvio que está a ponderar candidatar-se à liderança (...). [Mas] Aposto que Santana, por muito que pondere, não se vai meter naquele saco de gatos que vai ser o PSD nos próximos tempos.”
  • Rui Rio e o piscar de olho do bloco central, a análise de Daniel Oliveira, também no Expresso Diário (paywall), a uma possível liderança do antigo autarca do Porto, sendo que prevê: “duas linhas de ação só aparentemente contraditórias: um conjunto de propostas demagógicas sobre o sistema político e funcionamento dos órgãos de soberania (...) e uma aproximação ao velho bloco central”.
 
Guardei para o fim um curto vídeo de opinião, que eu próprio gravei no Observador – O velho PSD procura um António Costa laranja? – e onde noto que Rui Rio tem 60 anos, Ângelo Correia 72 e Ferreira Leite 76, pelo que “a política portuguesa às vezes cheira a mofo porque os partidos têm uma enorme dificuldade de renovação". Também defendo que os sociais-democratas não devem procurar um líder à imagem de Costa, até porque Portugal precisa de alternativas, não de alternâncias.
 
E por hoje é tudo. Desejo-vos um bom fim-de-semana, e aproveitem que, pelo menos aqui por Portugal Continental o tempo continua quente e agradável. Ao menos isso (se nos esquecermos da seca, claro está).

 
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