sábado, 6 de junho de 2020

Devemos pedir aos nossos párocos que reabram as igrejas?

O inimaginável: as igrejas de Roma fechadas pela primeira vez em dois mil anos!
Padre David Francisquini
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 834, Junho/2020
Pergunta — Diante das limitações de contato social impostas a propósito da pandemia do coronavírus, pergunto ao ilustre sacerdote se a atitude radical de se fechar as igrejas pode ser considerada correta. Compreendo que devemos evitar aglomerações, é claro; mas é incompreensível, pelo menos para mim, impedir que possamos fazer nossas orações nas igrejas. O que ensina a doutrina católica a respeito? Devemos procurar nossos párocos, para conseguir que eles reabram as igrejas?
Resposta — Eu espero que, ao ser publicada esta resposta, já tenha sido superada a crise sanitária provocada pelo coronavírus — chamado por muitos de “vírus chinês”, pela irresponsabilidade com a qual os ditadores comunistas reagiram ao seu surto — e o Brasil não tenha sido empurrado para uma crise econômica e social ainda pior que a atual. No entanto, não é seguro confiar nessa possibilidade, e é possível que dentro de algumas semanas as igrejas ainda estejam fechadas, com as celebrações litúrgicas públicas proibidas pelas autoridades eclesiásticas, como estiveram durante a Semana Santa, pela primeira vez desde a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo!
No assunto levantado por nosso missivista, os católicos têm-se dividido em três grupos: os que consideram exclusivamente humano o combate ao vírus, não tendo a parte sobrenatural nenhum papel a desempenhar (para esses, os milagres seriam meras superstições); os que desaprovam as restrições à abertura das igrejas e ao culto público, porém com base apenas no fato de as celebrações litúrgicas favorecerem a solidariedade horizontal, útil nas horas difíceis; e finalmente os católicos com verdadeira fé, para os quais o principal da luta contra as epidemias e os contágios se desenvolve no Céu, diante do trono da Divina Majestade.
Para estes últimos — entre os quais me inscrevo — a crise do coronavírus não é principalmente um desafio sanitário, mas também um teste de fidelidade aos valores mais transcendentes da religião, da civilização e da humanidade. É por isso que têm sido merecidamente aplaudidos no mundo inteiro os esforços, por vezes heroicos, envidados pelos médicos e pelo pessoal sanitário. Movidos por um dever moral, e enfrentando o perigo de contágio, esses profissionais impõem às suas próprias consciências a obrigação de se devotarem aos doentes. De sua atitude emerge o reconhecimento implícito da existência de princípios morais superiores e objetivos, que devem orientar a vida dos homens e plasmar a vida social e as instituições públicas.
Desafio que vincula a saúde física à saúde moral
Dois sacerdotes rezam a Via Sacra na solidão da igreja vazia
A vida em sociedade, a partir da vida de família, não visa apenas proporcionar bens de índole material ou temporal, mas principalmente acrescentar a esses os bens superiores, com primazia aos que se relacionam com a religião.
Desde as primeiras manifestações do coronavírus, o que mais se tem destacado é a saúde. Mas esta palavra provém do latim salus, e significa saúde em seu sentido sanitário, tanto como salvação no sentido religioso. Ambos os significados são muito interconectados, como salientou o bispo de Trieste, Dom Gianpaolo Crepaldi, ao lembrar que nos indivíduos e nas sociedades o desafio à saúde física está estreitamente ligado ao desafio à saúde moral. Portanto, a resposta ao coronavírus não pode ser apenas técnico-científica, deve ser também moral e religiosa.
Sob esse ponto de vista, o Cardeal Raymond Leo Burke deu preciosas indicações, que fornecem as bases para uma resposta bem calibrada à pergunta do nosso missivista. Disse o purpurado que “certamente agimos bem, aprendendo e empregando todos os meios naturais para nos defendermos do contágio”, desde que tais meios não nos impeçam de obter aquilo de que “necessitamos para viver; por exemplo, o acesso a alimentos, água e medicamentos”. Mas acrescenta que, “ao avaliar o que nos é necessário para viver, não devemos nos esquecer de que nossa primeira consideração é o nosso relacionamento com Deus”; nem esquecer também que “nossa arma mais eficaz, portanto, é o nosso relacionamento com Jesus Cristo Nosso Senhor, por meio da oração e da penitência, de devoções particulares e da Sagrada Liturgia”.
Assim sendo, “nos é essencial a todo momento, e principalmente em tempos de crise, ter acesso às nossas igrejas e capelas, aos Sacramentos, às devoções e orações públicas”. É também necessário rejeitar a “tendência de ver a oração, os atos de devoção e o culto como outra atividade qualquer […] não essencial, podendo portanto ser cancelada a fim de se tomar precauções para conter a propagação de um contágio mortal”.
Pelo contrário, “a oração, os atos de devoção e o culto, e acima de tudo a Confissão e a Santa Missa, são essenciais para permanecermos saudáveis ​​e fortes espiritualmente, e para buscarmos a ajuda de Deus em um momento de grande perigo para todos. Portanto não podemos aceitar indiscriminadamente as determinações de governos civis, que tratariam o culto a Deus da mesma maneira que a ida a um restaurante ou a uma competição atlética”.
Necessidade de rezar e render culto nas igrejas
Família assiste pela televisão aos atos de Semana Santa
Numa atitude radicalmente oposta à assumida pela maioria dos bispos no mundo inteiro, o Cardeal Burke proclamou com energia que “nós, bispos e sacerdotes, precisamos reivindicar publicamente a necessidade para os católicos de orar e render culto em igrejas e capelas, seguir em procissão pelas ruas e caminhos, pedindo a bênção de Deus para Seu povo que sofre tão intensamente. Precisamos insistir em que os regulamentos do Estado, para o próprio bem do Estado, reconheçam a devida importância dos locais de culto”.
Tendo em vista as circunstâncias especiais da crise sanitária, insiste o prelado que “devemos poder oferecer mais oportunidades para a Santa Missa e devoções das quais vários fiéis possam participar, sem violar as precauções necessárias para evitar a propagação do contágio. Muitas de nossas igrejas e capelas são muito grandes, portanto permitem que um grupo de fiéis se reúna para rezar e adorar sem violar os requisitos de ‘distância social’. O confessionário, com a tela tradicional, é geralmente equipado com um véu fino; e se não o tem, ele pode facilmente ser colocado, além de ser tratado com desinfetante, para que o acesso ao Sacramento da Confissão seja possível sem grandes dificuldades nem o risco de transmissão do vírus”.
Queixando-se das restrições impostas pelos bispos aos fiéis — por vezes, antecipando-se às autoridades civis e impondo regras mais estritas do que as decretadas por elas — Dom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão, declarou que “esses bispos reagiram mais como burocratas civis do que como pastores. Ao concentrarem-se exclusivamente em todas as medidas de proteção higiênica, perderam a visão sobrenatural e abandonaram a primazia do bem eterno das almas. […] Poderiam ser asseguradas nas igrejas as mesmas medidas de proteção higiênica, e até melhores”. E pode-se também “limitar o número de participantes, compensando tal limitação com o aumento do número de Missas diárias”.
A lei suprema na Igreja é a salvação das almas
Haveria mecanismos fáceis para se ministrar o Sacramento da Confissão sem grandes dificuldades nem risco de transmissão do vírus
Alguns bispos norte-americanos chegaram ao cúmulo de proibir seus sacerdotes de ouvir os fiéis em confissão! Diante de decretos episcopais desse naipe, Dom Schneider asseverou que “se um sacerdote observar razoavelmente todas as precauções sanitárias necessárias e for discreto, não deve obedecer às diretrizes de seu bispo ou do governo quanto a suspender a Missa para os fiéis. Tais diretrizes são leis puramente humanas; no entanto, a lei suprema na Igreja é a salvação das almas”. E advertiu também que “Cristo não deu ao bispo o poder de proibir um sacerdote de visitar os doentes e os moribundos”. Quando a isso, convém ressaltar que quando há um impasse entre obedecer a autoridade sanitária e cumprir as obrigações graves derivadas da cura de almas, devemos antes obedecer a Deus do que aos homens. Nosso Senhor Jesus Cristo nos deu um exemplo luminoso ficando em Jerusalém sem o conhecimento dos seus pais. Sendo indagado, respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” (Lc 2,49).
Para Dom Athanasius, não basta garantir a atenção pastoral dos fiéis, cumpre também honrar a Deus e implorar a sua proteção; e mais ainda, pedir o fim da praga: “poder-se-ia recomendar aos bispos e aos sacerdotes que percorressem regularmente as suas cidades, vilas e aldeias com o Santíssimo Sacramento no ostensório, acompanhados por um pequeno número de clérigos ou fiéis (um, dois ou três), de acordo com os regulamentos do governo”.
Muitas autoridades religiosas não julgam a situação sob o ponto de vista da vida eterna. Segundo Dom Giulio Meiattini (monge beneditino da abadia Madonna della Scala – em Noci, Itália – e professor no Ateneu pontifício Santo Anselmo, em Roma), o mais triste é que “os homens de Igreja esqueceram que a graça de Deus vale mais que a vida presente. Por isso fecham-se as igrejas, e nos alinhamos segundo os critérios sanitários e higiênicos. A Igreja é assim transformada em agência sanitária, em vez de lugar de salvação. […] Achar que é possível escapar [do coronavírus] apenas com a ciência humana é fechar as portas à ajuda de Deus. É confiar no homem, em vez de confiar em Deus”.
Aumentar os atos de piedade por ocasião das pestes
O jesuíta São Francisco Régis intercede pelas vítimas da peste em Toulouse, no ano de 1616 – Etienne Parrocel, 1739. Museu dos Agostinianos, Toulouse, França.
Como se deve pedir o auxílio de Deus, para deter uma pandemia? O meio mais poderoso é sem dúvida a Santa Missa, que renova de maneira incruenta o Sacrifício da Cruz, e aplicar seus frutos às nossas necessidades e às almas do Purgatório. Por isso a celebração pública da Missa e as procissões eucarísticas jamais foram interrompidas durante as pestes e as guerras. Pelo contrário, foram aumentadas, respeitando-se obviamente as determinações sanitárias.
Concluo minha resposta endossando o comentário feito no início da crise por Dom Pascal Rolland, bispo da Diocese de Bellay-Ars: “Devemos nos lembrar de que em situações muito mais graves — aquelas das grandes pragas do passado, quando os meios sanitários não eram os de hoje — as populações cristãs ilustravam-se por manifestações de oração coletiva, bem como pelo socorro aos doentes, assistência aos moribundos e sepultura aos defuntos. Em resumo, os discípulos de Cristo nem se afastavam de Deus nem se escondiam de seus semelhantes. Muito pelo contrário!”.
Quanto à iniciativa de procurar os párocos para conseguir deles a abertura das igrejas aos fiéis, os paroquianos têm esse direito, e nos parecem suficientes os argumentos que acima apresentamos.
Nas calamidades, o que se deve fazer é imitar Nossa Senhora, que permaneceu de pé junto à Cruz, no alto do Calvário.
ABIM

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