domingo, 14 de maio de 2017

OPINIÃO Os partidos devem ser respeitados pelos seus líderes

São José Almeida
O que se passou no PS-Porto não é uma falta de dignidade partidária e um tiro no pé do próprio PS.

O secretário-geral do PS, António Costa, é o principal responsável pela trapalhada que se passou e passa no PS-Porto e será o primeiro derrotado por um mau resultado eleitoral que os socialistas venham a sofrer naquele concelho. Por mais que a gestão corrente do partido esteja delegada na sua secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendonça Mendes, é ele o líder. Tem assim o dever de saber o que acontece e salvaguardar a credibilidade do PS. E foi António Costa quem deixou prolongar-se a palhaçada das pseudo negociações com Rui Moreira.

A autonomia das estruturas partidárias é de saudar. Mas isso não é tolerar o regabofe. E nenhuma autonomia de estruturas permite agora vir dizer que a responsabilidade da trapalhada do PS-Porto recai apenas sobre os ombros de Manuel Pizarro. Se bem que ele vá ser a principal vítima partidária da vergonhaça e possa acabar até por ser afastado da liderança da federação.

Espíritos mais conspirativos pensarão que se tratou apenas de uma mal sucedida tentativa de o PS fazer uma espécie de OPA hostil sobre um movimento independente, do tipo: apoiamos este que já lá está e depois tomamos conta das listas e da câmara. Tal afigura-se, em minha opinião, uma manobra demasiado espertalhaça para ser jogada por um político como António Costa. O líder do PS não é um ingénuo. Duvido que tenha pensado que podia engolir um movimento de cidadãos como o que suporta Rui Moreira e, por maioria de razão, o próprio Rui Moreira.

Nas democracias liberais, os partidos ainda são as estruturas representativas que medeiam e filtram a relação dos cidadãos com as instituições e o poder político. A pressão da demagogia e do populismo tem sido imensa. E tem campeado o mito de que é possível substituir a delegação da representação política por uma espécie de democracia participativa que dá a palavra e a decisão a todos.

É certo que a internet possibilita uma massa exponencial de informação e que o modo de comunicar está a anos-luz do que era a política feita em reuniões de secção. Mas isso não significa que a representatividade política possa ser gerida como uma rede social, nem que os partidos devam negar a sua própria natureza, transfigurando-se em instituições híbridas que tentam assimilar a ligação comunicacional directa do tipo da que existe nos movimentos de cidadãos.

São hoje evidentes os sinais do risco que comporta essa tentativa de transfiguração dos partidos. Basta pensar nos efeitos de experiências “modernaças”, como a realização de primárias, em que os militantes são equiparados aos eleitores em geral. Veja-se o que aconteceu ao PSF.

É provável que – até já dentro de uma década - as formas de representatividade política mudem e até que os partidos venham a desaparecer. Assim como nada garante que a democracia tal como a conhecemos hoje perdure. Mas nada do que acontece hoje na Europa democrática indicia que esse desaparecimento seja já um facto.

Por mais que haja sinais de desgaste e de degradação, como é o caso do PSOE em Espanha ou dos dois principais partidos franceses (PSF e Os Republicanos), a fórmula partido pode perpetuar-se ainda com novas formações. E, por agora, continuam a ser os partidos que têm a função vital de mediação e representação das pessoas em relação ao poder político. Por maioria de razão em Portugal, onde só são permitidas candidaturas ao Parlamento apresentadas por partidos.

Era bom que os líderes e dirigentes percebessem que não defender a dignidade das suas instituições partidárias – e até faltar-lhes ao respeito -, assim como ceder a experiências de tipo populista, são factores de descredibilização não apenas dos próprios partidos, mas das instituições políticas e de si mesmo enquanto políticos.

Daí que o que se passou e passa no PS-Porto não é apenas uma trapalhada que falta ao respeito dos eleitores em geral. É uma falta de dignidade partidária e um tiro no pé do próprio PS, que António Costa - tão hábil a negociar e tão perspicaz a antecipar-se politicamente - tinha a obrigação de ter previsto e evitado.

Fonte: Público

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