quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Todos precisam de um psicólogo?


Certa vez, estava eu em sala de aula ainda na graduação em psicologia, quando questionaram ao meu professor: “Todas as pessoas  precisam de um psicólogo?”  e a resposta foi: Não. Mas todos merecem um.
Concluí a faculdade,  porém  nunca entendi de fato o que ele quis dizer com esta afirmação. Porque pra mim, sempre foi uma necessidade se consultar com um. Assim que comecei os meus trabalhos em  clínica, estas palavras começaram a tomar forma. Comecei a sentir o seu significado.
Se por um lado entendi que não seria uma necessidade mas sim uma oportunidade. Do outro, entendo que esta diferença poderia explicar o fato de o paciente ter que fazer um investimento em  si mesmo, o que muitas vezes resulta no sentimento do não merecimento. O não se sentir “merecedor” do olhar do outro.  E por fim, negamos veemente esta ajuda  que neste caso se materializaria na figura do psicólogo.

Diante desse pensamento eu começo a explicar do meu modo singular  o papel deste profissional na vida de seus pacientes.Não pretendo fechar este assunto, mas ampliar os seus sentidos, pois, ser psicólogo é um caminho percorrido sempre no plural. E para ilustrar esse pensamento quero trazer duas figuras que nos representam. Sancho Pança eVirgílio.
Sancho Pança é um personagem do livro Don Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes. Atua como um personagem contraste ao personagem principal, o próprio Dom Quixote.Enquanto Quixote é sonhador e fantasioso, Sancho Pança é realista e sério. Na medida em que o relato avança, Sancho, aos poucos, vai aceitando os "delírios" do cavaleiro de quem é o fiel escudeiro. Sancho Pança decidiu acompanhar Dom Quixote após este ter prometido que lhe daria a governação de uma ilha. Apesar de entender que é um delírio, mas aceita o caminho junto a Don Quixote.
Mesmo pobre, continua fiel a Dom Quixote como ditado dos cavaleiros (um cavaleiro nunca foge a uma luta) e Sancho nunca fugiu de Dom Quixote. Nunca lhe faltava ao respeito, sendo sempre fiel. Normalmente andava em cima de um burro, junto de Dom Quixote que andava em cima do seu cavalo: o Rocinante umas das evidências do contraste dos personagens. Sancho Pança era gordo e baixo.
Uma das partes que eu mais gosto desse livro é quando Don Quixote vai lutar contra os gigantes e Sancho Pança tenta avisá-lo que os gigantes são na realidade moinhos de vento, mas Don Quixote explica para Sancho que os gigantes se disfarçam de moinho de vento. Nesse momento Sancho entende que não seria possível trazê-lo a realidade naquele momento e assim faz uma escolha de acompanhar Don Quixote em sua fantasia. E assim eles atacam os gigantes, ou melhor, os moinhos de vento.
O que chama a atenção seria que Sancho Pança vai entendendo e vai entrando cada vez mais nas alucinações de seu amigo e conforme ele vai acompanhando vai ajudando seu amigo Don Quixote a sair desse mundo de fantasias e onipotências.
O psicólogo, no meu entendimento, tem esse papel, ele precisa entrar e caminhar com seus pacientes e muitas vezes acreditar quando ninguém acredita, entender seu papel e contrastes, de chamar seu paciente para a realidade, pois não lutaremos com os gigantes, mas não podemos deixar nossos pacientes sozinhos com eles, então os acompanhamos.
Virgílio teve uma influência ampla e profunda na literatura ocidental, mais notavelmente na Divina Comédia de Dante, em que Virgílio aparece como guia de Dante pelo inferno e purgatório. Dante leu Virgílio, ele se influenciou pela sua escrita e escolheu esse poeta para ser seu guia no inferno.
Quando falamos de Virgílio no conto de Dante uma das imagens que eu adoro nesse livro é quando Dante pergunta para Virgílio porque ele não o ajudaria a combater os demônios e Virgílio responde que não poderia, pois ele era apenas um espírito e estava ali apenas para acompanhá-lo.
Para concluir esse pensamento gostaria que entendessem estas  metáforas e caminhassem comigo por esses dois personagens que para mim representam o ser psicólogo.
Eles são dois acompanhantes que querem trazer seus pacientes para vida, mas estão de mãos atadas, pois na busca da autonomia de seus pacientes não podem lutar por eles, mas estes estão dispostos a lutar com os gigantes e descer ao inferno com eles. Seus objetivos são o de não deixá-los sozinhos.
Os resultados não são sempre positivos, mas precisam entender que podem contar com seus acompanhantes e merecem um espaço onde podem reviver e dar um novo sentido para esses momentos.
Nem todos precisam de um psicólogo, mas todos merecem ter um acompanhante, um escudeiro e um sábio para ajudá-los.
Psicólogo, apenas por hoje.
Daniel Frank
Psicólogo Clínico

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