sexta-feira, 5 de junho de 2020

São Francisco de Caracciolo, confessor


Relicário de prata que contém parte dos restos mortais do santo (1843). (Tesouro da Catedral de Nápoles).

Várias congregações religiosas combateram a heresia protestante e os efeitos perniciosos do Renascimento. Entre elas a Ordem dos Clérigos Regulares Mínimos, fundada por São Francisco de Caracciolo, cuja festividade é celebrada neste dia 4 de julho.

Plinio Maria Solimeo

Em Vila Santa Maria, no reino de Nápoles, nasceu no dia 13 de outubro de 1563 este santo, que recebeu no batismo o nome de Ascânio. Era o terceiro dos quatro filhos de Ferrante Caracciolo, príncipe de San Buono, e de sua esposa Isabella Barattuci. Nobre e rica, a família Caracciolo celebrizou-se pelos cardeais, bispos, guerreiros e governadores que deu à pátria.

Desde pequeno Ascânio se destacou por suma gentileza, retidão de caráter, amor à penitência, terna devoção à Santíssima Virgem e amor aos pobres. Tão logo aprendeu a ler, passou a rezar diariamente o Pequeno Ofício de Nossa Senhora e o Terço. Usava o escapulário do Carmo e jejuava aos sábados em honra da Mãe de Deus.

Na adolescência, para evitar a ociosidade e vencer a concupiscência da carne, dedicava-se à caça e a outros exercícios corporais. Dedicava-se também a socorrer os pobres e necessitados com o que lhe dava o pai, e privava-se da melhor parte dos seus alimentos em favor deles.

Vocação religiosa
Casa natal de São Francisco Caracciolo. Villa Santa Maria, província de Chieti, Abruzzo (Itália).

Ainda não tinha escolhido seu estado de vida religiosa quando contraiu, aos 22 anos, uma violenta lepra que lhe causou uma chaga no estômago e pôs sua vida em risco. Sentiu então quão frágil e efêmera é a vida, e pensou na eternidade, prometendo a Nosso Senhor que consagraria a Ele o resto de seus dias se fosse curado. Esse era o consentimento divino, pois a cura se operou com tanta prontidão e eficácia, que não lhe restou qualquer marca da mortal doença.

O jovem comunicou então aos pais a sua resolução, e de posse de sua parte da herança paterna distribuiu-a aos pobres. Viajou a cavalo para Nápoles, a fim de estudar teologia. Nos seus tempos livres, vestido com o hábito eclesiástico, visitava as igrejas menos frequentadas para entregar-se mais facilmente à oração. Em 1587, ajudado por sua brilhante inteligência e aplicação, foi ordenado sacerdote.

Havia então em Nápoles a benemérita confraria Companhia dos Penitentes Brancos da Justiça, que tinha como principal missão preparar para a morte os condenados, auxiliar espiritual e materialmente os cativos e os condenados às galés, e evangelizar os pobres, os necessitados e os doentes nos hospitais. Em seu processo de canonização consta que ele curou muitos, fazendo o Sinal da Cruz em suas frontes.

Ascânio sentia que ainda não encontrara completamente a sua verdadeira vocação, e suplicava muito a Deus que o fizesse conhecê-la.

Providencial encontro
Escudo de Armas da Família Caracciolo.

Num dia do ano de 1588, Ascânio recebeu uma carta que mudaria sua vida. Era enviada pelo abade de Santa Maria Maior de Nápoles, Pe. Fabrício Caracciolo (não sabemos se era seu parente), e pelo nobre genovês João Agostinho de Adorno. Nela os signatários o convidavam a ir à residência do primeiro, para tratar de importante negócio. Lá o santo encontrou o Pe. Adorno, pertencente a uma ilustre família genovesa. Ele havia abandonado o mundo a fim de fundar uma Ordem religiosa que unisse a vida ativa à contemplativa, e cooperasse para a consolidação e difusão da fé católica segundo os novos princípios elaborados pelo Concílio de Trento, concluído em 1563.

O mais extraordinário é que a carta fora dirigida a outro destinatário homônimo do santo, e entregue a este por engano. Os três sacerdotes viram nisso a mão da Providência, especialmente porque Ascânio se interessou muito pelo projeto e quis dele participar, julgando ser o caminho indicado pela Providência para o cumprimento de sua verdadeira vocação.

Ascânio e Agostinho se dirigiram então à Camáldula de Nápoles a fim de amadurecerem o projeto no recolhimento e na oração. E para alcançar as bênçãos de Deus, estabeleceram entre si um turno de penitências, de maneira que enquanto um jejuava a pão e água, o outro tomava a disciplina. Surgiram assim, para maior glória da Igreja, os Clérigos Regulares Menores.

Além da vida contemplativa e ativa, e dos três votos usuais de obediência, pobreza e castidade, a nova congregação tinha o quarto voto de nunca seus membros poderem aspirar às dignidades eclesiásticas fora da Ordem, nem procurá-las dentro dela. Deveriam erigir colégios para a educação da juventude e eremitérios para seus membros chamados à vida contemplativa.
Profissão dos votos dos padres Francisco Caracciolo e Agostinho de Adorno ante o Vigário geral da Diocese de Nápoles – Pedro Rodríguez de Miranda (1696–1766). Museu do Prado, Madri.

Aprovação da Ordem

Quando os Clérigos Regulares Menores completaram o número de 12, Ascânio e Agostinho se dirigiram a Roma para tentar sua aprovação. Enquanto aguardavam, o primeiro dedicou-se a peregrinar de basílica em basílica, mendigando nas portas dos conventos e dormindo com um leproso na portaria dos Capuchinhos.

Ao recebê-los, Xisto V (1521-1590), grande amigo de São Felipe Neri e de Santo Inácio de Loyola, ficou agradavelmente surpreso pela prodigiosa sabedoria, piedade e prudência do mais jovem, Ascânio, então com 25 anos. Com a doçura e amabilidade que o caracterizavam, encomendou a uma comissão de três cardeais, que ele mesmo nomeou, o exame do projeto da nova Ordem religiosa. Apenas dois meses depois, e contra toda esperança, no dia 1º de julho de 1588 o Sumo Pontífice expediu a bula criando a Ordem dos Clérigos Regulares Menores.

De retorno a Nápoles, obtiveram o uso do oratório “dos Brancos”, onde fizeram a profissão religiosa no dia 9 de abril de 1589. Por devoção ao Poverello de Assis, Ascânio passou a chamar-se Francisco. Os dois fundadores encontraram logo muitos seguidores. Quando o número deles foi suficiente, deram início à adoração perpétua do Santíssimo Sacramento, feita em turnos.

Dificuldades na Espanha
Retrato de Felipe II – Alonso Sánchez Coello, 1573. Museu do Prado, Madri.

Em setembro de 1591 — depois de ter transferido sua Ordem para a igreja napolitana de Santa Maria Maior, e vê-la confirmada pelo Papa Gregório XIV — falecia em odor de santidade, com apenas 40 anos, o Pe. João Agostinho Adorno, sendo substituído na condição de Superior Geral pelo Pe. Francisco, eleito por unanimidade.

Em 1594 ele viajou à Espanha para fundar a primeira Casa de sua Ordem nesse país, dedicada ao glorioso patriarca São José. Mas encontrou tanto ódio dos inimigos de Deus, que foram baldadas diversas tentativas. Recorreu então ao rei Felipe II, que ficou impressionado com o santo, e contra o parecer de seu Conselho Real ratificou a fundação, autorizando a permanência dos religiosos no país.

Posteriormente Felipe III quis obter as dignidades episcopais para o santo. Quando este se dirigia ao magnífico Palácio do Escorial para falar com o soberano espanhol, teve de parar na estrada devido a uma terrível dor na perna, que o impedia de andar. Apareceu então um jovem a cavalo, que se ofereceu para acompanhá-lo levando-o na garupa. Quando chegaram ao destino, o santo voltou-se para agradecer ao benfeitor, mas tanto ele quanto seu cavalo tinham desaparecido.

Mais tarde, no início do ano de 1600, acompanhado de quatro confrades, São Francisco de Caracciolo voltaria novamente à Espanha para fundar em Valladolid uma Casa e um colégio de estudos junto à Universidade de Alcalá. Em 1604 regressou à Itália, na qualidade de Visitador Delegado.

Caçador de almas
Estátua de São Francisco de Caracciolo na Basílica de São Pedro

No caminho de volta, o santo teve de passar por sua terra natal, onde foi objeto da admiração de seus conterrâneos, que se ajoelhavam à sua passagem e lhe osculavam as mãos. Confuso com essa prova de estima, ele foi à praça principal da cidade; empunhando um crucifixo, pediu perdão a todos pelo mau exemplo que tinha dado na juventude.

Sua Ordem obteve depois a igreja de Santa Inês, em Nápoles. No novo convento anexo, o fundador escolheu para si, por humildade, um pequeno e incômodo vão debaixo da escada, no qual entrava frequentemente em êxtase. Lá o encontraram enviados do Papa Paulo V, e o episcopado que lhe ofereceram foi rejeitado.

Seu amor de Deus era tão contagiante, e tamanha a sua solicitude pela conversão dos pecadores, que o chamavam de “caçador de almas”. Era infatigável em ouvir confissões, ensinar o catecismo às crianças e pregar as verdades eternas aos fiéis.

Como todo homem de Deus, foi objeto de muitas calúnias, que ele enfrentava com espírito sobrenatural.
Algumas relíquias do santo estão também na igreja de São Lourenço in Lucina, Roma

Andiamo al cielo

No ano de 1608, São Francisco de Caracciolo foi à Santa Casa de Loreto, em peregrinação com o Irmão Antônio, religioso teatino. Lá chegando, exclamou: “Aqui é o lugar de meu repouso”. Ao passar a noite em oração, viu-se de repente rodeado por uma claridade celeste. Apareceu-lhe então Agostinho Adorno, resplandecente de luz, dizendo: “Caríssimo irmão, sou o mensageiro de Maria para dizer-te da parte dessa bondosa Mãe que Ela cobre amorosamente nossa família com seu manto, convertendo-se desde já em sua Protetora e Advogada. Deu-me Ela outro encargo: de dizer-te que, dentro de poucos dias, serás chamado à bem-aventurança eterna”.

De Loreto ele partiu para Agnone, convidado pelos padres do Oratório que, pensando em unir-se aos Clérigos Regulares Menores, lhe haviam pedido que abrisse uma casa junto à sua igreja da Anunciata.

Lá o santo foi acometido por uma febre, que se tornou cada vez mais alta. Após receber de joelhos o Viático, entrou em agonia e repetiu com voz forte: “Andiamo, andiamo al cielo, al cielo”. Faleceu no dia 4 de junho de 1608, aos 44 anos. Três dias depois fizeram a autópsia de seu corpo, e em torno de seu coração encontraram impressas estas palavras: “O zelo de tua casa me consome”.

Francisco de Caracciolo foi beatificado por Clemente XIV em 10 de setembro de 1769, e canonizado por Pio VII em 27 de maio de 1807. Não sabemos os motivos que o levaram a ser escolhido, em 1838, como padroeiro da Associação dos Cozinheiros e Chefs italianos.

O Martirológio Romano diz desse santo: “Em Agnone, no Abruzzo, São Francisco, da nobre família napolitana dos Caracciolo, confessor, fundador da Congregação dos Clérigos Regulares Menores, que vivia abrasado de admirável caridade para com o próximo, e de ardentíssimo zelo pela propagação do culto à Sagrada Eucaristia. Foi inscrito no cânon dos Santos pelo Sumo Pontífice Pio VII. O corpo foi trasladado para Nápoles, na Campânia, onde é objeto de grande veneração”.

ABIM
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Obras consultadas:
– Francesco Paoli, St. Francis Caracciolo, “The Catholic Encyclopedia”, CD Room edition.
– San Francesco Caracciolo Sacerdote http://www.santiebeati.it/dettaglio/55750

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