quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Igreja gloriosa e Igreja miserabilista

 

  • Plinio Maria Solimeo

Em sua liturgia, em seus cânticos, nos paramentos, em seus objetos de culto, enfim, em tudo a Igreja se esmerava em representar algo que remetesse ao divino e ao celeste. Isso representava um intuito dela até o Concílio Vaticano II. Tanto quanto possível o Corpo Místico de Cristo procurava refletir a glória do Céu na Terra.

Procurava a Santa Igreja de Cristo mostrar ao humilde transeunte neste Vale de Lágrimas, um vislumbre do que o esperava na eterna Pátria celeste. Mas infelizmente ela foi se despojando de tudo o que representava de glória e de esplendor para se tornar uma Igreja miserabilista [foto], conformando-se com a decadência geral que se abateu sobre o mundo.

Eis um texto transcrito de reunião feita pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a seus discípulos sobre uma canonização assistida por ele na Basílica de São Pedro. Estou certo, dará uma ideia da grandeza sobrenatural que a Igreja Católica manifestava nos seus momentos de glória:

“Começa a cerimônia de canonização. Tocam os sinos da Basílica de São Pedro — sinos de bronze, com categoria e majestade. Tocam lentamente, mas deles saem vibrações que criam a impressão de que vão mover as estrelas e o mundo. Em certo momento, todo o carrilhão está tocando. Quando os sinos param, ouve-se de longe o som das trombetas.

São as duzentas ou trezentas trombetas de prata desenhadas por Michelangelo que anunciam o cortejo do Papa que vem chegando. As portas de bronze da igreja de São Pedro se abrem, e começa a entrar o cortejo. O Papa vinha na Sedia Gestatória [foto], toda de marfim, com incrustações de prata. E ao seu lado, dignitários carregando flabelli, os leques de pluma enormes, a Guarda Nobre com couraça, a Guarda Suíça e a Guarda Palatina.

Um cortejo lindíssimo, mas também longuíssimo pois, pelo protocolo da Igreja, os inferiores vêm na frente, e os superiores atrás. Primeiro, eclesiásticos de uma ordem menor. Depois, os superiores gerais das Ordens religiosas. Em seguida, o famoso papa negro — quer dizer, o superior geral dos jesuítas. Encerrando, os Bispos, Arcebispos e Cardeais. Por fim, entrava na Basílica o Papa sob uma tempestade de aplausos. O povo se ajoelhava.

Nisto, no alto da cúpula da igreja de São Pedro, onde há uma frisa, ouve-se um coro majestoso que canta: “Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam, et portae inferi non praevalebunt adversus eam” (“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela”). Isto, mais os sinos, mais as trombetas, mais o coro, mais os aplausos do povo, o Papa muito ereto, e dando a bênção de um lado e do outro, formava um espetáculo inesquecível, uma coisa extraordinária.

Vista da cerimônia de canonização de Santa Joana de Valois assistida pelo Prof. Plinio no Vaticano

Quando o Papa passou pela tribuna do corpo diplomático, ajoelhamo-nos. Os diplomatas não católicos, como o nosso vizinho egípcio, faziam uma profunda vênia como diante de um monarca que passa. O Papa — alto, esguio, com as mãos muito brancas, compridas, pareciam de marfim — desce da Sedia Gestatória, vai de tiara ao seu trono, e senta-se. Começa a Missa, que se desenrola com pompa.

Chegado o momento da Consagração, o Papa levanta-se do trono, vai até o altar da Confissão debaixo das colunas de Bernini [foto abaixo], depõe a tiara, coloca a mitra, tira-a em seguida, e assiste à Consagração de cabeça descoberta. Nesse momento, da frisa da cúpula de São Pedro, as trombetas de prata tocam.

A impressão era de um toque de anjos tocando no Céu. Pude notar lágrimas que escorriam dos olhos do embaixador do Egito. Ele não estava chorando, mas lacrimejando abundantemente. Eu desviei o rosto para ele se sentir à vontade, e não observado. No fim da Missa o Papa se volta, e dá a bênção do povo. Nova explosão de alegria e toque de fanfarras”.

Paramos aqui o relato do Prof. Plinio.

A sedia gestatória do Papa Pio VII, atualmente em exposição no Palácio de Versailles

Voltemos agora os olhos para os tristes dias que correm. O papado, como dissemos, sobretudo depois do Concílio Vaticano II, foi se despojando uma por uma de suas antigas grandezas. Comecemos pela Sedia Gestatória [foto ao lado], que tão bem manifestava o alto grau da importância do Doce Cristo na Terra que nela se sentava. Tinha se incorporado tão bem à vida da Igreja, que um cortejo papal ficaria pobre sem ela.

O último Papa a usá-la foi João Paulo I, por ocasião do início de seu pontificado. Posteriormente ele a abandonou, deixando aos seus sucessores o direito de decidir ou não pela sua reintrodução, o que nunca foi feito. Veio depois a vez da Tiara [foto abaixo] , essa tríplice coroa que tem como um de seus significados que o Sumo Pontífice é o Pai dos ReisPastor do Mundo, e Vigário de Cristo.

A partir do século VIII ela passou a ser usada pelo Papa em sua coroação e ocasiões solenes. Entretanto, esse altíssimo símbolo do Papado foi simplesmente abolido no dia 3 de novembro de 1964 por Paulo VI, numa demagógica doação de seu ouro e prata aos pobres de Roma.

Os Flabelli — elegantes leques — [foto ao lado] tiveram uma origem muito corriqueira como a de afastar insetos da Hóstia Consagrada, foram depois adicionados ao cortejo pontifício, aumentando seu esplendor. Depois do Vaticano II foram também abolidos, bem como as trombetas de prata praticamente não se ouviram mais tocar. O majestoso coro da Capela Sistina foi reduzido a um mínimo.

E a Guarda Nobre? [foto abaixo à direita] Formada por Pio VII em 1801, essa guarda pessoal do Papa tinha um recrutamento voluntário entre os membros das famílias nobres italianas. Não tinham soldo, embora recebessem uma compensação pelo uniforme que envergavam. Foi também o Papa Paulo VI que, em 1970, a aboliu, fazendo esse gesto pouco louvável à Igreja.

Coube também a esse Pontífice suprimir, ao mesmo tempo, a Guarda Palatina [foto abaixo à esquerda] , uma das forças de segurança do Vaticano que serviam ao Papa. Sua grande glória ocorreu em 1943, quando a Alemanha nazista ocupava Roma, e a Guarda Palatina foi encarregada de proteger o Vaticano e suas várias propriedades.

Em mais de uma ocasião este serviço acabou resultando em violentos confrontos com a polícia da Itália fascista, aliada dos alemães. Essa Guarda era formada sobretudo por lojistas romanos e empregados de escritório, e era um dos adornos dos cortejos papais. Resta apenas — por quanto tempo? — a Guarda Suíça, [foto no final] formada em 1506, e responsável pela segurança do Papa. Hoje constitui as forças armadas da Cidade do Vaticano.

Hoje. O Papa Francisco foi quem mais demoliu a Igreja de seus ornamentos, tanto em suas vestes quanto nos inúmeros adornos que a enriqueciam, como a Estola pontifícia, de veludo com bordados a ouro, que os Papas usavam como símbolo supremo do sacerdócio e submissão a Deus. Ele também deixou de lado a moseta — manto curto vermelho de veludo com borlas de arminho, colocado sobre os ombros, simbolizando a autoridade espiritual — assim como o chapéu e os sapatos vermelhos.

Para a dessacralização da Igreja, o Papa Francisco tem concorrido muito com o seu modo de ser e de agir vulgar, que o levou a não habitar, como todos os Papas anteriores, no Palácio Apostólico, preferindo viver como um bispo comum na residência de Santa Marta, que serve de hospedagem aos eclesiásticos de passagem por Roma.

Para não falar em toda desfiguração da liturgia, principalmente a da Missa, que foi despojada de todo significado transcendental, para hoje se transformar numa desordem em que cada sacerdote improvisa, a seu bel prazer, segundo sua imaginação ou falta dela. Tudo isso nos leva a ter uma pálida ideia do tombo que houve de Pio XII para cá.

Uma cerimônia da Igreja de hoje dificilmente será capaz de emocionar um muçulmano, levando-o a lacrimejar, como no cenário descrito acima. Que a Santíssima Virgem, Mãe da Igreja e nossa, tenha pena dela, e a faça ressurgir como nos tempos de seu maior esplendor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário