terça-feira, 17 de outubro de 2017

Macroscópio – Enquanto o fumo dos fogos não se dissipa, regresso a um Orçamento de Estado

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
A chuva que caiu ontem e, sobretudo, esta noite ajudou a apagar os fogos que, desde domingo, devastavam o país. Mas não apagou a controvérsia política nem o debate sobre o que deve ser feito na floresta, na protecção civil e, naturalmente, no Governo – se é que alguma coisa vai acontecer no Governo. No entretanto, na noite de sexta para sábado, foi entregue na Assembleia da República o Orçamento do Estado para 2018. Apesar de a discussão sobre o documento ter sido algo abafada quer pela antecipação de muitas medidas, quer pelo resto da actualidade, mesmo assim há já suficiente informação e reflexão que importa registar.
 
Primeiro, como é habitual a informação. No Observador há mais de 45 artigos só dos últimos três dias, que pode encontrar aqui. Das mudanças no IRS às medidas que incidirão sobre as batatas fritas, passando pelos ministérios que mais ganham e mais perdem, podem lá encontrar tudo.
 
Ainda no domínio da informação, destaco dois apanhados mais macroeconómicos, o escrito no Observador por Nuno Martins, Orçamento do próximo ano deixa fatura pesada para 2019, e o do Público, de Sérgio Aníbal, Economia deixou o Governo alargar um pouco o cinto.
 
Passando a um registo mais analítico, o meu destaque vai para um trabalho de fundo de Helena Garrido, Um Orçamento com facturas a prazo. É um trabalho que se divide em cinco partes – a Prestações sociais em altaMais funcionários, a mesma despesa?Os combates pela eficiência na despesaMenos ou mais impostos?Mais despesa difícil de cortar – e do qual destaco a seguinte passagem: “Estima-se que o Estado tenha cerca de 550 mil funcionários – não há certezas – e o ministro das Finanças afirmou, na conferência de imprensa de apresentação do Orçamento, que 80% deles devem ser abrangidos pela medida das progressões nas carreiras. A ausência de estatísticas sobre o número de funcionários públicos e o facto de o Ministério das Finanças não ter controlo sobre a concretização desta medida elevam o risco de se estar perante uma despesa bastante superior aos 600 milhões previstos – valor total que só sairá dos cofres do Estado na sua totalidade em 2020”.
 
Igualmente importante a entrevista que Daniel Bessa, que chegou a ser ministro de António Guterres, deu ao Público: "Com este crescimento eu teria, no mínimo, um défice zero". Nela o economista considera que “Continuamos a gerir mal o risco. Vieram-me perguntar o que fazia se tivesse de conduzir o orçamento. Eu acho que com o crescimento que a economia está a ter, no mínimo, no mínimo eu tinha défice zero. Mais, em vez do zero eu propunha 0.5% de excedente.” E à pergunta dos jornalistas sobre se pegava no excedente de mil milhões deste ano e o aplicava na redução do défice, respondeu com frontalidade: “Sim. Isso é que daria ao mundo um sinal de que os dez milhões de senhoras e cavalheiros deste país estão preocupados com este problema e, de uma vez por todas, resolveram dar-lhe uma resposta.” Mas há mais nesta entrevista, nomeadamente sobre o tema do crescimento que estamos a ter, de onde vem ele e para onde vai, ou pode ir.
 

Já no que respeita aos textos de opinião, estes ainda não são muito numerosos, mas mesmo assim suficientes para vos proporcionar perspectivas variadas. Isso mesmo sucede com o primeiro bloco de opinião que vos sugiro, aquele que o Observador reuniu em 5 opiniões rápidas para ler o Orçamento. Pequenas passagens das observações de cinco autores diferentes, e também com opiniões por vezes contrastantes:
  • José Manuel Fernandes, Um Orçamento do “partido do Estado” com os olhos nas eleições de 2019: “Num momento em que devíamos estar a aproveitar a folga que, apesar de tudo, um crescimento económico menos anémico permite, estamos de novo a comprometer o futuro, a criar mais encargos que terão de ser suportados mesmo quando esse crescimento não existir, a voltar a enredar-nos nas armadilhas despesistas de sempre.”
  • Luís Aguiar-Conraria, Um orçamento difícil de criticar: “Grande parte da descida do IRS de 2018 vai-se repercutir em maiores devoluções em 2019 que será também o ano em que os funcionários públicos mais beneficiarão com o descongelamento de carreiras. Dado que haverá eleições legislativas em Outubro desse ano, fico com a ideia de que o PCP e o BE estão apostados em garantir uma maioria absoluta ao PS. Não é possível desejar melhores aliados políticos.
  • Inês Domingos, Um página e meia sobre empresas e empresários: O Governo proclama que quer reduzir a carga fiscal em 2018 em 0,2% do PIB, coisa que por sinal prometeu no ano passado mas não cumpriu. O problema é que essa redução está desequilibrada, sem cuidar das empresas, dos trabalhadores por conta própria e dos pequenos empresários.
  • Pedro Pita Barros, Um Orçamento com menos riscos: “A outra pergunta crucial nas discussões sobre o Orçamento do Estado é se ajuda ou não ao crescimento económico de longo prazo (...). É difícil responder, pois dependerá da capacidade de realização de investimento reprodutivo, sobretudo pelo sector privado. E o crescimento registado em 2016 e em 2017 (...) não indicia ainda que se esteja a dar um salto de produtividade.
  • Jorge Costa, Não há consolidação orçamental e o Estado está de novo na engorda: “Em 2018, estaremos com um excedente orçamental (primário, sem juros) de 2,3% do PIB e em 2015 estávamos com um excedente orçamental primário de 2,2% do PIB. Em 2018, estaremos com uma despesa estrutural primária igual a 41,3% do PIB, em 2015 estávamos com 41,4%. Em 2018, estaremos com uma receita estrutural de 43,6% do PIB, em 2015 estávamos com 43,6%.”
 

Passemos agora a outros textos de opinião organizados por órgão de informação, seguindo o mesmo critério minimalista de citar uma curta passagem de cada um deles:

Público
  • Que Mário Centeno não nos caia em cima, de Vítor Costa: “Parece fácil imaginar Mário Centeno, bem lá em cima, a caminhar sobre uma fina corda e a equilibrar sem grande esforço as exigências orçamentais de um lado e as pretensões dos partidos que apoiam o Governo do outro. Mas assusta.”
  • Não é alquimia — é política, de Luís Teles de Morais: “A ótima surpresa no crescimento deste ano é decisiva para permitir uma refeição mais rica à mesa do Orçamento. Mesmo se o Governo, correcta e prudentemente, prevê uma quebra de 0,4 p.p. no crescimento para o ano que vem, o efeito base originado por um PIB bastante superior ao previsto em 2017 permite uma despesa (real, pois a inflação pouco se alterou nos cenários) superior em 2018.”
Observador
  • “Pacta sunt servanda”, de Maria Antónia Torres: “Não é criticável em si mesmo o alívio fiscal para alguns dos escalões do IRS. Contudo, o imposto mantém uma híper-progressividade inaceitável. Isto significa que um incremento dos rendimentos é sempre acompanhado por uma percentagem de aumento no valor dos impostos devidos muito superior. A título de exemplo, dependendo dos valores em questão e dos escalões aplicáveis, o rendimento pode duplicar e a fatura fiscal correspondente quintuplicar. Dificilmente se pode encontrar algum argumento de justiça fiscal que suporte este nível de híper progressividade, que não encontra comparável em mais nenhum país da Europa.
Jornal online Eco
  • Isto é tudo muito bonito. Mas depois como é que se paga?, de Paulo Ferreira: “Temos, basicamente, a repetição da fórmula: aumento estrutural da despesa que é paga, em grande parte, com receitas conjunturais ou extraordinárias. Não está em causa se o IRS deve ser reduzido – sim, deve, tal como o IRC e outros impostos -, se as carreiras na função pública devem ser retomadas ou se as pensões devem ser aumentadas, sobretudo as miseráveis pensões mais baixas. O que está em causa, agora como no passado, é se o Estado e a economia podem suportar esses encargos de forma continuada, sem sobressaltos e sem hipotecar as condições competitivas e para a criação de riqueza no futuro. É que a generalidade dos aumentos de despesa ficam para os próximos anos e serão muito difíceis de reverter, como se viu no período da troika.”
  • Um orçamento com mais Estado na economia, de Ricardo Arroja: “No meio desta confusão e da falta de nexo entre as medidas, Portugal seguirá navegando à bolina até ao dia em que o vento deixar de soprar a favor. Nessa altura, o défice voltará a aumentar e a dívida provavelmente também. É o que dá meter mais Estado numa economia frágil como a portuguesa: quando a conjuntura é boa, faz-se de modo tranquilo; quando a conjuntura fica adversa é um ‘vê se te avias’. Cristaliza-se a despesa. Num país como o nosso, que precisa de andar depressa para apanhar os outros, dispensar-se-ia um maior peso do Estado. Mas, face às perspectivas de há seis meses, é precisamente isso que o OE2018 faz.”
  • Um orçamento “business unfriendly”, de António Costa: “O mais ideológico dos orçamentos cumpre os mínimos obrigatórios à luz de Bruxelas e das agências de rating, mas é "business unfriendly".
  • Um orçamento de consolidação nominal e não estrutural, de Joaquim Miranda Sarmento: “A economia portuguesa está presa por quatro “grandes arames”: primeiro, a política monetária expansionista do BCE; segundo, um crescimento moderado das economias Europeias; terceiro, o baixo preço do petróleo; quarto, um efeito de crescimento do turismo (embora outros setores estejam também a crescer, o turismo sustenta parte considerável do crescimento).”
  • A quadratura do círculo?, de Ricardo Santos: “Mário Centeno apresentou ontem um Orçamento perfeito e descobriu a quadratura do circulo? Infelizmente não. A prova do algodão está nas estimativas do saldo estrutural que o próprio Governo apresenta.”
  • Um Orçamento à Homer Simpson, de Pedro Sousa Carvalho: “O crescimento da economia deu ao Governo uma folga de mil milhões de euros. Tinha duas opções: 1. A primeira seria seguir o conselho de Daniel Bessa: “Com este crescimento eu teria, no mínimo, um défice zero”, o que nos ajudaria a pagar a dívida que o economista calcula que levará 500 anos a pagar; 2. A outra via seria agarrar no dinheiro e distribui-lo aos pensionistas, funcionários e contribuintes. O Governo optou pela segunda via e propôs dar qualquer coisa como 500 milhões. O PCP e o Bloco optaram pela terceira via, que é dar ainda mais dinheiro, reduzindo a zero a tal margem dos mil milhões. Faz lembrar aquela outra frase dos Simpson: “Existem três maneiras de fazer as coisas: a maneira certa, a maneira errada, e a minha maneira, que é igual à errada, só que mais depressa”.”
Jornal de Negócios
  • Uma oportunidade perdida, de Bruno Faria Lopes: “A questão está, então, em analisar como se usa a margem: se a despesa sobe sobretudo para melhorar os serviços para onde se canaliza uma colecta recorde de impostos (...); se sobe para responder a problemas graves (saúde, florestas, etc.); se a política orçamental faz alguma coisa pelo crescimento da economia além do imediato. Vendo os três orçamentos em conjunto, infelizmente, percebe-se que a margem é tendencialmente gasta noutros objectivos, de natureza mais eleitoralista. Este Orçamento cheira, por isso, ao mesmo que os anteriores: a oportunidade perdida.”
  • Como se não houvesse amanhã, de Tiago Freire: “O Orçamento do Estado para 2018 é um bom Orçamento do Estado para 2018. O único problema é que depois de 2018 vem 2019, 2020 e por aí fora. O futuro, às vezes, é uma chatice.”
  • O Orçamento da extrema-esquerda deixa-nos nas mãos da sorte, de Camilo Lourenço: “Moral da história: o défice nominal de 2018 desce? Sim. A dívida vai cair? Vai. Mas em termos estruturais ficamos mais expostos às variações do ciclo. É o resultado de passar a mão pelo pelo dos funcionários públicos, beneficiários de prestações sociais e famílias de baixos rendimentos.
Jornal i
  • O Orçamento Geral do Estado corporativo, de António Pinho Cardão: Diversas corporações fazem--se ouvir no Ministério das Finanças, e a todas o ministro dando resposta, o Orçamento deixa de ser do Estado para ser o Orçamento do Estado corporativo. De imediato apoiado pelos media, que fomentam à exaustão análises corporativas para todos os gostos: a do funcionário sobre os aumentos salariais, a do sindicalista sobre os seus efeitos nas negociações dos acordos coletivos, a do deputado sobre os fundos afetos ao seu círculo, a do autarca sobre as verbas que não recebe, a do burocrata, pelas magras dotações do seu serviço e pelas regalias que não obteve (...).”
 
Como veem há opiniões diferenciadas e não entrámos em discussões mais particulares (como, por exemplo, a relativa à taxação dos recibos verdes). Espero que, mesmo continuando nós todos com a cabeça nos incêndios, este Macroscópio tenha ajudado a que não nos esqueçamos que o Orçamento é sempre o mais importante e definidor documento político de qualquer governo. O 2018 não foge a essa regra.
 
Despeço-me com votos de bom descanso e boas leituras. 
 
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