domingo, 6 de dezembro de 2015

O mundo em que vivemos

O que estamos vendo em torno de nós? As manchetes dos jornais assustam. Embaixadas são incendiadas, terroristas agem em toda parte, tropas se confrontam em muitas terras, a economia se descontrola, circunstâncias imprevisíveis levam empresas sólidas à falência, sistemas e valores entram em colapso, instituições tradicionais como a Igreja e a Família são violentamente abaladas, teóricos pregam o fim da História. Não faltam as vozes pessimistas que apregoam o abismo, o caos, o fim do mundo.

Não podemos desconsiderar os perigos reais que nos cercam: desastres nucleares, o buraco na camada de ozónio, a quebra da cadeia biológica pela extinção de muitas espécies. Se a velocidade da destruição da natureza não se inverter, é possível que se atinja um ponto de ameaça à sobrevivência do homem na Terra. Ao lado dos problemas descritos, contudo, surgem evidências da emersão de novos potenciais bem no meio da destruição e da decadência: a descoberta de fontes alternativas de energia menos danosa ao meio ambiente; o estabelecimento de novas relações geopolíticas; a expansão dos meios de comunicação; a instalação de novos métodos de manufactura, com máquinas realizando o trabalho mecânico e alienante; a estruturação de novas formas de relacionamento familiar, novas ideias, novas classificações, novos conceitos. Os velhos modos de pensar, as fórmulas antigas e antigas ideologias, por mais úteis que tenham sido às sociedades do passado, não mais se adaptam aos factos actuam.

Se olharmos o momento em que vivemos sob a óptica da revelação espírita, teremos motivos para desafiar o pessimismo que prevalece actualmente e concluiremos que o desespero e a desesperança são atitudes injustificadas. Segundo os Espíritos, são inúmeros os mundos habitados no Universo e podemos distribuí-los nas seguintes classificações: primitivos, de expiação e provas, de regeneração, ditosos, celestes ou divinos.¹

A Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e provas, mas deverá, no próximo milénio, passar para a classe dos mundos de regeneração. A vida nestes últimos não é acentuadamente diferente da que conhecemos, uma vez que os habitantes deles estão ainda sujeitos às leis que regem a matéria e experimentam como nós sensações e desejos, o que impede a vivência da perfeita felicidade. Mas, entre eles, o egoísmo e o orgulho não têm a predominância que observamos aqui e isso gera equidade nas relações sociais e, consequentemente, uma vida mais amena e tranquila.

A transição de uma categoria de mundo para a outra não se processa sem abalos. Há um momento em que o antigo e o novo se confrontam, estabelecendo a desordem e uma aparência de caos. Estamos vivendo esse momento e precisamos saber o que faz parte do antigo e o que constitui o novo, para podermos colaborar decisivamente na construção da realidade nova com que sonhamos. Para ter esse discernimento, precisamos de muita atenção e cuidadosa observação, já que muitas coisas apresentadas como inovadoras podem ser disfarces de um passado que se recusa a ceder lugar ao que é verdadeiramente renovador.

A sociedade do mundo de regeneração já está, pois, emergindo em nossas vidas. Ela traz consigo novos estilos de família, novos modos de trabalhar, de amar e de viver, uma nova economia; novos conflitos políticos; uma consciência renovada. Muitas pessoas já conseguem assimilar o novo ritmo enquanto que outras, temerosas diante do desconhecido, agarram-se ao passado e tentam reestruturar modelos antigos.

Como espíritas, somos chamados a contribuir para a construção dessa nova sociedade. Aceitar ou não o chamamento depende exclusivamente de nós, da consciência que tenhamos do momento que estamos vivendo e da importância da nossa contribuição, como também da quantidade de energia que estejamos dispostos a investir no trabalho necessário.

É preciso começar pela percepção de que toda sociedade tem regras e princípios que permeiam suas actividades. Se essas regras e princípios se apoiarem no respeito às leis divinas, a sociedade tenderá a corresponder aos anseios naturais do homem, resultando em uma estrutura que propiciará o crescimento de todos. Caso contrário, ao desrespeitar as leis naturais, as instituições sociais passam a reprimir o homem, criam privilégios e excepções, geram a violência e inibem o verdadeiro progresso. Cabe-nos, quando nos dispomos ao trabalho de contribuir para a construção de uma nova sociedade, buscar o conhecimento das leis naturais e reflectir sobre a sociedade em que vivemos, sobre a nossa posição nessa sociedade e sobre a acção que precisamos empreender.

Além disso, precisamos estar cientes de que o conjunto formado pela sociedade gera limites à actuação individual. Como ensinou John Lock:

"E, assim, cada indivíduo, ao consentir com os outros em formar um corpo político com um governo, coloca-se a si próprio sob a obrigação em relação a todos os outros membros dessa sociedade de se submeter à determinação da maioria e de aceitar suas decisões. Caso contrário, esse pacto original, pelo qual ele e os outros formam uma sociedade, não significaria nada, e não seria um pacto se ele permanecesse tão livre e tão sem obrigações quanto quando se encontrava no estado de Natureza

Respeitar o pacto que está em vigor, agindo para que o esclarecimento traga ao conjunto a possibilidade de novas determinações e, por conseguinte, de estabelecimento de alterações à vida do conjunto, eis o que se pode propor.

Fica claro então que o projecto de uma organização social que respeite as leis naturais deve realizar-se primeiramente pela educação dos indivíduos que compõem essa colectividade. Kardec aponta esse fato quando, ao analisar as aristocracias, afirma que o progresso pode determinar a redução considerável do comportamento vicioso, fazendo com que ele seja uma excepção, à medida que cada homem se eduque.³ Em vários pontos dos ensinos espíritas, percebemos esse cuidado em destacar o carácter individualizante da proposta educadora da Doutrina. Não há, pois, a intenção de se criar um movimento à semelhança dos sistemas religiosos, que já se estabeleceram na Terra com base no Cristianismo, que actuavam pela criação de um padrão de comportamento e imposição dogmática desse padrão aos adeptos, forçando-os a uma atitude de religiosidade apenas aparente, que não resistia à pressão dos impulsos ainda existentes na intimidade dessas criaturas. A História mostra que a hipocrisia institucionalizada foi o resultado dessa acção.

A acção espírita será a de difusão do conhecimento, para que o desenvolvimento de uma nova forma de entender a vida possa criar uma nova maneira de estar no mundo. O progresso do conjunto resultará do crescimento de cada um. "(...)a vulgarização universal do Espiritismo dará em resultado, necessariamente, uma elevação sensível do nível moral da actualidade."4

Se queremos actuar verdadeiramente, auxiliando o advento do Mundo de Regeneração, trabalhemos pela divulgação das ideias espíritas, corrigindo as distorções no rumo do movimento que abraçamos, a fim de que os condicionamentos adquiridos em outros arraiais religiosos não venham a contaminar nossa acção, pela intromissão de atitudes dogmáticas e intolerantes. Não nos cabe julgar o companheiro que está ao nosso lado, nem limitar as suas possibilidades de escolha livre dos seus caminhos, mas sim ajudá-lo a encontrar, na luz do esclarecimento espírita, as razões das suas mazelas de hoje, a fim de que possa construir sua própria felicidade futura. Ao mesmo tempo, cabe-nos desafiar o pensamento pessimista desta época, mantendo o coração cheio de esperança e fé e a mente aberta para o aprendizado novo. Isso significa que precisamos educar-nos pelo esforço do auto-conhecimento e pelo desenvolvimento de um projecto consistente de reformulação interior. Tudo isso irá reflectir-se beneficamente no conjunto em que estamos inseridos, melhorando as relações dentro da família e da colectividade. Reconheçamos com Emmanuel que "(...) ninguém é tão indigente que não possa concorrer para o progresso comum e tomemos com firmeza o lugar que nos compete no edifício da harmonia geral, distribuindo fragmentos de nós mesmos, no culto da fraternidade bem vivida".

Dalva Silva Souza

1. KARDEC, Allan. “O Evangelho segundo o Espiritismo”. 112ª ed. Rio de Janeiro: FEB, cap. III.
2. REZENDE, António. “Curso de Filosofia”. 6ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda 1986, cap.6.
3. KARDEC, Allan. “Obras Póstumas”. 26ª ed. Rio de Janeiro, FEB. 1978. As Aristocracias.

4. Idem, ibidem.

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