segunda-feira, 2 de maio de 2016

"O ambiente é de escravidão". Denúncias no Call Center da PT Empresas

“Há falta de legislação para esta realidade. Depois a que há não é cumprida”, salienta Sindicato de Trabalhadores de Call Center.

© Reuters
Ordenados baixos, excesso de trabalho e pressão psicológica. Os termos não são novos quando falamos de call centers. Mas no serviço de atendimento telefónico da PT Empresas, que tem na Randstad a sua parceira, há também queixas de discriminação entre trabalhadores e descrições de um ambiente de trabalho desgastante que dificulta o serviço.
“Estimado cliente, não fique aborrecido se tiver de reclamar dez vezes a mesma situação. Se quisermos resolver-lhe o problema de facto, provavelmente temos de gastar umas horas com o seu processo e isso não nos é possível”.
“Estão sempre a dizer que vamos ser despedidos e há quem se despeça por pressão”, conta-nos uma das trabalhadoras. O “ambiente é de escravidão” e “se fizermos uma queixa, provavelmente vão-nos prejudicar”.
Os objetivos como 'arma de arremessso'
A queixa chegou à redação do Notícias ao Minuto via e-mail com um pedido: a não divulgação do nome, por receio. Quando começamos a fazer perguntas as denúncias multiplicam-se. Uma, duas, três, quatro vozes distintas, com histórias semelhantes e o mesmo pedido de anonimato. Uma pequena ‘caixa de Pandora’ foi-se abrindo aos nossos ouvidos.
Da parte da Randstad, Pedro Empis, Diretor Comercial de Outsourcing, diz-nos que ​“não foi recebida qualquer queixa relativa a este ou outros serviços na PT”. Já Danilo Moreira, presidente do Sindicato de Trabalhadores de Call Center tem outra resposta quando lhe perguntamos se o Sindicato recebeu queixas envolvendo este serviço.
“Sim, já. Em novembro já recebemos algumas queixas relacionadas com a PT Empresas, nomeadamente da PT no Areeiro”, em Lisboa. As denúncias são relacionadas muitas vezes com questões contratuais. “Em Évora também havia trabalhadores preocupados com a situação laboral”. Mas na capital a pressão psicológica é queixa comum.
“Estão sempre a dizer que vamos ser despedidos e há quem se despeça por pressão”, conta-nos uma das trabalhadoras. O “ambiente é de escravidão” e “se fizermos uma queixa, provavelmente vão-nos prejudicar”.
Os objetivos como 'arma de arremessso'
Por padrão, os call centers contam com ordenados baixos de base. O dinheiro extra ao fim do mês chega quando os objetivos são cumpridos. Na PT Empresas, as reclamações são atribuídas automaticamente por ordem de antiguidade. “É-nos exigido 1,7 de processos tratados e fechados por hora”, o que quer dizer que há cerca meia hora para resolver uma questão de um cliente. Se a dúvida for complexa, o tempo não chega, a pressão vai aumentar e o ordenado continuará mirrado.
As queixas não ficam por aqui: entre os supervisores há quem faça escolhas em função das amizades. “Escolhem as pessoas a quem dão os pedidos”. Quem já antes tenha protestado por algo, terá mais dificuldades. Pelo meio, sucedem-se casos de ‘roubos’ de casos tratados. Como o sistema informático é partilhado, há pedidos cumpridos que são atribuídos a outra pessoa e não a quem o cumpriu
Por vezes as regras mudam “da noite para o dia”. O que quer dizer que as dificuldades para fechar um pedido, precisamente o que poderia dar mais uns euros ao final do mês, tornam-se (ainda) maiores de um momento para o outro. Mas à terceira denúncia anónima, e de voz já arrastada, contam-nos que também já aconteceu ao final de oito horas de trabalho pedir-se outro turno. E o dia de trabalho seguinte começa uns minutos depois.
“Por mais que a gente queira satisfazer o cliente, muitas vezes não é possível”, diz-nos outra denunciante. “Há controlo desde que chegamos até quando saímos”. Pelo meio, há “má educação”, gritos de chefias pelo corredor fora “como se fôssemos crianças”. “O ambiente é horrível”, dizem-nos, acrescentando ainda queixas às condições de higiene.
Danilo Moreira, do sindicato, explica-nos que o controlo apertado é comum neste setor. Até “para ir à casa de banho às vezes é complicado, é tudo controlado ao mínimo”.
No Areeiro, onde dezenas de pessoas atendem chamadas para a PT Empresas, é a Randstad quem ali coloca, via outsourcing, boa parte dos funcionários. Mas apesar da dimensão da Randstad Portugal, as queixas ficam ali, nas salas onde dezenas de pessoas atendem chamadas.
“​A Randstad dispõe de um canal [feedback@randstad.pt] para reclamações e sugestões para todos os colaboradores, contudo, não foi recebida qualquer queixa neste âmbito, esclarece a empresa e reitera: A Randstad “desconhece as queixas descritas, tendo no entanto o maior interesse em conhecer com maior detalhe qualquer situação que envolva o bem-estar dos seus colaboradores”.
Notícias ao Minuto tentou também obter respostas da parte da PT, por telefone e e-mail, mas nenhuma resposta nos chegou até à hora de publicação deste artigo.
Por que razão, então, fica a sensação de que estes casos nunca sobem até ao topo da hierarquia, onde os problemas poderiam ser tratados? Por que razão tal acontece mesmo quando se acumulam pedidos de baixas?
“É uma coisa de que se prefere não falar”, explica-nos o presidente do sindicato, chamando a atenção para a precariedade laboral que impera no setor. “Há falta de legislação para esta realidade. Depois a que há não é cumprida”, diz-nos Danilo Moreira.
Ali, no Areeiro, há quem aguente o ritmo e o “ambiente pesado” que nos descrevem de viva voz, nalguns casos durante anos. Isto pelo menos até o corpo e a mente começarem a vacilar.
“Alguns elementos do departamento neste momento estão fisicamente doentes e outros de baixa psicológica”, escreviam-nos na primeira denúncia que recebemos. Entretanto, “abrem cada vez mais vagas de recrutamento”. Nalguns casos é gente que chega apenas para ser “dispensada dois meses depois”.
Fonte:noticiasaominuto   

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