segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Formação Cívica na Compreensão do Estado

Para uma pessoa se enquadrar bem no seio do Estado e do povo, precisa de uma visão recta, de um juízo recto e de boas oportunidades. É necessário ter uma orientação política, não essa que se aprende nos livros e nos cursos, mas essa outra que se vai formando lentamente. Lá por um estudante ter feito todo o curso de medicina com ardente entusiasmo, não significa que seja já um médico magnífico. Sê-lo-á quando conhecer vitalmente o homem saudável e o doente, o corpo com e a alma de um e de outro, quando conhecer não só com o entendimento (nesse caso, os melhores médicos seriam os que melhores alunos da Faculdade), mas através desse contacto vital com o doente concreto que tem ali na sua presença, quando for dotado de um olho que, através dos sintomas externos, saiba penetrar até à própria raiz da doença, saiba ver que o corpo está doente por causa da alma e alma por causa do corpo, quando tiver um ouvido fino, que capte não só o que diz abertamente, mas o que se diz a meias e até o que se cala. É verdadeiro médico quem possui tacto fino e mão segura, firme e terna ao mesmo tempo, quem tem uma confiança esperançada no seu coração, no seu poder de curar e de libertar. Esse homem é um perfeito médico. Nesse caso, há «formação médica».
O mesmo acontece com um homem de Estado. Não é só a ciência, aliás necessária (quem se intromete em assuntos de governo sem um rigoroso conhecimento da sua missão é um irresponsável), que faz o homem de Estado, na verdadeira acepção da palavra. Só o é aquele que consegue uma atitude análoga, que vê com rigor o que é o «Estado», que intui o que é útil e o que é prejudicial ao Estado, que é dotado de uma potência criadora, construtiva e conservadora do estado.
É desta atitude política que queremos falar. Primeiro, porque um dia alguns de nós terão deveres a cumprir na vida pública. Além disso, porque precisamente agora a questão política tornou-se urgente e inquietante de uma maneira especial. Também é nosso intuito faze-lo da maneira mais simples possível. De coisas tão importantes como a essência do Estado, ou a maneira de estruturar a sociedade futura, falaremos muito pouco. Dedicaremos a nossa atenção a coisas miúdas. À semelhança dos outros capítulos, só nos interessa fornecer o instrumento de trabalho. Falaremos, é certo, de parlamento, autoridades e leis; mas só para vermos como encontrar na vida ordinária as raízes de todas estas coisas.
Com isto pretendo o que, na minha maneira de ver, é vital. Não me interessa dizer isto ou aquilo, mas apenas uma coisa: pôr a descoberto a atitude política. Se a tens, olhas à tua volta, observas, e cada movimento, cada leitura do jornal, dilata-se o horizonte. Se não a tens, então tudo é negociação, aborrecimento e intriga.
Tenho de pressupor, para já, que tua não és desses que saem da sede do partido carregados de caixas de ficheiro, dispostos a revolucionar o mundo do pensamento com os milhares de títulos que essas caixas costumam conter: «nacional», «internacional»; «popular», «humanitário»; «fidelidade ao Estado», «revolucionário», «revolucionário» …
Hoje em dia, toda a gente tem essas coisas espalhadas pelos bolsos. Abrir os olhos, examinar os gestos alheios, reflectir demoradamente sobre alguma coisa, isso já não é preciso. Os ficheiros resolvem tudo. Seria absolutamente supérfluo perguntar a nós próprios como actuariam, em dadas circunstancias, certas palavras ou normas, ou determinados acontecimentos. Surge qualquer ideia ou aparece uma oportunidade, ou regista-se qualquer acontecimento? Deita-se um olhar; - já está! Pronto! É formidável não ser preciso pensar! Nós, pela nossa parte, não estamos dispostos a que os partidos nos carimbem o cérebro, nem que os jornais nos esmaguem.
O mais profundo sentido do Estado não é ser útil, mas soberano. É certo que deve ser solicito pelo bem dos seus subordinados – embora não no sentido de que se tenha de preocupar por cada um deles em particular e de os manter sob a sua tutela. Cada um deve preocupar-se pelo seu bem-estar, e o Estado deve tutelar-lhe os direitos e encarregar-se daquilo de que o particular ou os diferentes conjuntos particulares livremente associados não são capazes. Deve cuidar de que haja ordem no país, para que cada qual possa realizar a sua tarefa. Tudo isto é fim do Estado, mas de maneira alguma esgota a sua essência.
Independentemente do fim, o Estado tem um sentido, que é uma coisa muito mais profunda: ser soberano. Não por si mesmo, mas por Deus; deve representar e defender a majestade de Deus na ordem natural, com todas as suas necessidades, energias, paixões, interesses e acontecimentos. Isto não quer dizer que ele tenha de manter a religião e a moralidade. Isso são coisas da consciência e da Igreja. O Estado descansa na moralidade; protege-a na medida em que ela deve ser vigência em público; mas não a representa. O que ele representa é a soberania do Altíssimo nas coisas terrenas, simplesmente pelo facto de ser, de ser reconhecido.
E torna esta soberania afectiva através do direito. O direito também tem um fim: tutelar a liberdade, a vida e a propriedade. Mas, para além desse fim, tem um sentido mais profundo: que a justiça reine em todos os actos e relações humanas, sem outro objectivo ulterior, só pelo facto de ser justiça, ordem querida por Deus no convívio de pessoas livres. Mal desaparece a soberania do Estado, e se passa a ver nele apenas utilidade pública, segurança e actividade económica, morre o que é essencial no Estado. Logo que se passa a ver no direito apenas uma grande ordenação da actividade pública e não essa soberania de que falámos, morre o que há de essencial no Estado. O estado converte-se numa gigantesca empresa de comércio e indústria, numa companhia de seguros, numa sociedade de polícias e carcereiros, num grande patrão.
Aqui temos um dos aspectos que hoje desapareceram. Esse profundíssimo sentido de o Estado encarnar a soberania e ser portador do direito tem-se esfumado cada vez mais. Mas, com isto, desapareceu também o carácter propriamente político do Estado. Cada vez se impõem com maior força os objectivos puramente económicos. E o Estado converte-se em protector de assuntos meramente privados. Vai perdendo constantemente o que o seu carácter público lhe outorga: ser lugar-tenente de Deus na ordem natural.
Na próxima reflexão vamos procurar definir o que significa ser politico, temática que nos parece ser difícil numa altura em que os políticos estão cada vez mais desacreditados.

Joaquim Carlos

(Jornalista)

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