quarta-feira, 25 de maio de 2016

Macroscópio – Já ninguém quer saber dos gregos?

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Foi mais uma longa maratona do Eurogrupo, que entrou pela noite dentro com momentos em que se comentava se Euclid Tsakalotos (na foto a falar com Dijsselbloem) não teria de aguentar uma negociação tão longa como a enfrentada por Alexis Tsipras há um ano, mas o fumo branco lá apareceu já de madrugada, em boa parte porque foi necessário telefonar a Christine Lagarde, a directora-geral do FMI e esta estava no Cazakistão e foi muito difícil estabelecer a ligação. No final o FMI acabou por ceder muito na sua exigência de reestruturação da dívida grega, já que tudo ficou adiado para 2018 e só se os gregos cumprirem mais alguns condicionalismos. Poul Thomsen, diretor do departamento europeu do FMI, a reconhecer que, “do lado do FMI, fizemos uma enorme cedência”. O que significa que Wolfgang Schäuble levou novamente a melhor.

A verdade porém é que, desta vez, poucos foram os que deram real atenção a mais esta longa e tensa reunião em Bruxelas, e em boa parte percebe-se porquê: A Grécia é um caos. “E a Europa está pelos cabelos”, como disse ao Observador o antecessor de Varoufakis, Gikas Hardouvelis, numa entrevista cuja leitura considero indispensável. O ministro das Finanças do último governo da Nova Democracia faz um relato muito cru do que se passa no país, um país a que verdadeiramente deixámos de prestar atenção apesar da multiplicação das medidas de austeridade e das greves gerais. Primeiro explica que o que se passa no país é consequência do “comportamento errático que [o governo de Tsipras] teve na primeira metade de 2015 e pela atitude de confrontação [de Varoufakis]”. Depois conta como a economia voltou a afundar, pois o que se fez foi que, “Em vez de se cortar na despesa e nos salários da função pública, e fechar empresas que não acrescentam qualquer valor social, [os líderes europeus] deixaram o governo seguir pela via dos aumentos de impostos, o que cria um enorme desincentivo para as pessoas trabalharem.” Sendo que fora da Grécia isso já não parece incomodar ninguém:
A Europa, agora, parece que já não quer saber. Já não há contágio nos mercados financeiros, a Grécia está isolada. Muita Europa está farta até aos cabelos de ouvir falar da Grécia, dos gregos, dos políticos gregos, da economia grega… Não querem saber — é como se dissessem: “Façam o que quiserem, não queremos saber se vão promover o crescimento da economia, se fazem o ajustamento todo pela via dos aumentos de impostos, força… Querem criar mais uma recessão? Força… A escolha é vossa. O problema é vosso. Deixem-nos em paz“.

Este leitura não é muito diferente da de Alexis Papachelas, colunista do diário grego Ekathimerini que, hoje mesmo, em An insane country, nota que “Outside of Greece, no one cares anymore whether the country is governed by the right or the left. They just want to get on with their business.” E depois acrescenta: “Things that should have been done, irrespective of who’s in charge, will be done, though at a cost. Political time in the bailouts era is running at a vertiginous speed and the beast keeps “swallowing” prime ministers and administrations. A leftist government is carrying out the most right-wing policies anyone could imagine, overturning the entire post-dictatorship pattern. History is moving along, albeit in an insane manner. But it is moving on and that is what matters most.”

É como se se vivesse numa espécie de ficção de que tudo corre conforme o previsto, e é exactamente essa a perspectiva do editorial do Wall Street Journal, The Greek Fiction. Onde escreve, depois de descrever a futilidade do que se discute entre a Europa e o FMI sobre o que deve ser feito por Atenas: “Mr. Tsipras’s statist ideology is as hostile as ever to the supply-side reforms Greece needs, and both the IMF and other creditors seem to be giving up hope that any other Greek politician could enact such reforms. Which means Greece’s crisis will drag on no matter what happens next with Greece’s debts.”

(Já agora, para conhecer melhor os pormenores do acordo do Eurogrupo há um bom descodificador do que passou na mesma edição europeia do Wall Street Journal, The Short Answer: How Greece Got Another Debt Deal. Vejamos uma das suas perguntas e respostas:
Why Did the IMF Give So Much Ground?
Despite the IMF staff’s deep skepticism about Greece’s solvency and the math of the bailout plan, they ultimately answer to the IMF board, where Western governments such as Germany and the U.S. have a voting majority.
Behind the scenes, German Chancellor Angela Merkel has pressed in recent weeks for the IMF to announce that it will rejoin the bailout, so that she can get the Greek issue off the table quickly without controversy in Germany.
Ms. Merkel and U.S. President Barack Obama are eager to avoid a new drama over Greece when the European Union is looking unusually politically fragile given the refugee crisis, the rise of populist parties across the bloc, and the U.K.’s referendum on whether to leave or remain an EU member.
Under pressure from its dominant board members, the IMF had little choice but to accept Germany’s preferred formula on Greek debt.)

A análise do outro grande jornal económico europeu, o Financial Times, ajuda, em Messy Greek debt deal leaves key questions unanswered, a perceber o que foram as cedências alemãs, que também as houve: “For Germany too, the deal amounted to a trade-off. Wolfgang Schäuble, German finance minister, met his two main red lines: no haircuts and no Bundestag votes before the German federal elections in 2018. But to secure the IMF’s political participation, he made a concession: an implicit commitment to meeting a DSA that will be hard to retreat from. And language was softened on the requirement for Greece to meet a 3.5 per cent budget surplus target for at least the next 10 years; this would now be reviewed in 2018.”

De resto este jornal acrescenta um delicioso pormenor sobre a forma como as negociações decorreram, já que boa parte do tempo foi consumido em encontros bilaterais fora da sala do Eurogrupo entre Dijsselbloem, Schäuble e Poul Thomsen: “For the others present, the tedium gradually turned to farce as they passed the midnight hour. The strut of “Zorba’s dance” rang out across the room from one mischievous official’s iPad, only to be clapped on by colleagues. The deal came soon after, but most negotiators knew they would be back for another debt dance soon enough.”

A fechar a minha selecção de hoje, a análise de Xavier Vidal-Folch no El Pais, Pasar del “no pasarán” al “cosa hecha”, onde nos fala da “esquizofrenia política de la UE, el FMI y Atenas”. E onde procura explicar o contorcionismo de cada um dos protagonistas, assim enquadrado: “Cuando el severo ministro alemán de Finanzas, herr Nein, anuncia paz, es que la paz es cosa hecha. Aunque se deba a la urgencia de no estropear su agenda electoral, a la de no enrarecer más la cuestión británica presentando a Europa como madrastra, o a ambas. Además del calendario, otras fuerzas empujan al acuerdo. Como la esquizofrenia —o contradicciones internas— de cada actor, que les dificulta mantener posiciones.”

E por hoje é tudo. Reencontramo-nos na sexta-feira, que o Macroscópio não faz ponte. Aproveitem o feriado para descansarem e, também, para porem as leituras (algumas) em dia.
 
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