quarta-feira, 27 de julho de 2016

INTEGRANDO A EURÁSIA

1 – Precisamente ao mesmo tempo em que se forjou a arquitectura do BREXIT, a EurÁsia move-se em sentido contrário às possibilidades de desagregação da União Europeia, conforme se pode comprovar pelas trilhas diplomáticas, sócio-políticas e as iniciativas conjuntas e em separado de Putin e de Xi Jinping com vista à proliferação de acções económicas e financeiras comuns e ao reforço dos relacionamentos multinacionais no maior espaço continental do globo.

Esse não é um dado novo, mas a reafirmação dele este ano está a ser efectivamente significativa, mais ainda pelo contraste entre o que é da hegemonia unipolar e do que é coesão multipolar.

A trilha de Putin é exemplar nesse sentido e é por tabela a resposta clara ao drama europeu do BREXIT, assim como às contradições entre as oligarquias europeias e cínicas ambiguidades que também entre si vão proliferando, tal como no que diz respeito ao semear de tensões por parte dos Estados Unidos, em torno das fronteiras da Rússia e da China, fazendo uso de instrumentos que vão da implantação da NATO, a políticas neo fascistas e neo nazis de estados, entre o Báltico e o Mar Negro sobretudo.

Putin ao mesmo tempo demonstra as capacidades inteligentes da Rússia no seu próprio exercício de“soft power”, com uma orientação geo estratégica transcontinental, a quente e em cima dos acontecimentos, com todo o sentido de oportunidade, muito embora a programação institucional que isso vem obrigando.

De facto a inteligência académica russa, demonstra a sua qualidade e persistência geo estratégica em contraposição à União Europeia (por tabela em contraposição aos Estados Unidos), de forma dissuasora, persuasiva e ao mesmo tempo irrefutável, quando os falcões tentam desesperadamente instrumentalizar a NATO a fim de suster a ofensiva sócio-política, económica e financeira dos emergentes EuroAsiáticos, recorrendo mesmo ao neo fascismo e ao neo nazismo de modo a procurar radicalizar os parâmetros do contencioso militar no leste, no sudeste europeu e Médio Oriente adentro até ao Cáucaso e ao Afeganistão.

2 – A ofensiva de Junho de Putin teve três manifestações essenciais:

- A realização do Fórum Económico Internacional de São Petersburgo (20ª edição), entre 16 e 18 de Junho (o mais extenso dos 20 já realizados);

- A 16ª Cimeira anual da OCS (Organização de Cooperação de Shangai) em Tashkent, capital do Uzbequistão, entre 23 e 24 de Junho;

- A visita de Putin à China, por fim a 25 de Junho (15 anos depois da assinatura do Tratado de Amizade, Cooperação e Boa Vizinhança entre a China e a Rússia) e culminando as iniciativas.

Em todos os acontecimentos Putin “subordinou” (passo o termo) as iniciativas de relacionamento à geoestratégia de coesão multipolar, que respeita a originalidade sócio-política, económica, financeira e cultural de cada associado, ou observador (componente ou candidato como no caso da OCS).

Isso permite-lhe contrapor-se à barbárie do modelo de capitalismo neoliberal que procura consolidar a hegemonia unipolar promovida pelos Estados Unidos (pela liderança e domínio de 1% da humanidade) e seus vassalos ocidentais e arábicos.

Assim face a face, o premeditado e inteligente “soft power” russo surge com toda a superioridade ética e efectiva, “apagando” qualquer vulnerabilidade em função das sanções que cada vez se tornam mais prejudiciais à instigada União Europeia, ao invés de alcançar os seus objectivos contra a Rússia, algo que não foi menosprezado no 20º Fórum Internacional de São Petersburgo.

A Rússia vai buscar na profundidade asiática, o que a União Europeia sancionou e a União Europeia não é ressarcida dos prejuízos por quem instigou as sanções e as crises a leste, os Estados Unidos.

A União Europeia, por outro lado, seguindo a trilha da hegemonia unipolar, está a ver-se confinada ao TTIP (“Transatlantic Trade and Investment Partnership”), que se acrescenta à “cadeia” da NATO, enquanto algo similar acontece no lado do Pacífico, com o TPP (“Trans-Pacific Partnership”).

Esses Tratados que se alicerçam via transposição oceânica, contrastam e contradizem a pista dos Tratados que a Rússia leva a cabo via transposição continental (EuroÁsia), até pela natureza distinta das suas abordagens e numa altura em que os BRICS sofrem a relativa neutralização do Brasil pela hegemonia unipolar!

3 – O 20º Fórum Internacional de São Petersburgo, tem servido (sem se reduzir a isso) como estímulo à União Económica EuroAsiática da qual fazem parte os três membros iniciais (a Rússia, a Bielorrúsia e o Cazaquistão na Ásia Central), a que se juntaram a Arménia e o Quirguistão, tendo como membro observador o Tajiquistão, tirando por fim vantagem da Comunidade de Estados Independentes.

Nele a Rússia conseguiu demonstrar que não está isolada muito menos bloqueada, pois foram muitos os interesses económicos, financeiros e sócio-politicos que se associaram, inclusive ocidentais.

No Fórum, levado a cabo num recentemente inaugurado centro situados nos arredores de São Petersburgo, estiveram presentes cerca de 600 entidades da Federação Russa e 500 outras provenientes do exterior, incluindo de alguns dos países mais decisivos do quadro da economia mundial, como Estados Unidos, Grã Bretanha, Alemanha, França, Itália, Japão…

Um dos principais tópicos das discussões em Agenda, prendeu-se ao futuro das relações entre a Federação Russa e a União Europeia numa perspectiva de “parceria estratégica”…

Nessas discussões participarem personalidades como o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, Jean Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, Matteo Renzi, 1º Ministro da Itália, Nicolas Sarkozy, ex-Presidente da França…

Na sua tradicional intervenção, Putin referiu-se às espectativas de integração que não podem excluir a Europa, não só com horizonte no relacionamento com a Federação Russa, mas aberta a todo o espaço geoestratégico da EurÁsia!

4 – A 16ª Cimeira anual da OCS (Organização de Cooperação de Shangai) em Tashkent, capital do Uzbequistão, entre 23 e 24 de Junho, correspondeu aos imensos desafios em prol da vitalidade da EurÁsia.

O Presidente do Cazaquistão, Nursultán Nazarbáyev, entendeu mesmo a mensagem da Putin: uma EurÁfia integradora e forte, é a alternativa para que a UE se consiga desprender da influencia norte-americana.

A reunião de Tashkent trouxe novos elementos e entre eles sobressai a entrada simultânea na organização, da Índia e do Paquistão. Vencendo disputas regionais.

Integrar pela via multipolar, respeitando as culturas dos povos e as identidades nacionais, assim como o estágio económico, financiero e sócio-político de cada país (ou de cada componente), implica lutar contra o divisionismo crónico imposto pela geo estratégia da hegemonía unipolar (dividir e dividir para melhor reinar), incentivada pelos Estados Unidos, ou seja, uma nova possibilidade geo estratégicas para a União Europeia, de modo a integrar os esforços EurAsiáticos, num paralelo continental que pode ser explorado do Atlântico Norte, ao Pacífico Norte (a todo o comprimento, por exemplo, da “rota da seda”).

A OCS depois de Tashkent passa a integrar no seu espaço vital praticamente metade da população mundial, 60% da massa continenal da EurÁsia e cerca de 20% do PIB global, conforme aponto o Presidente do cazaquistão, um país da Ásia Central (uma das chaves geo estratégicas das aspirações comuns da OCS).

A Declaração de Tashkent da OCS, aprovou, para além da integração no espaço dum ano da Índia e do Paquistão, a necessidade prioritária de combate ao extremismo e ao terrorismo, algo que tem a ver com a segurança comum, a geo estratégia continental implementada e os projectos já em curso.

Concomitantemente a OCS tratou de criar um consenso dos seus membros em relação ao Afeganistão, à Ucrânia e à Síria, reafirmando a preservação das respectivas integridades nacionais, o que reforça o papel geo estratégico da Rússia face à hegemonia unipolar e a instrumentos como a NATO.

De facto esse reforço tem já a ver com a fragilização da NATO, visível na Grécia, na Bulgária e na Turquia, assi como ao desgaste do contencioso de entrada da Turquia na União Europeia.

De forma programada e inteligência, Putin utilizou as reuniões de São Petersburgo e de Tashkent, para antecâmara de sua visita a Pequim, corolário dos seus esforços em Junho.

5 – A visita de Putin à China reforçou os já firmes laços comuns entre a Federação Russa e a República Popular da China, ampliando os consensos e os entendimentos geo estratégicos com Xi Jinping.

Os dois Presidentes em Tashkent haviam trabalhado em conjunto com o Presidente da Mongólia,Tsajiagiin Elbegdorzh, com vista a criar um corredor entre a Rússia e a China, passando por aquele país, mas os acordos em Pequim integraram projectos geoestratégicos de vulto, o maior dos quais se refere à energía (criação de oleodutos e gasodutos entre a Rússia e a China, fornecendo petróleo e gás a preços fora de concorrência à China).

O fornecimento de gás à China orçará, durante os próximos 4 anos, algo equivalente a 400.000 milhões de dólares norte-americanos.

A partir desta reunião em Pequim, reforçam-se também os laços militares, que se tornarão mais visíveis nas iniciativas futuras de ambos os países e estados, levando muito a sério as ementas de desagregação trabalhadas pela hegemonia unipolar e o efeito dominó de suas pretensões quer em relação à Federação Russa, quer em relação à República Popular da China.

Quem controla a EurÁsia, controla o mundo pelo que os relacionamentos cada vez mais aprofundados entre a Federação Russa e a República Popular da China, garantindo coesão multipolar por via de processos integradores, está no caminho certo para baldear as prerrogativas históricas consubstanciadas pela hegemonia unipolar, conferindo outro carácter às potencialidades da globalização. 

*Fotos que ilustram os passos geoestratégicos de Putin em São Petersburgo, Tashkent e Pequim, em Junho de 2016.

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