segunda-feira, 24 de abril de 2017

Macroscópio – O dia seguinte de Emmanuel Macron e Marine Le Pen

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Desta vez as sondagens acertaram e a segunda volta das eleições presidenciais francesas vai ser disputada entre Emmanuel Macron, um antigo ministro socialista que diz que não é de esquerda nem de direita, e Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional. Neste primeiro dia pós-eleições as diferentes forças políticas foram-se posicionando (pode conhecer todo o detalhe no liveblog do Observador), sendo que a regra foi o apelo ao voto em Macron, mesmo tendo-se registado alguns silêncios significativos (da extrema-esquerda). Neste Macroscópio não podia naturalmente fugir a um balanço, o que farei com ajuda do que de mais significativo foi publicado em Portugal (menos do que eu esperava, devo dizer) e de alguns textos da imprensa internacional que, mais do que repetirem as análises mais comuns, suscitam algumas interessantes pistas de reflexão.
 
No que respeita à opinião publicado em Portugal, começo por cinco textos editados no Observador:
  • Metade dos franceses votaram contra o euro e a UE, de Rui Ramos, onde se sublinha a profunda divisão de um país sobre a questão europeia e se escreve que “é improvável que a elite política consiga assegurar um governo efectivo.”
  • Macron, um Presidente sozinho, onde Alexandre Homem Cristo parte do princípio de que Macron será o próximo Presidente da França para sublinhar que, pensemos o que pensemos do seu programa, “ele é um homem sozinho e sem força política para reformar uma França decadente”.
  • Eleições em França: A ilusão pós-nacional, uma crónica de João Carlos Espada onde ele parte do que aconteceu em França para reflectir sobre o perigo da ideia de que as nações são qualquer coisa que pertence ao passado. Na sua opinião é mesmo “o sentimento nacional partilhado que viabiliza o princípio demo-liberal do “governo da maioria, direitos das minorias.
  • Macron e Le Pen: filhos desavindos da mesma França, de Diana Soller, uma investigadora do IPRI, que escreve sobre uma primeira volta que “foi uma espécie de cemitério dos partidos políticos tradicionais.”
  • Drama em quatro actos, um texto escrito mesmo a quente, ainda no domingo, por Manuel Villaverde Cabral, que defende, também ele, que “dificilmente se encontrará uma maioria partidária capaz de dar à França as reformas que esta necessita de fazer, tanto por motivos domésticos como europeus, e que têm falhado nas últimas presidências.”
 
Mais alguns destaques do que foi publicado no resto da imprensa portuguesa:
  • Mudança de época, de Jorge Almeida Fernandes no Público, que, depois de sublinhar que “O mais pesado e simbólico efeito da primeira volta das presidenciais é a eliminação do Partido Socialista e de Os Republicanos”, acaba a citar politólogos franceses que lembram “a "revolução gaullista" de 1958, para evocar uma próxima "revolução francesa" tornada inevitável pela crescente "desconfiança popular perante as elites" e pelas "ansiedades geradas pela globalização e a imigração, pela diminuição da mobilidade social e a crescente desigualdade".
  • A França é outro país. É cedo para dizer qual, de Teresa de Sousa no mesmo Público, onde se suspira de alívio: “Macron permite dizer, por agora, que o centro aguentou.”
  • Os votos do Estado Islâmico, um texto de Henrique Burnay no Diário de Notícias, escrito ainda antes da votação, mas onde se chama a atenção para o efeito que um grande atentado pode ter numas eleições (já uma vez sucedeu, em circunstâncias muito particulares, com o atentado do 11 de Março de 2004 em Madrid) e para o que pode ser a estratégia de “quanto pior melhor” do Estado Islâmico.
  • O medo não ganhou em França, onde Francisco Sarsfield Cabral, na Rádio Renascença, de alguma forma conclui esse raciocínio, mas notando que o atentado dos Campos Elíseos não teve afinal o efeito eleitoral que se chegou a temer: “Marine Le Pen, que jogou com o medo para obter votos, ficou atrás de Macron. Uma decepção para Trump, para Putin e sobretudo para o chamado “Estado Islâmico”, que pretende extremar o conflito dos europeus com os muçulmanos.”
  • A França desagradou aos profetas, de Henrique Monteiro no Expresso Diário (paywall), onde ele já reage a alguns dos textos entretanto publicados em Portugal, nomeadamente no Observador, declarando-se mais optimista: “O meu amigo de há muitos anos João Carlos Espada ou o meu amigo Rui Ramos, como o Alexandre Homem Cristo que não tenho o prazer de conhecer, mas com o qual concordo muitas vezes (e que, ainda assim, é o menos pessimista dos três) apresentam preocupações sobre a França que têm razão de ser. Nomeadamente a destruição dos partidos que sustentaram o regime (PS e gaullistas), no caso de Espada; e o facto de quase meia França ser contra a Europa, como escreve Ramos. É verdade. Mas esquecem, no meu modesto entender, aqueles dois académicos brilhantes que há dinâmicas e que há apenas umas semanas, isso era o menos. O que estava em cima da mesa eram cenários de terror, que iam da vitória da extrema-direita mais perigosa da Europa (como classifica, a meu ver bem, Pacheco Pereira) até ao pesadelo de uma segunda volta entre Le Pen e Mélenchon.”
 
Como vêem a imprensa portuguesa de hoje ainda não foi muito pródiga em análises e comentários, pelo que socorro-me da imprensa internacional para vos deixar mais pistas de reflexão.
 
Primeiro, alguns dados tão importantes como significativos, melhor ilustrados através de um gráfico e um mapa. Primeiro, o fracasso dos partidos tradicionais, algo que o Le Monde classificou como un revers inédit dans la Ve République pour les deux grands partis français. Isso fica bem evidente no gráfico que se segue, onde se mostra a evolução da soma dos votos, na primeira volta das eleições presidenciais, da direita republicana e da esquerda socialista de 1965 para cá, ou seja, nas últimas cinco décadas:

Já o mapa que reproduzo a seguir é da Agence France Press e mostra as comunas onde o candidato socialista venceu em 2012 (era François Hollande) e aquelas em que Hamon venceu em 2017:

 
O New York Times tem também uma boa síntese gráfica de como How the Election Split France:
 
 
Quer isto dizer que os socialistas desapareceram do mapa político da França? Se o tom geral dos comentários vai nesse sentido, sublinhando a profunda divisão do partido e a humilhação do seu candidato às mãos do candidato da extrema-esquerda (aparentemente os eleitores preferiram o original, Mélenchon, à cópia desenxabida protagonizada por Hamon), a verdade é que também encontrámos leituras quase opostas. Talvez mais provocadora de todas seja a de Jonathan Miller na britânica The Spectator, sendo que o título do artigo já levanta um pouco o véu sobre a tese deste autor: The real winner of the French presidential election? François Hollande. Para o autor Macron sempre foi uma criação de Hollande, “a master political technician, with a specialty in dirty tricks”. Miller acusa mesmo Hollande, e o seu governo, de terem orquestrado a campanha contra Fillon, o candidato republicano que, se não tivesse sido atingido pelo escândalo, se esperava que derrotasse Macron: “The evidence against Fillon appears to have come directly from a secretive cell within the Finance Ministry, a Cabinet Noir, with access to the tax returns of both Fillon and his Welsh wife, Penelope. These documents found their way to the investigating magistrates, who pounced. Only the naive can imagine that the magistrates are unmotivated by their political sympathies”.
 
A Spectator não é a única publicação britânica a considerar que um Presidente Macron será mau para os interesses do Reino Unido nas negociações do Brexit (no Telegraph também apareceu uma coluna a defender a mesma ideia, Five reasons Emmanuel Macron would be bad for Brexit and Theresa May, assim como no Guardian, French presidential favourite Macron may drive hard bargain in Brexit talks), mas a tese de que Macron sempre foi o plano secreto de Hollande não tem muitos adeptos. No El Pais, por exemplo, escreve-se mesmo que assistirmos a La emancipación de Frankenstein. Em concreto, “Macron fue una creación de Hollande que, "al mismo tiempo", descubrió su propio camino pactando con los conservadores”.
 
Olhando para o futuro, começam também a aparecer as análises que sublinham as dificuldades de Macron, como esta publicada no site conservador Atlantico: Après une soirée d'euphorie, Emmanuel Macron face à une pression maximale dans l'entre deux tours (et au delà...). Para a autora, Anita Hausser, Macron pode ter mais dificuldades do que se pensa a mobilizar os eleitores de direita desiludidos com o afastamento de François Fillon, até porque já se mostrou muito dividida: “Et si François Fillon a appelé ses amis politiques à "rester unis et déterminés", le Mouvement Sens Commun dont les bataillons ont été les plus fervents soutiens du candidat de la droite et de Centre, ne veut "ni le chaos de Marine Le Pen, ni la déconstruction d'En Marche !". D'ailleurs les sondages (notamment celui de Harris Interactive) sur les reports de voix des électeurs de François Fillon, montrent que la moitié seulement de ces électeurs sont prêts à voter Macron au deuxième tour. Les ondes de choc de la présidentielle ne font que commencer.”
 
Por outro lado, como relata Pauline Bock na New Statesman (esquerda), é preciso contar com The French millennials marching behind Marine Le Pen. Numa peça que é ao mesmo tempo reportagem e testemunho pessoal, a autora nota que Marine Le Pen “has blurred enough lines to seduce voters her father never could – the young, the gay, the left-wingers. At the end of his speech, under the rebranded banners, Philippot invited the audience to sing La Marseillaise with him. And in one voice they did: “To arms citizens! Form your battalions! March, march, let impure blood, water our furrows...” The song is the same as the one I knew growing up. But it seemed to me, this time, a more sinister tune.”
 
Ainda sobre o recuo da esquerda em França é interessante ler Antonio Elorza no El Pais, em La involución francesa. Pequena passagem: “La desagregación de la izquierda en Francia es una variante del marco de la Europa mediterránea. Cayeron primero los partidos comunistas, víctimas tanto de su obsolescencia económica y de la nueva sociabilidad, como del desplome de la utopía soviética. (...) El penoso ejemplo de Benoît Hamon lo muestra, convirtiéndose además en personificación de una socialdemocracia que se hunde, tras haber sido incapaz de garantizar reformas sostenibles, de Mitterrand a Hollande.
 
Bem, mas acabar num registo mais ligeiro, deixemos a análise política pura e dura e passemos à apresentação das preferências estilísticas de Brigitte Trogneux, a mulher de Macron, sua ex-professora a 25 anos mais velha do que ele. Mas que não parece, como verão lendo este trabalho do Telegraph: Analysing the soignée style of Brigitte Trogneux - the woman who could be France's next First Lady. Por ele ficamos a saber que é uma frequentadora das passagens de modelos de alguns dos principais desenhadores franceses, sinal de que aos 64 anos a moda não lhe é de todo indiferente.
 
E por hoje é tudo. Amanhã teremos mais umas comemorações do 25 de Abril, na quarta regressamos à rotina dos dias laborais. Tenham um bom descanso e melhores leituras. 

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2017 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário