Miguel Coutinho
Estudante do Mestrado Integrado em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações
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Nenhum escritor, enquanto escreve um livro, é imune à ausência de palavras que atormenta uma página em branco. Existe um confronto entre as suas expectativas, aquilo que quer expressar e a perspetiva que tem sobre os seus leitores, algo que o paralisa e que lhe cria barreiras mentais à criatividade. O que fiz, quando escrevi um livro, foi tudo menos escrever um livro. «Adeus a Deus» são as páginas do caderno de rascunhos de um adolescente que procurava organizar e estabelecer o seu lugar no mundo. Esse adolescente nunca pensou que outras pessoas fossem ler esse caderno, então cravou no papel todo o caos intrínseco à dissonância cognitiva que experienciou quando perdeu a verdade absoluta da sua crença religiosa.
Escrever era uma paixão, mas também um método - a minha vida sempre foi uma fuga àquilo que não é escrever, porque desde cedo percebi que a arte é a forma de expressão mais honesta, percebi a importância de abrir mentes, causando, aos que a apreciam, desconforto interno, por isso, nutro um assumido e honesto gosto em provocar - costumo dizer que nasci para irritar as pessoas, porque acredito ser essa uma das formas mais eficazes de incendiar a expansão pessoal dos que me leem.
Ofendo-vos com o sorriso nos lábios de quem vos faz um favor.
Já derramei muita tinta sobre a religião – demasiada, diria, por quão irrelevante é o tema na maneira como vivo a minha vida. Outrora, cada palavra que escrevi foi necessária - não porque queria escrever um livro ou que outras pessoas me lessem, mas porque, dentro de mim, existia a confusão inerente e natural perante as respostas superficiais que tinha e que nunca satisfizeram as minhas mais profundas questões existenciais.
A verdade é que a crença na existência de um ou mais deuses, a aderência a um culto organizado é uma vertente da existência humana muito íntima ao indivíduo e que, por ironia, lhe retira individualidade, algo comum a qualquer ideologia cuja adesão não solicite o filtro informado da nossa própria razão. A religião e o futebol são exemplos gritantes do impacto da cultura e do contexto na formação pessoal. Não tenho critérios lógicos que justifiquem ser do Benfica, da mesma forma, não tinha critérios lógicos quando, na minha infância, aceitei a proposição de que existe um deus criador, omnipotente, omnipresente, omnisciente e sumamente bom. Baseando-se no dogma, uma crença religiosa é a aceitação cega de uma verdade absoluta, dispensando os argumentos lógicos que a elevam a essa categoria – e o orgulho desmedido em que assim seja, porque, afinal, “felizes os que creem sem terem visto”. Assim, a fé pertence, por definição, ao domínio das emoções. Quem não compreende o perigo da cegueira que é autoimposta, escolhendo rejeitar a sabedoria popular de que «o pior cego é aquele que não quer ver», não compreende o porquê dos confrontos entre claques num estádio de futebol, não compreende o porquê de um homem que carrega uma bomba ao peito, acreditando estar a fazer aquilo que para ele é um plano divino, não compreende o porquê de uma criança ser um alvo fácil perante o ímpeto de uma boa narrativa.
Tudo o que queria dizer escrevi no livro e sei que “tudo o que queria dizer” é demasiado para muitas pessoas. Se já assim o é quando o tema é mais leve, era inevitável que este em particular me afastasse anos-luz do politicamente correto. No entanto, a minha escrita é prolífica nesse ambiente e o resultado final é um livro que polariza por completo quem o lê - amor ou ódio, a indiferença não é opção.
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